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Aos 57 anos, o artista grego, autor de "Transverse Orientation”, é considerado um dos nomes mais importantes das artes performativas da atualidade
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Aos 57 anos, o artista grego, autor de "Transverse Orientation”, é considerado um dos nomes mais importantes das artes performativas da atualidade

Aos 57 anos, o artista grego, autor de "Transverse Orientation”, é considerado um dos nomes mais importantes das artes performativas da atualidade

O regresso aos instintos primários com Dimitris Papaioannou: “Não quero chocar, quero apenas inspirar"

Medo, desejo e liberdade: entrevistámos o artista grego, em Portugal para apresentar “Transverse Orientation”. "Procuro o entusiasmo que temos quando a nossa imaginação infantil é provocada", diz-nos.

Chega à hora marcada ao café do Teatro Rivoli, tem uma mesa e uma cadeira livres à sua espera, mas prefere sentar-se confortavelmente num sofá, como se estivesse em casa — afinal, é já a segunda vez que passa pelo Porto. Interrompe os cumprimentos iniciais para adicionar um fio de mel à chávena de café com leite que pediu minutos antes e é de sorriso tímido que começa a responder às perguntas do Observador.

Natural de Atenas, Dimitris Papaioannou começou por ser conhecido como artista plástico e autor de banda desenhada, mas descobriu nas artes performativas o universo perfeito para se expressar enquanto encenador, coreógrafo, intérprete, cenógrafo, figurinista, maquilhador e responsável de iluminação. Em 2004 ganhou o reconhecimento a nível mundial ao criar os espetáculos de abertura e encerramento dos Jogos Olímpicos de Atenas e desde então define-se como coreógrafo de performances ricas em ilusões, onde o corpo humano é o protagonista.

Em 2016, aquele que é considerado um dos nomes mais importantes das artes performativas da atualidade, apresenta-se pela primeira em território nacional com “Still Life” no Theatro Circo, em Braga. Dois anos depois, “The Great Tamer” chega ao Porto e a Lisboa, mas é à boleia da sua mais recente criação que nos fala sobre o seu processo criativo, a obsessão pelos detalhes, o desejo de ser aceite pelo público ou o medo de falhar.

“Transverse Orientation” estreou-se este ano na Bienal da Dança de Lyon, conta com oito intérpretes em palco. Despedidos, tanto de roupa como de preconceitos, tentam dominar um touro, em tamanho real, numa panóplia de imagens absurdas, cómicas e até perturbadoras.

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Com a música de Antonio Vivaldi como banda sonora, Papaioannau tem na luz e na água elementos centrais do seu trabalho, que tem tanto de pitoresco como de cruel. Explorando o lado mais animalesco do ser humano, com direito a referências mitológicas e artísticas, o coreógrafo não pretende chocar, apenas inspirar o público a refletir sobre si próprio e gostar da vida com todos os seus defeitos.

“Transverse Orientation” estará sexta e sábado (3 e 4 de dezembro) no grande auditório do Teatro Rivoli, no Porto, e passará depois, nos dias 10 e 11, pelo Centro Cultural de Belém, em Lisboa.

O boneco de um touro em tamanho real é, para o artista, símbolo de "masculinidade e fertilidade", num tempo em que se caminha para uma sociedade diferente

Começou nas artes plásticas, mas acabou por se dedicar às artes performativas. Porquê?
Isso aconteceu quando conheci uma coreógrafa que me convidou para ir ver um espetáculo. Sempre fui encantado com o ballet, achava muito bonito e era quase um mito porque cresci a vê-lo na televisão. Gostava de ter sido realizador de cinema, é uma arte maravilhosa e acho que sempre fui um amante de filmes, mas gradualmente fui entrando nesse ambiente de ensaios, cenários e performance e percebi que me podia tornar melhor pintor no palco em vez de numa tela.

O que leva da pintura para o palco?
Não sei, estudei pintura cinco anos, vejo como um pintor, entendo as coisas como um pintor e é com esta mente e estes olhos que faço teatro.

Continua a fazer banda desenhada?
Sim, às vezes, mas já não publico.

Porquê?
Já há tanta exposição do meu trabalho com o teatro que sinto a pintura, os meus desenhos e a banda desenhada como coisas mais privadas.

Consegue levar esse universo para cima do palco?
Sim, estou definitivamente a tentar, assim como filmes mudos o fizeram. Não é uma coisa completamente nova, um filme mudo pode ter muitas semelhanças com uma animação.

