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Um bebé internado no serviço de Cardiologia Pediátrica do Hospital de Santa Marta, no âmbito de uma reportagem sobre sequelas da covid-19 em crianças e adultos na unidade hospitalar, em Lisboa, 10 de fevereiro de 2021. (ACOMPANHA TEXTO DA LUSA DO DIA 13 DE FEVEREIRO DE 2021). JOSÉ SENA GOULÃO/LUSA
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JOSÉ SENA GOULÃO/LUSA

JOSÉ SENA GOULÃO/LUSA

Mortalidade infantil. Mais grávidas com patologias, bebés prematuros, partos em casa e uma maior pressão sobre os serviços de saúde

Até julho morreram mais 37 bebés do que nos mesmos meses de 2021. Perfil de grávidas e bebés está a mudar, revela esboço de relatório de 2019 nunca publicado — DGS não diz se elaborou conclusões.

Em junho, foi tornada pública a morte de mais um bebé. A grávida chegou à urgência do hospital das Caldas da Rainha, que funcionava com constrangimentos no serviço de urgência, foi feito um parto por cesariana, mas a criança acabou por morrer. A Ordem dos Médicos alertou para a possibilidade de casos semelhantes poderem vir a repetir-se devido ao encerramento dos serviços de urgências por todo o país e a Inspeção-Geral das Atividades em Saúde determinou a abertura de um inquérito para apurar as causas do óbito. O Sistema de Informação dos Certificados de Óbito (SICO), plataforma gerida pela DGS que atualiza automaticamente o número de mortes a nível nacional a cada dez minutos, — incluirá já o caso das Caldas da Rainha no total das 136 mortes de crianças com menos de um ano que ocorreram entre janeiro e julho deste ano. E permite perceber como a tendência está longe de ser positiva.

Estes dados são ainda provisórios, mas refletem um aumento quando comparados com o mesmo período de 2021, que registou 99 mortes – são agora mais 37. E nos meses de abril e maio, os números duplicaram de um ano para o outro – de 13 e 12 para 30 e 23, respetivamente. No entanto, perante estes dados, é necessário olhar para as causas de morte, uma vez que os números em Portugal são reduzidos e até 2018 o país vivia uma tendência decrescente.

André Graça, diretor do serviço de neonatologia do Hospital de Santa Maria, em Lisboa, afirma que como “os números são relativamente pequenos", "acabam por ser muito suscetíveis a oscilações de ano para ano”. “Se houver um aumento, deve olhar-se para o ano anterior para perceber essa oscilação anual que existe”, acrescentou. 

Como explicou ao Observador André Graça, diretor do serviço de neonatologia do Hospital de Santa Maria, em Lisboa, “os números são relativamente pequenos e acabam por ser muito suscetíveis a oscilações de ano para ano”. “Se houver um aumento, deve olhar-se para o ano anterior para perceber essa oscilação anual que existe”, acrescentou. Seguindo este passo, conclui-se que, de facto, de 2020 para 2021, entre janeiro e julho, se registou uma diminuição da mortalidade em crianças com menos de um ano – de 129 para 99.

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Taxa de mortalidade infantil em 2020 foi a mais baixa de sempre em Portugal

Ao Observador, a DGS diz, no entanto, estar “atenta ao fenómeno da mortalidade infantil” e sublinha que “este indicador registou os valores mais baixos de sempre, situando-se nos 2,43 e 2,40 óbitos por 1000 nados-vivos, respetivamente”. E acrescenta ainda que está a ser estudada a implementação de “um instrumento de monitorização dos episódios de morbilidade materna grave”.

Explicador. O caso do bebé que morreu nas Caldas e a falta de médicos obstetras em nove perguntas e respostas

Mas, afinal, quais são as causas? Muitas desconhecidas e um perfil de grávida e bebé a mudar

“Historicamente, a taxa de mortalidade infantil em Portugal tem diminuído gradualmente”, contextualiza também a DGS, mas o ano de 2018 fica marcado por se ter desviado desta tendência, já que a taxa de mortalidade infantil se fixou nos 3,3 óbitos por cada mil nascimentos. Em 2019, quando foram conhecidos estes dados, a DGS referiu em comunicado que “a mortalidade infantil é uma das melhores demonstrações da evolução qualitativa dos cuidados de saúde e das condições socioeconómicas em Portugal” e determinou a constituição de um grupo de trabalho para analisar as causas da mortalidade infantil de 2018.

