Os mercados financeiros globais viveram um ano de 2018 inesperadamente agitado. Olhando para trás, estava bom de ver que assim seria, porque no final de 2017 as previsões apontavam, de forma invulgarmente unânime, para um ano de 2018 de crescimento económico sincronizado e bolsas de valores sem grandes motivos para volatilidade. Aconteceu, é claro, precisamente o contrário: os principais índices mundiais tiveram máximos históricos e, poucos meses depois, acumulariam perdas anuais na ordem dos dois dígitos e teriam semanas bolsistas a fazer lembrar os “dias negros” da crise financeira de 2007/2008.
Será que o carrossel das bolsas, a instabilidade geopolítica e comercial e a desaceleração dos principais blocos económicos vão continuar em 2019? E a economia portuguesa, em ano de eleições, vai continuar a contar com os ventos favoráveis que têm facilitado a retoma e o equilíbrio das contas públicas? Eis as previsões dos especialistas para os 10 grandes temas que vão mexer com a economia e com os mercados no novo ano.
O “único problema da economia dos EUA” pode criar problemas para a economia mundial?
Cerca de um ano depois de escolher Jerome Powell para chefiar o banco central mais poderoso do mundo, Donald Trump acusou publicamente a Reserva Federal (Fed) de ser “o único problema” que existe na economia norte-americana. O mesmo Trump, nos seus tempos de candidato presidencial, queixava-se da anterior liderança (de Janet Yellen) por esta manter os juros “demasiado baixos” para ajudar à reeleição do partido democrata. Nos últimos meses, porém, o presidente dos EUA passou a criticar a Fed por estar a subir as taxas de juro demasiado rapidamente. É culpa da Fed a turbulência que se fez sentir nos mercados nesta reta final de ano, na visão do presidente norte-americano (que, presumivelmente, não fará qualquer associação entre a política de estímulos monetárias da última década e os recordes bolsistas cujos louros vinha reclamando para a sua administração).
À entrada em 2019, o aparente conflito público entre Trump e a Reserva Federal é um dos principais “temas quentes” que terão levado muitos investidores a reduzir a exposição aos mercados bolsistas neste final de 2018. “O risco aqui é que a Fed se cinja aos sólidos indicadores económicos internos e continue a restringir as condições de financiamento, ignorando a deterioração do crescimento no resto do mundo”, explica João Pisco, analista de mercados do Bankinter — se a Fed pecar por excesso no aperto dos juros, a economia americana poderá constipar-se (e algumas economias, como os mercados emergentes, podem apanhar uma pneunomia).
Mas essa não é a expectativa do especialista: “a Fed irá adotar uma postura mais suave [dovish, como se diz na gíria], talvez já numa das primeiras reuniões do ano”. Alguns indicadores de mercado já indicam que os investidores não esperam mais aumentos das taxas de juro no horizonte próximo. “É provável”, diz João Pisco, que a Fed tenha feito finca-pé “porque quis preservar a independência da Reserva Federal, perante as pressões políticas de Trump” para que o banco central interrompesse o ciclo de subidas da taxa de juro. “Caso não tivesse subido as taxas ou se se mostrasse demasiado dovish, daria a sensação de que tinha sido influenciado por Trump, colocando em risco a sua credibilidade e a independência”, salienta o especialista.
Uma “independência” que, na opinião de Carlos Almeida, diretor de investimento do Banco Best, “é, agora, mais importante do que nunca, nesta fase de normalização da política após as medidas extraordinárias dos últimos anos”. O especialista lembra que os EUA devem completar em junho de 2019 dez anos consecutivos de expansão da atividade económica, “o maior ciclo de expansão da sua história”, pelo que um dos temas “preponderantes” nos mercados financeiros mundiais no novo ano será perceber até que ponto estamos perante uma “maturação” do ciclo económico nos EUA. E, aí, a época de apresentação de resultados anuais, que começa já em janeiro, “será crucial, não tanto pelos resultados de 2018 mas, essencialmente, pelas perspetivas — mais otimistas ou mais pessimistas — que as principais empresas vão definir”.
A economia portuguesa vai contar com menos “bons ventos”?
