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Gerard Piqué vai fazer o último encontro no Almería depois de duas décadas (com um interregno pelo meio) entre formação e seniores do Barcelona
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Gerard Piqué vai fazer o último encontro no Almería depois de duas décadas (com um interregno pelo meio) entre formação e seniores do Barcelona

Getty Images

Gerard Piqué vai fazer o último encontro no Almería depois de duas décadas (com um interregno pelo meio) entre formação e seniores do Barcelona

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O mais elegante dos centrais diz adeus aos relvados – começará agora o processo de Piqué rumo à presidência do Barça?

Envelheceu, perdeu velocidade mas nem por isso deixou de antecipar-se aos acontecimentos. Culé antes de nascer, chegou ao topo mas ficou sem o espaço que vai agora reconquistar para algo maior.

Não costuma ser assim. Quando um dos grandes do futebol, um dos eleitos, daqueles cuja galeria de troféus é maior que o atraso de uma viagem Porto-Lisboa em comboio da CP, resolve dizer adeus – em particular se for um dos que têm uma relação especial com a torcida –, no início ou a meio da época anuncia “Esta será a [minha] última época” e depois, no último jogo do Campeonato (ou no último jogo da Liga em casa) despede-se dos adeptos fiéis, dirigindo-se ao balneário com milhões no bolso e o coração cheio com o carinho dos que o idolatraram.

“Depois do Barça nunca existiria outra equipa.” Piqué anuncia fim da carreira e despede-se de Camp Nou já no sábado

O que não acontece é fazer um vídeo a meio da época a dizer “Olá, esta vai ser a minha última época e o meu jogo de despedida vai ser o próximo”. Grandes jogadores saem literalmente no fim: no último jogo, sendo os últimos a sair do relvado, após uma volta de honra. O próximo jogo – sábado, contra o Almeria – não é o último jogo da época e o facto de não o ser retira alguma da carga mítica que estas despedidas costumam ter. É como se Piqué não aguentasse mais, como se estivesse farto, como se tivesse melhor que fazer.

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Talvez tenha. Piqué é, financeiramente, um dos jogadores de futebol mais bem sucedidos que se possa imaginar – e entre os seus bens conta-se o Andorra, clube de futebol que está na 2.ª Divisão e com ambições a subir. Sendo que Piqué sempre disse que não se deixaria arrastar pelos relvados, que não passaria os últimos anos no banco de suplentes, que quando sentisse que não estaria a ajudar o Barça sairia. E assim foi.

Piqué comprou o Andorra em 2018, clube foi subindo de escalão e já se encontra na Segunda Liga a pensar na principal divisão

RAYMOND ROIG/AFP/Getty Images

É aqui que os contornos de tão abrupta despedida se tornam confusos. Piqué de facto não tem atuado muito, perdeu alguma da explosão e da velocidade que lhe permitiam antecipar-se e recuperar (está com 35 anos, feitos a 2 de fevereiro deste ano), esta época jogou pouco e, quando jogou, cometeu erros que custaram caro ao Barça – mas o mesmo podia ser dito de outros jogadores (como Busquets) e mais ninguém resolveu saltar do comboio quando este já estava em andamento. Piqué podia ter acabado a época, que mais não fosse porque há sempre lesões e os seus serviços podiam ser requisitados, e nesse tempo podia ter passado conhecimento e mística aos mais novos.

Mas talvez tenhamos de considerar a hipótese de Piqué, um ferrenho blaugrana, o homem que um dia disse que em criança não sonhava ser jogador de futebol mas sim jogador do Barça, estar cansado deste Barça. É isso que choca, porque este homem já era do Barça antes de o ser: o seu avô, Amador Bernabéu, foi vice-presidente do Barça e ainda o neto não tinha nascido e já o fizera sócio do Barça. No vídeo de despedida Piqué dizia “Voltarei” e não é difícil imaginar que sair agora seja gestão de imagem para regressar um dia mais tarde como presidente: nos últimos tempos têm sido muitas as notícias contraditórias sobre como o salário de Piqué (e Busquets e Jordi Alba) prejudicam as contas do Barça – abdicar é uma forma de poupar dinheiro ao clube, e isso não será esquecido.

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Em miúdo, sentindo que não teria muitas oportunidades como médio dos culés, seguiu para Manchester, onde integrou as camadas jovens do United. Tinha à sua frente um belo futuro como (depois de mudar de posição) central de eleição da Premier, mas em 2004 o amor à casa foi mais forte e voltou a vestir a camisola grená. Tornou-se um dos melhores do mundo a partir de 2008, quando chegou Pep Guardiola, no momento em que este se preparava para revolucionar o futebol, munido de duas ideias simples: a) ter bola e b) se a equipa a perder tem de a recuperar imediatamente.