O que dizia o despacho da DGS que determinava a criação do grupo de trabalho

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Considerando o apuramento dos dados provisórios da taxa de mortalidade infantil referente a 2018, bem como a verificação de um número superior de óbitos face aos ocorridos em 2017;
Considerando que, não obstante também ter aumentado o número de nados-vivos, facto que não altera de forma relevante a respetiva taxa de mortalidade, importa analisar em profundidade as causas da mortalidade infantil, designadamente nas áreas da epidemiologia, estatística, saúde materna e infantil, entre outras;
Considerando que a informação do estudo a desenvolver deverá ser posteriormente analisada por especialistas/consultores das áreas envolvidas, no intuito de enriquecer as suas conclusões;
E obtida a concordância dos colaboradores envolvidos externos à Direção-Geral da Saúde:
1 – Determino a constituição de um Grupo de Trabalho para aprofundar o estudo da Mortalidade Infantil, constituído pelos seguintes colaboradores:
– Dr. Diogo Nuno Fonseca da Cruz, Subdiretor-Geral da Saúde, que coordena;
– Dr. Herberto Jesus, Presidente do Conselho Diretivo do Instituto de Administração da Saúde, IP – Região Autónoma da Madeira;
– Mestre Benvinda Estela Tavares Santos, Diretora de Serviços de Prevenção da Doença e Promoção da Saúde, da DGS;
– Mestre Daniel Virella Gomes, Centro Hospitalar Universitário de Lisboa Central, EPE;
– Enfermeira Dina Cláudia Simões Oliveira, Enfermeira na Divisão de Saúde Sexual, Reprodutiva, Infantil e Juvenil da DGS;
– Dr. Manuel Gonçalo Cordeiro Ferreira, Presidente da Comissão Nacional de Saúde Materna, da Criança e do Adolescente;
– Enfermeira Maria Bárbara Catanho de Menezes, Enfermeira na Divisão de Saúde Sexual, Reprodutiva, Infantil e Juvenil e Coordenadora do Programa Nacional de Saúde Infantil e Juvenil da DGS;
– Dra. Maria da Graça Osório Trindade e Lima, Diretora de Serviços de Informação e Análise, da DGS;
– Professora Doutora Maria Teresa Mateus Ventura, Chefe de Divisão de Saúde Sexual, Reprodutiva, Infantil e Juvenil, da DGS;
– Mestre Rita Manuel Sá Machado, Chefe de Divisão de Epidemiologia e Estatística, da DGS;
– Dr. Alexis Sentís Fuster, Fellow do Programa Europeu EPIET – European Programme of Intervention Epidemiology Trainning, a desenvolver a atividade na DGS.
2 – Designo como especialistas/consultores os seguintes colaboradores:
– Dra. Carla Pinho Rodrigues, Presidente do Conselho Nacional de Procriação Medicamente Assistida;
– Dra. Gabriela Mimoso, Coordenadora Nacional da Base de Dados de Muito Baixo Peso; – Enga Isabelle Pereira, da Administração Central do Sistema de Saúde, IP.
- Dra. Joana Rios, Membro do Colégio de Pediatria da Ordem dos Médicos;
- Dra. Joana Saldanha, Presidente da Sociedade Portuguesa de Neonatologia;
– Dr. João Bernardes, Presidente do Colégio de Ginecologia e Obstetrícia da Ordem dos Médicos;
– Dr. João Martins, dos Serviços Partilhados do Ministério da Saúde, EPE;
– Dr. Jorge Amil Dias, Presidente do Colégio de Pediatria da Ordem dos Médicos;
– Dr. José Loff, da PHISTAT – Consultoria Estatística;
– Dra. Susana Santo, Membro da Direção do Colégio de Ginecologia e Obstetrícia da Ordem dos Médicos;

Direção-Geral de Saúde

O esboço do relatório foi efetivamente entregue há três anos à DGS pelos especialistas, não se sabendo até hoje se dele se tiraram conclusões ou foram elaboradas recomendações pelas autoridades de Saúde. Os autores do estudo que falaram com o Observador, pelo menos, não participaram na elaboração de qualquer conclusão ou recomendação e dizem, sob anonimato, que o relatório acabou por nunca ser publicado.

Mas o que constava nesse esboço, e que até agora era desconhecido, permite concluir que se assistia em 2018 a uma mudança no perfil das mães e dos bebés. O documento levanta igualmente questões sobre a prestação dos cuidados de saúde. “A população materna e infantil pode estar a evoluir, assumindo características diferentes daquelas para os quais a prestação de cuidados estava vocacionada”, lê-se numa versão preliminar do relatório a que o Observador teve acesso.

Analisando os dados disponíveis, os profissionais que participaram no grupo de trabalho perceberam que “o perfil da grávida e da gravidez estará a sofrer alterações, entre as quais mais idade, mais patologias, bem como o do recém nascido, que é mais afetado por prematuridade/baixo peso à nascença e pela patologia materna”. Estas mudanças, lê-se no documento, “implicam uma maior pressão sobre os serviços de saúde, requerendo vigilância mais intensa”.

Plano de Saúde 2021-2030 estabelece metas de redução de mortalidade

No mesmo relatório, é apontada a falta de informação necessária para apurar um conjunto de causas específicas, mas foi possível traçar algumas linhas. Por exemplo, entre 2014 e 2018, aumentaram as mortes em partos feitos em casa – de 2,1% para 6,9% – e a principal causa de morte estava relacionada com fatores maternos e complicações na gravidez e no parto. E o aumento das mortes classificadas como tendo “causa desconhecida” foi também sublinhado.

