Em menos de uma semana, Lisboa foi assolada por fortes chuvas e as inundações passaram de memórias à realidade de muitas freguesias da cidade. Carlos Moedas enfrenta o maior teste, até ao momento, do mandato, mas a oposição — apesar de deixar algumas críticas — não se apressa a crucificar o autarca. Com “cenários inesperados” onde “até o IPMA falhou”, Carlos Moedas está longe de ter o apoio dos partidos na oposição, mas para já ainda goza de um temporário benefício da dúvida.

Estado de graça esse que não se estende aos anúncios repetidos e odes que Carlos Moedas tem feito ao Plano Geral de Drenagem de Lisboa (PGDL). Neste ponto, o Bloco de Esquerda distancia dois pontos: “A história e o momento”. Por história, os bloquistas querem lembrar todo o processo de décadas que o PGDL já atravessou. Lançado por Carmona, abandonado anos mais tarde, recuperado por Costa e prosseguido por Medina. Agora, Moedas recebeu a fase final e tem evocado a construção dos dois túneis como a solução para os problemas de cheias da cidade.

Sete estaleiros e obras durante três anos para tentar proteger Lisboa de inundações. Plano tem custo total de 250 milhões de euros

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E é aqui que entra, para os bloquistas, o atual “momento”. “Há tentativa de fuga para a frente de Moedas de dizer que quando o túnel estiver feito vai correr tudo bem. Enquanto o pau vai e vem folgam as costas”, comenta com o Observador fonte do Bloco de Esquerda, que aponta a Moedas a narrativa de culpar as “alterações climáticas, para não dizer que houve problemas.”

“Carlos Moedas parece aceitar algum fatalismo que até 2025 nada podemos fazer”, diz PS

Já os socialistas estão desconfortáveis com o discurso que Carlos Moedas tem seguido em relação às cheias e “o fatalismo com que aceita que até 2025 nada se pode fazer”. Mais: apontam o dedo à “navegação à vista dos alertas” que Moedas vem adotando.
A vereadora Inês Drummond diz ao Observador que “há muita coisa que pode ser feita até 2025” — data prevista para a conclusão dos dois túneis principais do PGDL — e que ainda “falta um conjunto de obras que é preciso lançar e que estavam previstas no plano”. E lembra as importantes bacias de retenção e infiltração do Campo Grande, Vale de Chelas, Vale Furão, Quinta da Granja e do Parque Oeste.

“Estas obras têm que avançar. Não podemos ficar à sombra de que os túneis de drenagem são a solução miraculosa, que não são. Se já estivessem em funcionamento, os problemas no Campo Grande, por exemplo, continuariam, estão a jusante dos dois túneis”, aponta a vereadora socialista na autarquia que pede também “atuação ao nível do ponto de vista da prevenção, dos meios humanos e dos recursos.”

Também o PCP nota que o PGDL “vai além dos túneis de drenagem”, lembrando as “bacias de retenção e intervenção na rede de coletores” e que é “errado supor que nada mais há a fazer para além da concretização do Plano de Drenagem”. “Políticas e opções erradas no domínio do Urbanismo agravaram os riscos aos quais Lisboa está hoje exposta. O atual Plano Diretor Municipal (PDM), aprovado em 2012 por PS e PSD, liberalizou os usos do solo, abrindo a porta a ocupações excessivas e desadequadas. Urge infletir caminho, planeando adequadamente as ocupações do solo da cidade, revertendo ou corrigindo situações indutoras de risco”, consideram os comunistas, que querem uma “mudança radical nas políticas urbanísticas vigentes.”

Na memória da ex-presidente de junta socialista, Inês Drummond, está ainda a situação de alerta vivida em 2018, com a tempestade Leslie — que depois acabou por se desviar da rota e atingir com maior intensidade a zona centro, deixando Lisboa praticamente intacta — e a preparação realizada pelas autoridades, em coordenação. “O alerta do IPMA foi dado às 23horas . Às 10 horas estávamos, os presidentes de junta, reunidos com Proteção Civil, Bombeiros, a unidade de intervenção rápida da Câmara Municipal e a higiene urbana a definir e distribuir tarefas e linhas de contacto diretas”, diz, acrescentando que em nenhum dos últimos dias “houve uma reunião preparatória com os presidentes de junta” ou um “debriefing” depois das fortes chuvas da madrugada de dia 8 de dezembro.