[veja aqui imagens de “Transverse Orientation”:]

Esteve no Teatro Rivoli e no Centro Cultural de Belém em 2018, como é regressar a estes palcos? Conhecê-los bem influencia o seu processo criativo?
Há uma relação que se desenvolve com o público no meu trabalho, é emocionalmente importante para mim saber que estou de regresso, mas o espaço em si não me condiciona. Os lugares influenciam todos os espetáculos, mas enquanto cá estamos, não antes, não durante o processo criativo.

Estará dois dias no Porto e dois dias em Lisboa, é o suficiente? Passagens breves pelos palcos fazem sentido?
Esta é uma questão que tem de fazer aos programadores, não aos artistas. Não tenho uma opinião sobre isso, venho a quantidade de dias que os programadores acreditam ser útil para o público, não me cabe a mim dizer se é ou não o suficiente, se é muito ou pouco. Geralmente quando temos quatro espetáculos numa cidade, é excelente porque conseguimos ambientarmo-nos à sala, mas o nosso trabalho é, acima de tudo, fazer um bom espetáculo em quaisquer circunstâncias, é para isso que fomos treinados. Mas sim, se ficarmos mais tempo em algumas cidades temos mais tempo e usufruímos mais do espetáculo.

Como é que se estabelece uma relação com este tipo de espetáculos com alguém que não tenha a cultura ou o hábito de os ver?
Não penso sobre isso, não é a minha função pensar sobre isso. O meu trabalho é tentar criar algo que pessoalmente seja interessante e conseguir comunicar isso com eficácia, o resto não depende de mim. Não luto nem tenho a intenção de captar público, tento apenas ser claro, honesto e, se possível, interessante, o resto está fora de minhas mãos.

Mas não se preocupa em ser aceite pelo público?
Desejo ser aceite pelo público, e gosto quando isso acontece, mas quando estou a trabalhar não penso no assunto porque, na verdade, não sei o que o público quer. Quem acha que sabe o que o público quer, deveria trabalhar em publicidade.

Não sente que hoje é mais difícil chamar a atenção do público?
Teoricamente sim, mas na prática tenho dúvidas. Sinto mesmo que as pessoas têm prestado atenção ao que faço.

"Vejo-me como alguém que não sabe sobre dança, sobre teatro ou sobre pintura, mas tenta construir algum tipo de voz. Não me considero sou nada mais do que alguém que está a tentar e está muito agradecido pelo facto de os outros reconhecerem esse esforço."

Como é que este espetáculo surge?
Começou com a ideia de ter um grande boneco de um touro animado por muitos homens em cima do palco. Lembrei-me dos nossos homens ancestrais e a forma como agora os monumentos estão a ser demolidos, estamos a viver um momento em que avançamos para outro tipo de sociedade, onde não será mais necessário o homem dominar. Queria fazer uma espécie de canção de amor dedicada a esses monumentos que estão a morrer no nosso tempo. Essa ideia evoluiu em conjunto com o touro, que na minha cabeça é um símbolo arcaico de energia animal, masculinidade e fertilidade. Selecionei depois oito intérpretes e trouxe algumas ideias e algumas invenções para cima da mesa, como a intenção de criar uma figura elevada com uma pequena cabeça que se vê na peça. Não sabia como se iriam mover ou o que iriam fazer, mas explorámos tudo isso de uma forma caótica durante três meses. Gradualmente, algumas coisas foram-se tornando interessantes para mim, juntei-as e fiquei com fragmentos, que depois se compuseram num mosaico. Depois, impõem-me um prazo e eu mostro o resultado final, aliás, se não houvesse um prazo eu continuava a experimentar opções, a compor e a recompor.

Especialmente numa performance tão complexa como esta, o que lhe diz que o trabalho está pronto para ser apresentado? Qual o momento chave para perceber isso?
Nada, nunca. Apenas tenho de ter tudo pronto numa determinada data no calendário para mostrar.

Porquê esta opção de ter um touro no palco, touro que todos querem matar?
Ninguém quer matar o touro, querem é dominá-lo. É algo que está relacionado com os instintos primários e o lado mais animalesco de nós próprios. Sinto que à medida que avançamos, estamos a domar e a controlar os elementos mais arcaicos da nossa natureza. O touro surge porque como não usamos linguagem temos de ter um impacto visual, ou seja, uma ação que, de certa forma, representa esta luta do Homem com o seu lado mais animalesco.

E porquê Vivaldi como banda sonora?
Foi uma escolha completamente instintiva. Estive obcecado por Vivaldi durante muitos anos, mergulhei profundamente no seu repertório e descobri muitas coisas que não sabia. À medida que estava a selecionar ideias, percebi que Vivaldi foi uma referência para um dos maiores compositores contemporâneos da Grécia, o Manos Hatzidakis, que foi durante o meu crescimento muito importante para mim, para moldar a minha sensibilidade. De certa forma, fui à fonte da minha fonte, mas foi uma decisão tomada por instinto. Há muitas coisas que faço instintivamente, mas na maior parte não se confirma a sua necessidade e deito fora. Vivaldi ficou.