Piqué era o central ideal para o tiki-taka de Pep: capaz de ler o jogo uns milésimos de segundo antes dos outros, jogava em antecipação em vez de ter de recorrer a artes menos nobres como carrinhos e faltas; as suas qualidades técnicas permitiam-lhe sair a jogar, conduzir a bola e atrair um adversário, o que criava espaço para o primeiro passe no meio-campo. Não é exagero dizer que Piqué é o modelo dos centrais atuais, a quem se pede que sejam tão bons com os pés como a dar porrada. No modelo de Pep não raro, Piqué fazia um passe de 60 metros na diagonal para o extremo esquerdo, de modo a passar a primeira pressão adversária. Se hoje em dia isto é comum, naquela altura era absolutamente inusitado um central executar uma ação técnica tão difícil com tanta facilidade.

Piqué era o central ideal para o tiki-taka de Pep: capaz de ler o jogo uns milésimos de segundo antes dos outros, jogava em antecipação em vez de ter de recorrer a artes menos nobres como carrinhos e faltas; as suas qualidades técnicas permitiam-lhe sair a jogar, conduzir a bola e atrair um adversário, o que criava espaço para o primeiro passe no meio-campo.

Com Pep ganhou duas Champions, três Campeonatos e duas Copas do Rei em apenas quatro anos, já para não falar de ser campeão do mundo de clubes duas vezes e das vitórias na Supertaça de Espanha e na Supertaça Europeia (duas); depois de Pep ainda arrecadou mais cinco Campeonatos, cinco Copas do Rei, uma Champions, várias Supertaças de Espanha, mais um Mundial de clubes e uma Supertaça Europeia. Ao serviço de Espanha foi campeão europeu (duas vezes) e conquistou um Mundial.

“A rivalidade com José Mourinho desgastou-nos muito”, diz Piqué sobre os tempos de Guardiola (que mudaram com Shakira)

Depois da era extraordinariamente gloriosa de Pep, em que às vitórias se juntava um futebol de pé para pé e domínio total como raramente visto, as coisas começaram lentamente a mudar: se o Barça continuou a ganhar campeonatos, a Champions tornou-se um alvo difícil; se Luis Suarez e Neymar foram contratações acertadas, as erradas multiplicaram-se, a começar em Coutinho, que nunca se impôs no Barça, que desatou a comprar jogadores (Dembelé, Depay) que nunca foram regulares.

Após regressar a Camp Nou em 2008, Piqué deu o grande salto como central com Pep Guardiola numa fase em que foi bicampeão europeu e mundial de seleções

Getty Images

Xavi e Iniesta chegaram ao fim das suas carreiras (o segundo saiu do Barça para o campeonato japonês, numa altura em que já decaíra do ponto de vista atlético), substituí-los revelou-se (até à recente ascensão de Pedri e Gavi) impossível e dispendioso. A aparição dos clubes-estado (PSG e City), cujo dinheiro parece não ter fim, inflacionou o mercado – a consequência foi o salário de Messi crescer para volumes exorbitantes e, por efeito dominó, o mesmo acontecer aos dos restantes jogadores, com – aparentemente – o salário de Piqué (mas também o de Alba, Busquets e uma série de contratações caras e falhadas) a dificultar a vida financeira do Barcelona.

Não que se possa culpar os jogadores disto – eles simplesmente aceitaram os números que lhes puseram à frente. Mas enquanto na era Pep a epicidade se encontrava no relvado, durante a vigência do ex-presidente Bartomeu o drama deslocou-se dos relvados para a dívida do Barça, que alcançou proporções inóspitas. Porquê? Ao leque habitual de razões (contratações caras e falhadas com salários gigantescos) pode eventualmente juntar-se corrupção (e dizemos pode porque ainda é preciso que um tribunal prove as acusações que lhe foram movidas).

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No pós Pep, o Barça deu por si a ser dizimado na Champions pelo Bayern ou pela poderosíssima Roma, endividou-se mais e mais, ao ponto de, a dada altura, não poder inscrever Messi, que teve de sair. Juan Laporta, que substituiu Bartomeu na presidência do Barça, tentou esticar uma manta demasiado curta. Negociou com os jogadores adiamentos de salários – isto é, jogadores como Piqué não recebiam agora tudo o que tinham a receber e, em anos subsequentes, quando o clube estivesse estabilizado, receberiam mais (ou receberiam o que não tinham recebido).