Na reunião de Câmara desta segunda-feira o Partido Socialista pediu ao Executivo que fizesse uma revisão das medidas de emergência e um levantamento com o LNEC das zonas da cidade mais suscetíveis deste tipo de problemas, para que sejam depois definidos vários procedimentos a aplicar. Explica a vereadora socialista que também na área dos sem-abrigo a autarquia demorou mais tempo a reagir do que o expectável.

“A perceção que temos é que Carlos Moedas está a fazer navegação à vista. Agora já há alertas à população, mas é necessário que se façam alertas com mais antecedência, sobretudo quando estamos nisto há uma semana”, frisa a vereadora do PS, que considera a demora em adotar medidas para os sem-abrigo uma “falha gritante”. “Estamos há quase uma semana com chuvas persistentes, o plano devia estar a ser implementado, com equipas de rua a encaminhar as pessoas para esse tipo de respostas”, considera Drummond.

Ao Observador, a autarquia confirmou ao final da tarde desta terça-feira que o Centro de Acolhimento e Emergência Municipal de Santa Bárbara, o Centro de Alojamento Temporário do Beato e o Centro de Alojamento de Xabregas já estão abertos e disponíveis para acolher pessoas em situação de sem-abrigo, mas a oposição frisa a “demora” na ação.

“Cerca de 20% do trânsito em Lisboa tem relação com as escolas”. Câmara pediu para que pessoas ficassem em casa, mas não pediu às escolas para fechar

Ainda o dia não tinha nascido já o Executivo da autarquia fazia apelos reiterados para que as pessoas não se deslocassem para Lisboa. À mesma hora milhares de alunos e famílias preparavam-se para sair de casa e percorrer o caminho até às respetivas escolas. Aqui, onde o Executivo viu “prudência”, a oposição vê “incoerência”.

“Carlos Moedas diz que a cidade está uma catástrofe, mas não vai acionar a situação de catástrofe. Atropela-se a si próprio. As escolas fecharam por autonomia e não porque a Câmara lhes sugeriu que fechassem, houve crianças a serem expostas a inundações, contrariando a ordem que tinha sido dada para que se ficasse em casa”, critica ao Observador fonte do Bloco de Esquerda que lembra que “cerca de 20% do total de trânsito em Lisboa está relacionado com as escolas”.

Ainda assim, os bloquistas reconhecem que na “quarta-feira houve um conjunto de falhas que esta terça-feira já não se repetiram” e que a ação da autarquia evoluiu entre o primeiro fenómeno e o segundo. A mesma sensibilidade têm alguns presidentes de junta de freguesia ouvidos pelo Observador, que dão ainda alguma margem de falha a Carlos Moedas nas primeiras cheias quando “o IPMA passou os alertas a vermelho e a água já estava pelos joelhos há muitas horas.”

A vereadora independente Paula Marques, eleita pela coligação Cidadãos por Lisboa irá dar entrada na quarta-feira de um requerimento para que a autarquia apresente um relatório técnico sobre a sequência dos acontecimentos; uma nota dos avisos à população e, mais importante ainda “o estado da intervenção de limpeza e manutenção dos sistemas de escoamento nos diversos túneis da idade” e de que “forma a intervenção das equipas de limpeza e manutenção dos sistemas de escoamento se encontra articulada com as juntas de freguesia”.

Neste último ponto, o autarca da Estrela, Luís Newton não tem dúvidas: “A limpeza das sarjetas começa imediatamente após o fim do verão e é repetida sempre que há chuvas na cidade”. Ao Observador, o autarca explica que as cheias não acontecem por problemas no sistema de escoamento, mas sim porque a pressão no sistema é tão elevada que a água começa a sair precisamente pelas tampas dos coletores instaladas nas ruas da cidade.

“A prova que as sarjetas estão limpas é que, quando para de chover a zona alagada seca imediatamente. Se estivessem entupidas não aconteceria. A água vem para a via pública pelas sarjetas, é a pressão faz a água sair”, aponta Newton que frisa a importância “articulação entre os vários dispositivos” essencialmente nesta terça-feira.

O Livre, que pede responsabilidades também ao Governo, considera que cabia a Carlos Moedas “a atempada informação e atuação junto dos residentes e dos pais e encarregados de educação das escolas dos municípios para minimizar as consequências nefastas os danos que se esperavam”. Considera o Livre que o autarca falhou “tendo em conta o nível de previsibilidade e de risco que se perspetivava”.

Com previsão de agravamento do estado do tempo já esta quarta-feira, serão poucas as horas de descanso concedidas às equipas que nas últimas horas trabalharam na limpeza e restabelecimento dos danos nas freguesias afetadas pelas cheias.