“Eu não me iludo e não nos podemos iludir com os números”. Esta foi uma das frases mais marcantes da mensagem de Natal do primeiro-ministro, António Costa, uma mensagem que surgiu poucos dias depois de o Banco de Portugal rever em baixa as projeções de crescimento económico para os próximos anos: além de 2018, vêm aí mais três anos de desaceleração, e o ano de 2019 terá um crescimento de 1,8% (bem abaixo dos 2,2% que estão inscritos no Orçamento do Estado).
A deterioração das perspetivas económicas está, essencialmente, associada à desaceleração da conjuntura externa e das exportações, “da mesma forma que a recente evolução positiva também se deveu, em grande medida, à ajuda dos ventos externos”, salienta o Bankinter, que, ainda assim, acredita num crescimento de 2% da economia portuguesa em 2019, acima dos 1,6% previstos pelo mesmo banco para a zona euro. Em declarações ao Observador, porém, o analista João Pisco sublinha que “não podemos confundir o que é o final de uma fase de recuperação económica rápida e vigorosa, que progressivamente se vai normalizando, com o que é uma recessão”.
Faz sentido falar em crescimento mais baixo do que o previsto pelo Governo, o que teria implicações para a execução orçamental, mas “hoje em dia não há sinais suficientes que nos levem a antecipar uma inversão abrupta do ciclo”, defende o especialista. Não parece ser “fundamentada”, acrescenta João Pisco, a “sensação generalizada que se criou de que uma crise está ao virar da esquina”. “Não vemos excessos ou desequilíbrios ao nível da atividade económica e a dívida privada (que é a que realmente interessa) está inclusive abaixo dos níveis em que se encontrava em 2009, com a importantíssima diferença de que os custos médios dessa dívida, salvo algumas exceções, são hoje significativamente mais baixos do que em 2009”, salienta o analista do Bankinter.
O próprio Banco de Portugal, ao mesmo tempo que fala numa “maturação” do ciclo, considera que existe, neste momento, um crescimento mais “sustentável” do que dantes, por ser baseado menos no consumo privado e mais no aumento do peso das exportações e do investimento empresarial no Produto Interno Bruto (PIB). A expectativa do Banco de Portugal é que o investimento empresarial deverá, nos próximos anos, voltar a superar os níveis de antes da crise. Mais do que o investimento público, o investimento empresarial deverá ganhar cada vez mais dinamismo, beneficiando de condições de procura e financiamento favoráveis e, por outro lado, de construção de algumas grandes infraestruturas. E espera-se que os fundos europeus do PT2020 deem uma ajuda importante.
E depois de Draghi? Italiano deixa a liderança do BCE após oito anos a “apagar fogos”
Foram anos intensos, mais intensos do que qualquer líder de um banco central gostaria que fossem, mas Mario Draghi termina em 2019 o período de oito anos em que esteve na liderança do Banco Central Europeu (BCE) e se tornou uma figura determinante para a história da zona euro. As decisões do italiano nem sempre foram consensuais — é caricaturado pelos aforradores alemães de ser um incinerador de poupanças, e os seus críticos acusam-no de ter, através dos estímulos monetários, possibilitado que vários estados europeus não fossem tão audazes quanto deviam ter sido na promoção de reformas amigas do crescimento e na contenção dos défices.
A visão predominante, porém, é que Mario Draghi deixará o BCE como uma figura saudosa, pelo carisma e pragmatismo que demonstrou na fase mais titubeante do projeto da moeda única. Mesmo quando esse pragmatismo roçou os limites da legalidade associada ao mandato de que o BCE é incumbido e que o proíbe de fazer financiamento direto aos Estados — no fundo, o efeito prático de intervir no mercado com a compra de dívida é que os Estados e as empresas conseguem emitir nova dívida a custos mais baixos do que a dívida que se vai vencendo (o que se traduz em poupanças que são usadas com outra despesa pública).
Ora, ainda que muitos questionem a legalidade de algumas iniciativas a que o BCE recorreu, sob a liderança de Draghi, quase todos reconhecem que viveríamos numa zona euro diferente da que existe hoje se Mario Draghi não tivesse, por exemplo, decidido garantir, em julho de 2012, que faria “tudo o que fosse necessário para preservar” a integridade da moeda única. Agora, “seja qual for o substituto, o futuro das políticas monetárias será mais incerto do que com Draghi, e os mercados não gostam de incertezas”, indica João Pisco. Entre os nomes mais falados para a sucessão estão o finlandês Erkki Liikanen e o irlandês Philip Lane. O alemão Jens Weidmann, o maior crítico de Draghi, parece estar fora da corrida.