Enquanto na era Pep a epicidade se encontrava no relvado, durante a vigência do ex-presidente Bartomeu o drama deslocou-se dos relvados para a dívida do Barça, que alcançou proporções inóspitas.

No melhor dos mundos possíveis o Barça teria vendido caro uma dezena (ou mais) de jogadores com que não conta, fazendo dinheiro e poupando em salários, o que permitiria cumprir as suas obrigações com Piqué, Busquets, Alba e outros veteranos, enquanto ia buscar jovens à formação e contratava jogadores em ascensão. Mas o mundo real não é o melhor dos possíveis – Laporta teve de vender direitos televisivos, percentagens de merchandising, entre outros negócios, de modo a montar uma equipa competitiva para Xavi, que entretanto regressou como treinador. Só assim foi possível ter uma frente de ataque composta por Dembelé, Raphinha e o genial Lewandovski, com Ansu Fati, Depay e Ferran Torres a saírem do banco.

A renovação do plantel não se ficou pelo ataque – no meio-campo Pedri e Gavi uniram-se a Busquets e a Frenkie De Jong; na defesa Jules Koundé e Christensen vieram para resolver os problemas na zona central. Mas não foi suficiente para passar o grupo na Champions, o que vem causar ainda mais danos financeiros ao Barça, cujo plano de salvação passava por investir para vencer e capitalizar nas vitórias.

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E foi assim que chegámos ao fim de Piqué, depois de um verão em que se pensava que íamos chegar ao fim de Frenkie De Jong. Durante todo o defeso saíram notícias diárias de que o neerlandês sairia para o Manchester United, agora nas mãos de Ten Haag, seu ex-treinador no Ajax, mas o médio recusou, por duas razões: queria estar no Barça, mas acima de tudo não queria abdicar do dinheiro que não havia recebido (ao aceitar diferir salários para mais tarde) e que o Barça se recusava pagar em caso de saída.

De Jong foi atacado por todos os lados no verão, com notícias quase diárias sobre o quanto ganhava, como o plantel ou os culés achavam que ele estava a ser egoísta. Lentamente foi reintegrado na equipa, mas o Excel não perdoa – se não sai um jogador caro tem de sair outro e Alba, Busquets e Piqué foram tendo cada vez menos espaço na equipa principal. Quando jogaram pareciam sombras do sonho lindo e acordado que foi a era de 2008 a 2012 – e foram diretamente responsáveis por algumas derrotas na Champions.

O Excel é quem mais ordena: depois de Frenkie de Jong ter ficado, o foco foi passando para o trio de veteranos (Piqué, Busquets e Alba) e os seus salários sem o mesmo rendimento

Xavier Bonilla

Semana após semana a imprensa foi mudando o foco de Frenkie para o trio de veteranos, replicando supostas acusações de adeptos e do balneário: que haviam chegado ao fim das carreiras, que estavam a ser injustos ao não abdicar dos salários (o que Piqué contrariou, mostrando a sua declaração de IRS), etc.

Seja qual for a verdade acerca do que cada um recebe, duas coisas são claras: a) o clube propôs de livre vontade esses salários aos jogadores e agora não os quer pagar; b) há uma guerra entre direção e alguns jogadores (os mais veteranos e caros, e os que não têm lugar no plantel), de modo a criar uma situação emocionalmente desgastante para os ditos jogadores, criando uma situação em que se sintam compelidos a sair.

“O meu património é maior do que o orçamento do Espanyol”. Piqué sobre dinheiro, sexo e um certo grupo de WhatsApp

Foi o que Piqué fez: tal como havia prometido, saiu numa altura em que já não era ia ser mais protagonista; aos olhos dos adeptos, abdicou de salários e dinheiro que ainda tinha a receber, ajudando o clube. Agora irá tratar das suas empresas, afirmar-se como gestor de topo (que já é: os seus interesses nos media garantem-lhe mais por ano do que o salário de futebolista) e, tão certo como um dia ter voltado de Manchester e esperado até usar a braçadeira de capitão, regressar ao clube para ser presidente.

O mais elegante dos centrais envelheceu e perdeu velocidade – mas nem por isso deixou de se antecipar aos acontecimentos. E se esta época não levantará nenhum troféu e sairá – aparentemente, por sua vontade – sem nenhuma cerimónia de despedida ou conferência de imprensa especial, um dia suará tanto ou mais que nos seus tempos de jogador para voltar a guiar o Barça à grandeza.

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