Discurso

Intervenção de Carlos César no congresso do PS

Aqui estão, todos, por via de uma escolha participada e livre dos nossos militantes, uma escolha que premiou a democracia interna e que confirmou a pluralidade e a vitalidade do PS. Obrigado, por isso, a todos – aos que votaram, aos que se candidataram, como o José Luís Carneiro e o Daniel Adrião, aos que concordaram como aos que divergiram. Obrigado a todos os que nestes dias dão uma extraordinária prova da unidade deste grande partido.

Carlos César faz questão de começar o discurso com referências à democracia interna do PS. Apesar de num momento inicial ter havido, entre os socialistas, quem acreditasse que uma candidatura única permitiria ao partido focar-se apenas nas eleições de março, sem perder tempo com discussões internas, mesmo entre pedronunistas reconhece-se que a imagem externa de pluralidade do partido é reforçada pelo facto de terem existido várias candidaturas. O congresso arrancou com um esforço para provar que o PS conseguiu ultrapassar a contenda interna e construir uma união entre fações, com a apresentação de listas únicas, negociadas entre os candidatos, aos órgãos internos do PS. Mas a união será mais difícil de conquistar numa negociação previsivelmente mais renhida e que ainda está por fechar: a da composição das listas de deputados. Neste segundo dia de congresso, José Luís Carneiro fez questão de deixar esse aviso logo à entrada, dizendo esperar que a vontade de “unidade” tenha seguimento nas listas para o Parlamento.

O País devia ter sido poupado a esta interrupção gerada pela decisão do Presidente da República de convocação de eleições antecipadas, porque é hoje amplamente reconhecido que, nas circunstâncias então difundidas, o Primeiro Ministro fez o que lhe era institucionalmente requerido, mas o Presidente da República, em resposta, não fez o que politicamente era devido.

O passa-culpas arrasta-se desde que António Costa se demitiu e Marcelo Rebelo de Sousa convocou eleições — e, como se constata pelo arranque do discurso de Carlos César, não tem fim à vista, até porque o PS recusa ficar com a responsabilidade de provocar uma situação de instabilidade em mãos. Para o PS, António Costa até fez bem em demitir-se — uma vez que o fez para preservar a dignidade do cargo de primeiro-ministro, como lhe era “institucionalmente requerido” — mas o último responsável, a pessoa que podia travar a crise que se seguiu e permitir aos socialistas continuar a governar com outro rosto, falhou: Marcelo Rebelo de Sousa manteve a convicção de que esta maioria tinha sido, em primeiro lugar, conquistada por António Costa e convocou eleições. Agora, “o que lá vai lá vai”, como diz César; mas a batalha pela narrativa sobre quem é o responsável máximo pela situação do país não acabou. Convicto de que os eleitores não queriam voltar às urnas tão cedo, mas também de que as eleições de março podem colocar o país numa situação de ingovernabilidade pela qual alguém terá de se responsabilizar, o PS mantém e reforça a sua tese: Marcelo errou e o tempo irá prová-lo. Se o país se encontrar, em março, mais dividido e com mais dificuldade em encontrar um governo, o PS não demorará a apontar o dedo ao Presidente.

(…) Merecemos ser uma proposta eleitoral ganhadora, para derrotarmos a direita mais embusteira, mais radical e mais desvalorizadora do Estado e dos direitos dos cidadãos que já tivemos em Portugal desde o 25 de abril! Os portugueses não escolherão no próximo dia 10 de março aqueles que só se fazem notar à custa dos “engenheiros do caos”, ou pela grosseria da sua linguagem ou pelos enredos que encenam no teatro da política, aptidões em que a liderança do PSD não raras vezes suplanta as dos seus companheiros à direita, como, aliás, temos visto nestes últimos dias.

Carlos César passa ao ataque à direita, pondo em prática a estratégia que o PS tem estado a delinear para as próximas eleições: colar o PSD o mais possível à direita mais radical, mesmo que Luís Montenegro jure a pés juntos que não quer ter nada a ver com o Chega. César não se refere (para já) a possíveis alianças, mas apenas à influência que essa direita exercerá junto do PSD, que o PS frequentemente acusa de “imitar” o estilo do Chega ou da Iniciativa Liberal. Desta vez, César coloca como inimiga do PS a direita “embusteira e radical” que se dedica ao “teatro da política”, acusando o PSD de até superar os partidos mais à sua direita nesse sentido. A referência aos últimos dias terá a ver com o caso que rodeia a compra de ações dos CTT, que Montenegro aproveitou para disparar diretamente contra Pedro Nuno Santos, qualificando a polémica como uma “bandalheira”. O assunto serviu à oposição à direita para tentar comparar o caso aos que marcaram a saída de Pedro Nuno do Governo, como a mensagem em que dava luz verde à indemnização de Alexandra Reis e que disse ter esquecido.

Os portugueses querem políticos que falem sobre o que interessa realmente aos portugueses, e que não só digam o que pensam como deem garantias de fazerem o que dizem. Pedro Nuno Santos é um político assim. Frontal e sem receios de mostrar quem é. E disso que o País precisa.