Mas Draghi só sai nos últimos meses do ano, pelo que o italiano ainda terá de navegar uma fase importante que é o “pós-Quantitative Easing”, ou seja, o período que se segue à conclusão do programa de compra de dívida nos mercados. O que parece pouco provável é que, como se previu a dada altura, Draghi decida no verão anunciar a primeira subida da taxa de juro desde 2011, que simbolizaria o final da crise e a conclusão, “com chave de ouro”, da era Draghi. “Olhando para os indicadores atuais, os níveis de confiança, os indicadores avançados, todos apontam para que o BCE não tenha condições para subir a taxa de juro”, considera Carlos Almeida, do Banco Best, acrescentando que “se houvesse essa subida de juros seria um sinal positivo, de confiança”.
Guerras comerciais. Problema passageiro ou “batalha pela hegemonia no século XXI”?
Para quem ainda tivesse dúvidas, um dos analistas mais respeitados do mercado europeu de dívida — Richard McGuire, do holandês Rabobank — deixou bem claro: “a guerra comercial entre os EUA e a China não é um tema político passageiro, é uma batalha pela hegemonia económica do século XXI”. E “só tende a piorar, não é algo que o vento vai levar”, acrescentou, em entrevista recente ao Observador.
Carlos Almeida, do Banco Best, lembra que este é um problema que deverá estar relativamente contido até ao início de março, altura em que terminam as tréguas acordadas entre Trump e Xi Jinping em Buenos Aires. Mas “nos últimos tempos já se sentiu uma degradação dos dados económicos [em vários blocos económicos, incluindo a Europa] e as tensões comerciais são uma das faces visíveis desta inquietação dos investidores, que já se começa a materializar e a penalizar a confiança das empresas”, salienta o diretor de investimentos do Banco Best.
No relatório onde o JPMorgan Chase faz a antecipação de 2019, na área dos investimentos, pode ler-se que “parece haver um grande apetite político no eleitorado norte-americano, tanto entre os republicanos como os democratas, para que se reequacionem as relações comerciais dos EUA — e a China está precisamente no olho do furacão”. Do lado chinês, a incerteza comercial veio numa altura em que o crescimento já estava a desacelerar significativamente, fruto do reajustamento da política no sentido da melhor “qualidade” do crescimento, em detrimento da “quantidade”. “E a Europa foi apanhada neste fogo cruzado”, estando já a ser penalizada pela redução do comércio global.
O que irá acontecer em 2019? Esta é a pergunta para vários milhões de dólares, mas o que é certo, diz João Pisco, do Bankinter, é que “a parte mais vulnerável da relação comercial é a China”, porque exporta mais do que importa, mas “os EUA precisam de um acordo relativamente pacífico com um dos seus principais credores (subscritores da dívida pública norte-americana). “O mais importante é que a dependência é mútua, pelo que o acordo não tardará a chegar”, confia o analista do Bankinter, acrescentando que “mesmo que não haja um acordo formal estruturado, uma diminuição das hostilidades já será suficiente para retirar importância a este assunto no que diz respeito aos mercados”.
Brexit. Será 2019 (mesmo) o ano em que o Reino Unido deixa a União Europeia?
Além de ser o fim previsto das tréguas na “guerra comercial” entre EUA e China, março de 2019 é, também, o mês de todas as decisões no processo de saída do Reino Unido da União Europeia. Mas será, mesmo? Um dos cenários possíveis para a incerteza que se gerou nos últimos meses passa por ver Londres a pedir a Bruxelas um adiamento do prazo de dois anos que começou a contar a partir do momento em que o Reino Unido ativou o chamado “artigo 50º” do Tratado de Lisboa, que prevê os moldes em que se pode sair da UE. Mas há outros cenários possíveis.