“A população materna e infantil pode estar a evoluir, assumindo características diferentes daquelas para os quais a prestação de cuidados estava vocacionada [...] O perfil da grávida e da gravidez estará a sofrer alterações, entre as quais mais idade, mais patologias, bem como o do recém nascido, que é mais afetado por prematuridade/baixo peso à nascença e pela patologia materna."
Versão preliminar do relatório pedido em 2019 sobre mortalidade infantil

Questionada mais do que uma vez pelo Observador sobre o porquê de este relatório não ter sido publicado, com conclusões e recomendações, fonte da DGS não enviou qualquer resposta.

Mortalidade materna: Um outro “relatório não editado” nem publicado

À semelhança daquilo que aconteceu com a análise da mortalidade infantil, a DGS decidiu criar, em 2019, uma comissão para estudar os dados divulgados em 2017 e em 2018 sobre a mortalidade materna. Neste último ano, a taxa de mortalidade materna foi de 17,2 por 100 mil nascimentos, enquanto que em 2017 tinha sido de 12,8. “Impôs-se, por isso, um estudo detalhado e rigoroso, caso a caso, tendente a perceber as possíveis explicações para o fenómeno”, lê-se no despacho que nomeou três médicos e Manuel Carmo Gomes, epidemiologista, que ficou responsável pela análise estatística “dos fenómenos em causa”.

No mesmo ano em que foi criada, realizaram-se reuniões, a comissão elaborou um relatório que entregou no final de 2019, mas o documento nunca chegou a ser publicado. Ao Observador, Manuel Carmo Gomes explicou que o relatório “é essencialmente descritivo” e que uma das recomendações feitas passava por analisar os dados sobre mortalidade materna de cinco em cinco anos, já que o número de casos, tal como acontece com a mortalidade infantil, é reduzido.

“Em vez de olharmos pontualmente para um ano e depois para outro, em que há uma grande variabilidade, precisamente porque os números são pequenos, devemos trabalhar com grupos de cinco anos e analisar esta variação”, acrescentou o epidemiologista. E foi também recomendada a criação de um grupo de trabalho permanente, “que reunisse com frequência e que tivesse uma atividade no terreno que permitisse analisar melhor e acompanhar melhor o que se passa”.

Problemas nos serviços de obstetrícia começam a afetar mortalidade materna

Estas recomendações foram feitas em 2019 e, três anos mais tarde, os números deste indicador voltariam a lançar novo alarme, fazendo com que a DGS anunciasse um novo grupo de trabalho para analisar os últimos dados conhecidos, relacionados com o ano em que a pandemia chegou a Portugal – em 2020, 17 mulheres morreram na sequência de complicações da gravidez ou do parto.

"O relatório é essencialmente descritivo”. Uma das recomendações feitas passava por analisar os dados sobre mortalidade materna de cinco em cinco anos, já que o número de casos, tal como acontece com a mortalidade infantil, é reduzido. Foi também recomendada a criação de um grupo de trabalho permanente.
Manuel Carmo Gomes ao Observador

Após ter anunciado a criação desse grupo para estudar o caso, em julho deste ano, a diretora-geral da Saúde, Graça Freitas, acabou por assumir, durante uma audição no Parlamento, na Comissão de Saúde, que o primeiro relatório — o de 2019 — lhe fora entregue pelos especialistas, mas ainda não tinha sido publicado por falta de edição. Apesar da relevância do tema e de se ter determinado a constituição de um novo grupo para estudar o fenómeno, três anos depois o primeiro relatório continuava como chegou à DGS, sem condições de ser publicado.

Na altura, a deputada do Bloco de Esquerda, Joana Mortágua, pediu que o documento fosse enviado à comissão e Graça Freitas pediu alguns dias “para ver se [tinha] erros ortográficos”. “Nós, de facto, sinceramente, não editámos. Lemos as grandes conclusões, mas é um relatório não editado, motivo pelo qual também nunca o publicámos”, acrescentou.

Ao Observador, a DGS explicou que desde 2019 “as mortes maternas passaram a ser alvo de codificação múltipla, ou seja, para além da atribuição do código de causa básica estão a ser atribuídos os códigos das morbilidades identificadas no certificado de óbito, para aumentar o rigor e melhorar a capacidade de estudar este fenómeno”. Ainda não existem, no entanto, conclusões, uma vez que o estudo será feito tendo em conta um período de cinco anos, tal como os especialistas recomendaram, rematou a mesma fonte.

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A propósito da avaliação das causas de morte materna, Diogo Ayres de Campos, presidente da Associação Europeia de Medicina Perinatal, que esteve na mesma comissão e foi ouvido antes de Graça Freitas, apontou a “degradação dos cuidados obstétricos”, referindo, inclusive, que “as respostas de saúde de pior qualidade” podem ajudar a perceber os números da mortalidade materna. “Quando temos um hospital, por pequeno que seja, que tem no quadro três médicos especialistas, todos com mais de 60 anos e não tem mais ninguém, não consigo dizer outra coisa que não seja degradação. E a situação, infelizmente, não está limitada”, acrescentou.

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