Esta é a imagem que o PS quer construir à volta de Pedro Nuno Santos: a ideia de um político que é um “fazedor”, que concretiza, que reforma. Durante a campanha interna no PS, Pedro Nuno adotou como mantra a ideia de que existe um país, e alguns políticos, que “arrastam os pés” e não tomam decisões — chegou aliás a explicar e justificar a polémica do despacho do novo aeroporto de Lisboa com a sua impaciência por fazer e decidir. O novo líder do PS foi sempre frisando que só tem fama de “radical” e “impulsivo” porque tem convicções e quer fazer o país avançar, por contraponto a políticos mais imobilistas. Tem neste congresso um desafio: mesmo no partido e entre os seus apoiantes existe a ideia de que é preciso começar a lançar ideias e medidas mais concretas, para que se perceba o que é que Pedro Nuno, o fazedor, quererá então fazer. Por isso mesmo, é expectável que o discurso de encerramento do congresso, feito pelo secretário-geral socialista, seja o mais programático até agora.

Já o salientei no tempo de reflexão interna que fizemos: são necessárias mais renovação nas políticas e nos políticos e mais energia ao serviço do País, porque há criatividade a menos e cansaço a mais que comprometem a confiança dos cidadãos na nossa democracia e nos seus destinos. Há caminho feito e há reclamações dos portugueses que importa atender. Há necessidade de reconstruir a estabilidade política.

Em vários momentos, Carlos César serve de ponte para fazer a transição entre o tempo de António Costa, que agora acaba, e o de Pedro Nuno Santos, que agora começa. Será, aliás, a melhor pessoa para simbolizar essa passagem de testemunho, uma vez que é o presidente do partido — já era no tempo de Costa e voltou a ser proposto por Pedro Nuno –, é muito próximo do ainda primeiro-ministro e apoiou publicamente o novo líder. Assim, cabe a César reconhecer que é preciso “renovação” e “energia”, de forma a dar o mote para as novidades que a liderança de Pedro Nuno pode trazer ao “caminho feito” por António Costa, reconhecendo que os portugueses têm “reclamações” legítimas. Por fim, atribui ao novo PS a missão de “reconstruir a estabilidade política” — uma tarefa difícil, antecipa-se no próprio PS, dada a fragmentação do espectro político e a dificuldade em antecipar maiorias parlamentares. Daí que mesmo no partido exista a ideia de que o próximo ciclo político pode ser curto.

Compete-nos, por isso, sem favor, assumirmos com orgulho o nosso passado e o nosso legado recente, porque ele é merecedor e dele também resultaram muitos progressos e benefícios para Portugal e para tantos e tantos portugueses.

César faz a defesa do “merecedor” legado de António Costa, uma ideia consensual no PS: se antes da crise política Pedro Nuno Santos fazia um caminho de uma demarcação q.b., para conseguir afirmar-se e diferenciar-se do projeto de Costa, a aceleração do tempo político fez com que tivesse de encurtar esse caminho e aproximar-se de Costa, cujo legado tem elogiado profusamente. A ideia passa por garantir que vem dar um “novo impulso” ao que Costa fez, e não reverter nem corrigir esse caminho. Até porque o PS está plenamente convicto de que Costa ainda é um ativo eleitoral forte, talvez o mais forte com que os socialistas contam, e não faria sentido desperdiçar esse capital. César recorda precisamente o “legado recente” os benefícios que trouxe ao país (e ao PS).

Nestes últimos três anos, infelizmente, tivemos no governo regional, à semelhança do que teríamos no País se a direita ganhasse as próximas eleições nacionais, um governo de um jogo “sem rei nem roque”, onde cada partido, da direita à extrema direita, disputa o seu bocado de poder e pouco mais quer saber do que como lucrar com ele.

Depois de já ter atacado a direita, César aproveita o papão mais presente, e que o PS mais agita: a instabilidade nos Açores, que bem conhece, resultante de um governo regional em que o PSD fez acordos com o Chega e a Iniciativa Liberal. Os socialistas usam essa experiência em duas frentes: para descredibilizar as promessas de Montenegro de que nunca irá fazer acordos com o Chega; e para sustentar que, ao contrário dos tempos da geringonça, a direita não conseguiu segurar uma solução sustentada por acordos parlamentares entre vários partidos e viu o governo ruir. César faz a comparação direta: se a direita tiver maioria no país, vai entrar numa disputa de poder para “lucrar” com ele, incapaz de construir um projeto estável e comum.

E não se trata, somente, de melhorar a capacidade de resposta dos serviços e da administração pública, das instituições e serviços de justiça, de melhorar a participação com mais descentralização e mais concertação social, de fortalecer as autonomias regionais, da prevenção e do escrutínio no combate à corrupção. Não se trata, apenas, de aprofundar as políticas de igualdade do género, de melhorar o desempenho do sistema educativo ou do Serviço Nacional de Saúde, do reforço dos rendimentos ou do Estado Social ou da sustentabilidade das contas públicas. Não se trata, apenas, da diminuição da pobreza e das diversas formas de exclusão social, da facilitação do investimento público e privado ou da transformação da nossa economia, da produtividade (…).

Aqui, César faz o reconhecimento de que não está tudo bem em Portugal, com base na mesma tese que António Costa defendia na abertura do congresso: há problemas, sim, mas só o PS pode fazer melhor do que o PS e corrigi-los. Enumera alguns deles, sendo que as melhorias no sistema educativo ou do SNS, conjugadas com os objetivos de manter a “sustentabilidade das contas públicas” — ou seja, sem deitar fora a marca das contas certas, que marcou a era Costa — serão dos principais desafios que Pedro Nuno terá de enfrentar. O presidente do partido faz ainda um aviso final sobre a necessidade de Portugal se manter alinhada no quadro das “organizações multilaterais” de que faz parte no quadro europeu e internacional, um aviso que faz questão de frisar em tempos de guerra.