Em janeiro ou fevereiro o parlamento britânico deverá votar o acordo que foi obtido por Theresa May, a primeira-ministra que decidiu cancelar uma votação que esteve prevista mas que se dirigia, claramente, para o chumbo. O cenário visto como mais provável por alguns bancos de investimento, como o JPMorgan Chase, é que “a ameaça de um novo referendo ou de eleições antecipadas levará, a dada altura, a que seja possível obter uma maioria no parlamento britânico que aprove o acordo em cima da mesa”. Este seria, segundo o Bankinter, o cenário mais benéfico para as bolsas, mas o analista João Pisco acredita, em contraste, que é o menos provável.
Um pouco mais provável, na ótica deste especialista, é que haja uma rejeição do acordo e sejam reiniciadas as negociações entre Londres em Bruxelas, o que poderia implicar o tal pedido de adiamento do prazo. Nesse cenário, contudo, a maioria dos observadores defende claramente que Theresa May teria de sair de cena e seriam convocadas eleições antecipadas”, que poderiam terminar com a vitória dos trabalhistas liderados por Jeremy Corbyn. O terceiro cenário previsto pelo Bankinter é que haja uma rejeição definitiva do acordo e, atingindo o final do prazo, o Reino Unido sairia da UE sem qualquer acordo definitivo de substituição — esta seria a chamada “saída desordenada”, ou o Hard Brexit.
Nesse cenário mais gravoso, a libra esterlina iria depreciar-se em mais de 10%, prevê o analista, e o produto interno bruto (PIB) britânico cairia 8% no espaço de cinco anos, segundo as previsões do Banco de Inglaterra. E estes são apenas alguns dos impactos económicos para o Reino Unido, que teriam um impacto inevitável (ainda que difícil de antecipar) para o resto da economia europeia. “Atribuímos uma probabilidade reduzida a este cenário, dado que, a priori, um Hard Brexit não seria bom para ninguém”, afirma João Pisco, confiante de que “no final de contas deverá sobrepor-se o senso comum”.
Perante a ameaça de protestos como os “coletes amarelos”, governos vão abrir cordões à bolsa?
Os protestos dos chamados “coletes amarelos” em França, um movimento organizado aparentemente de forma espontânea, não entraram de rompante na agenda política europeia mas conseguiram, gradualmente, impor-se como um dos acontecimentos mais marcantes do ano — sobretudo porque conseguiram levar a um recuo por parte de um responsável político como Emmanuel Macron, que com Angela Merkel de saída parecia ter a sua oportunidade de ouro para se afirmar como o grande protagonista político na Europa. Recuando em várias medidas essenciais do orçamento público, ao ponto de colocar França na iminência de furar as regras europeias do défice, a decisão de Macron tornou-se o símbolo de uma tendência que parece existir na política europeia, no pós-crise.
“Já começamos a ver algum discurso mais expansionista do ponto de vista orçamental, no sentido de não criar terreno demasiado fértil para fomentar os movimentos eurocéticos e extremistas”, considera Carlos Almeida, diretor de investimento do Banco Best, salientando a crise dos “coletes amarelos” em França como o principal símbolo desta problemática. Os protestos e a resposta que lhes foi dada — inicialmente, o desprezo, e, depois, a concessão — poderão ter impactos importantes para as práticas democráticas na Europa e para a forma como se faz política, e isso já ficou evidente, por exemplo, na gestão da crise italiana (de que falaremos mais à frente). Como? O primeiro-ministro italiano, Giuseppe Conte, terá feito, nas suas negociações com a Comissão Europeia, alusão direta ao perigo que poderia representar um movimento semelhante a formar-se em Itália.
Para já, apesar de cedências como o aumento do salário mínimo, Emmanuel Macron continua a ser visto nos mercados como um reformista, porque “continua a tomar medidas no sentido de tornar França um país melhor para fazer negócios”, comentaram economistas do Berenberg, em nota de análise recente. “Desde que Macron continue a fazer reformas amigas do crescimento económico, a economia francesa tem condições para se tornar mais robusta apesar do momento de desaceleração cíclica”, defendem os especialistas, notando, porém, que “é preciso ver até que ponto é que, agora, ele continua a ter capacidade para fazer passar essas reformas, além das que já foram cumpridas”.