Obcecado pelos detalhes, o coreógrafo tem na luz, na música e na água os ingredientes principais desta nova criação

É uma performance com muitos detalhes, sete intérpretes em palco, diferentes luzes, diferentes cenários. É muito exigente com isso enquanto criador?
Sim, sou obcecado com os pormenores e acho que os detalhes são os pregos que mantém tudo seguro. Penso que todos os artistas são assim. Sempre que olhamos para uma pintura que gostamos há milhões de pormenores que a compõem. Sou um dos artistas que acredita que a forma precisa de ser aperfeiçoada para que a intenção seja transmitida, para que a alma seja passada aos outros. E, como já disse, quero que o público se consiga refletir na minha performance. Para isso é preciso polir, polir e polir até que desapareça tudo e fique apenas esse reflexo do público. A matéria é um obstáculo, temos de dominar todos os detalhes da materialidade para que tudo se torne quase imaterial, tal e qual como queremos que a experiência do público seja. Além disso, prestar atenção aos detalhes e mudar as pequenas tarefas do dia a dia mantém as performances vivas quando as repetimos muitas vezes. Aqui, por exemplo, estamos no espetáculo número 40 ou 50, não estamos sequer a meio do caminho. É muita coisa para o mesmo elenco.

Com este espetáculo pretende romper de alguma forma com o passado?
Não, não penso sobre isso. Raramente sei o que quero, procuro as coisas durante o processo criativo e tento ser o mediador mais correto sobre o que considero ser interessante e o público. Não tenho nenhum desejo de quebrar ou unir o passado.

Chocar, impressionar ou libertar, qual é o sentimento ou a emoção que espera passar?
Definitivamente não tenciono chocar ninguém, quero inspirar o tipo de entusiasmo infantil que temos quando a nossa imaginação é provocada quando somos crianças. Espero principalmente abrir algumas portas aos outros para contemplarem a vida de uma forma mais positiva, apenas isso. Quero inspirar os outros a fazerem algum tipo de reflexão sobre si mesmos e, com o que veem, serem capazes de gostar da vida com todos os seus defeitos.

O que aprecia mais num intérprete? A capacidade de arriscar?
O amor entre os colaboradores que surge em determinadas fases do caminho. Técnicos de som, de luz, artistas, enfim, todas as pessoas com quem trabalhamos nesta tarefa mais racional tentam mostrar o melhor das suas capacidades e se no meio deste processo encontrarem algures o amor pelo outro é, para mim, a melhor parte de uma performance.

"Desejo ser aceite pelo público, e gosto quando isso acontece, mas quando estou a trabalhar não penso no assunto porque, na verdade, não sei o que o público quer. Quem acha que sabe o que o público quer, deveria trabalhar em publicidade."

É muitas vezes descrito e apresentado como um dos nomes mais importantes das artes performativas. Vê-se desta forma?
Não. Estou consciente do que as pessoas pensam de mim ultimamente porque leio em todo o lado e vejo a forma como me tratam e posso dizer que me tratam bem, mas não deixo de estar surpreendido e muito agradecido por isso. Vejo-me como alguém que não sabe tudo sobre dança, sobre teatro ou sobre pintura, mas tenta construir algum tipo de voz. Não me considero nada mais do que alguém que está a tentar e que está muito agradecido pelo facto de os outros reconhecerem esse esforço.

Ter este rótulo e esta importância instalada traz consequências em si, no seu trabalho ou no seu futuro?
Não. Quanto mais ampla se torna a plataforma, mais medo tenho quando lanço um novo trabalho. Sou daqueles artistas que produzem um trabalho de dois em dois anos e não faço sequer espetáculos paralelos. Como a plataforma é mais ampla, há medo porque tenho de me concentrar de forma a evitar sentir a pressão normal das expectativas. Entendo-a, estou atento a ela e sinto-a, mas não deixo isso destruir a minha vida ou a minha forma de trabalhar. Na minha vida pessoal, a única consequência que traz é viajar demasiado.

Gosta disso?
Nem por isso. Gosto de estar nos sítios e de conhecer as pessoas, mas não gosto de hotéis, de aeroportos e bagagens.

…nem de dar entrevistas?
[risos] Umas vezes gosto, outras vezes não. Também não gosto de procurar restaurantes nem da parte da lavandaria…

E do Porto?
Gosto muito. Não conheço bem cidade, hoje por acaso tenho o dia livre para explorar e como está algum sol, talvez vá fazer uma caminhada.

 
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