Em Portugal, uma tentativa de replicar os protestos dos “coletes amarelos” acabou em flop. Mas líderes sindicais, como Arménio Carlos, da CGTP, já vieram garantir que 2019 será “um ano quentinho, um ano muito animado do ponto de vista reivindicativo”, o que deixa antever que as greves que têm marcado os últimos meses vão continuar em 2019, alastrando-se, também, de forma mais premente, ao setor privado.
As eleições europeias vão ser dominadas pelos anti-europeístas?
Os eleitores da União Europeia votam em finais de maio a próxima composição do Parlamento Europeu, um organismo que, como sumarizam os analistas do Commerzbank, “já não é uma espécie de clube de debate sem quaisquer poderes — hoje, mais de 90% das leis europeias precisam da sua aprovação”, além de que cabe ao Parlamento Europeu eleger o próximo presidente da Comissão Europeia (Jean-Claude Juncker abandona o cargo em 2019).
São eleições com uma importância “crítica”, afirma o JPMorgan Chase na nota de antecipação do ano eleitoral. “São cada vez maiores os riscos de que as alianças eurocéticas recebam uma proporção maior da votação, o que poderá fazer com que os investidores se tornem cada vez mais céticos acerca das perspetivas de longo prazo na integração europeia e da capacidade de Bruxelas para oferecer uma liderança robusta na próxima inversão negativa” da economia, venha ela quando vier.
Tendo em conta que, presumivelmente, o Reino Unido já não pertencerá à União Europeia no momento da votação, apenas serão distribuídos 705 assentos parlamentares, menos 45 do que os 750 que foram eleitos na última votação, em 2014. É difícil dizer com um elevado grau de certeza o que vai acontecer, porque não há sondagens à escala europeia, mas alguns cálculos feitos a partir de previsões feitas à escala nacional levam a crer que os dois maiores grupos políticos — o Partido Popular Europeu e a Aliança Progressista dos Socialistas e Democratas no Parlamento Europeu — irão sofrer perdas significativas, ao ponto de perderem a maioria que, hoje, detêm no parlamento.
Na nota de antecipação dessa votação, o banco alemão Commerzbank afirma que “a força crescente dos críticos da União Europeia poderá colocar areia na engrenagem de Bruxelas”. Mas o principal impacto será o impacto “indireto” que esse resultado poderá ter sobre “o desenvolvimento futuro da UE e as decisões fundamentais que será necessário tomar nos próximos anos, no sentido de uma maior integração da zona euro”, designadamente questões como o orçamento próprio da zona euro, a introdução de um subsídio de desemprego europeu, o sistema europeu de garantia de depósitos bancários e a mutualização (parcial) da emissão de dívida.
Itália vai cumprir as regras do euro ou “vai reescrevê-las”?
O ministro italiano (e líder de um dos partidos da coligação) Luigi Di Maio disse, no pico do confronto com Bruxelas, que não via razões para seguir as regras europeias porque, [nas eleições europeias] em maio, iria reescrevê-las. Nesta fase, porém, esse confronto parece estar numa fase mais serena, ainda que a previsão consensual seja de que Itália deverá, em 2019, ser colocada sob Procedimento por Défices Excessivos. “Mas isso não é uma ocorrência especialmente rara”, lembra o JP Morgan Chase, notando que países como França, Grécia e Portugal passaram entre 13 e 15 dos últimos 17 anos sob este tipo de supervisão reforçada sobre as contas públicas.
Os investidores parecem estar mais tranquilos em relação aos riscos em torno de Itália, que chegaram a níveis perigosos no início do verão. Richard McGuire, do Rabobank, defende que “quando os responsáveis eleitos na Itália [Salvini] — falaram explicitamente sobre o risco de saída do euro, nessa altura acredito que voltámos a ver riscos de redenominação na zona euro [o risco de a dívida italiana em euros ser convertida em liras]”.
“É curioso que só nessa altura é que os juros subiram — nas eleições, em março, os mercados não se mexeram apesar de várias pessoas dizerem ‘este é o pior resultado eleitoral possível, porque é que os mercados não estão em pânico?’. Mas hoje até os investidores italianos, nossos clientes, estão a limitar ao máximo a exposição à dívida italiana — tanto quanto possível, porque a Itália continua a ter rating de qualidade e está nos principais índices, portanto alguns fundos e seguradoras têm obrigatoriamente de ter exposição à dívida do país”, afirmou o analista, em entrevista recente ao Observador.
Ainda assim, o analista diz que o seu “cenário-base” é que não existe um grande risco de que o confronto possa levar à saída de Itália da zona euro. “Mas o meu cenário-base para o Brexit também era que o Remain iria ganhar e o meu cenário-base para as eleições norte-americanas era que o sr. Donald Trump não se iria tornar o Presidente Trump”, comentou Richard McGuire. Já João Pisco, analista do Bankinter, está mais tranquilo: “Itália não nos preocupa. A economia italiana já está habituada a conviver com instabilidade política. Nos últimos 73 anos, Itália teve 66 governos e não foi por isso que a economia deixou de funcionar”.
O mercado imobiliário vai continuar a aquecer?
Um mercado que vai continuar no centro das atenções, em Portugal, é o mercado imobiliário. E, tal como nos anos recentes, a previsão consensual é que o desequilíbrio que existe entre a oferta e a procura deverá continuar a impulsionar os preços. A agência de rating S&P, por exemplo, indicou em setembro que, depois do aumento de 9,5% em 2018, o próximo ano irá trazer mais um aumento médio na ordem dos 7%. A “oferta escassa”, sobretudo nas maiores cidades, deverá continuar a aliar-se à “procura interna e por parte de estrangeiros” para sustentar o valor das casas.
Porém, sobretudo do ponto de vista da procura por parte dos cidadãos portugueses, é previsível que o ímpeto da procura possa desacelerar um pouco. Por um lado, não é previsível que as taxas de juro subam de forma significativa ao longo de 2019 — o que tem dois efeitos imediatos: torna a opção da compra mais atrativa, em detrimento do arrendamento, para muitas pessoas e, por outro lado, faz com que quem tem poupanças continue a olhar para o setor imobiliário como um investimento mais interessante, já que os depósitos bancários devem continuar a pagar taxas que, em muitos casos, não chegarão sequer para superar a inflação.
“É expectável um abrandamento do crescimento do número de transações residenciais, sobretudo em consequência das limitações do poder de compra dos portugueses para acederem a habitação própria ou de arrendamento”, comenta Ricardo Sousa, presidente-executivo da Century 21 Portugal, que publicou recentemente um estudo que “aponta que mais de 20% da procura está a desistir de comprar, ou arrendar, por não encontrar uma habitação ajustada às suas expectativas e ao seu rendimento disponível”.
Para a JLL e o seu diretor-geral em Portugal, Pedro Lancastre, vivemos um “cenário de crescimento transversal que deverá manter-se em 2019, com a atividade transacional e ocupacional a manter-se muito robusta”. Porém, “o surgimento de nova oferta que nos escritórios quer na habitação (especialmente) pode trazer alguma suavização ao comportamento dos preços”. Ainda assim, se olharmos para o imobiliário nas suas várias vertentes, “temos estado claramente a viver um bom momento em termos de imobiliário e achamos que o ano de 2019 tem tudo para acelerar ainda mais”, acredita o diretor-geral da JLL Portugal.
Qual é o cisne negro que nos pode apanhar desprevenidos?
Os focos de incerteza parecem estar bem identificados pelos analistas dos bancos de investimento, mas, como muitas vezes acontece, os temas mais decisivos para o comportamento dos mercados financeiros e, por inerência, da economia, são acontecimentos imprevistos — os chamados “cisnes negros”, na nomenclatura usada pelos investidores. Não é fácil antecipar de onde podem surgir esses acontecimentos imprevistos, mas alguns analistas arriscam alguns tópicos que podem entrar de rompante na agenda económica.
O economista-chefe do Deutsche Bank, Torsten Sløk, apontou na sexta-feira passada 30 riscos para os mercados financeiros para 2018 — alguns correspondem aproximadamente aos tópicos sobre os quais nos debruçámos neste texto, mas surgem outros riscos mais ou menos prováveis e mais ou menos catastróficos. No topo da lista está o risco de uma “fire sale“, ou seja, uma “venda apressada, em queda livre” dos ativos bolsistas, agravada pelo comportamento dos algoritmos informáticos que hoje estão na origem de grande parte das transações bolsistas que existem.
Em tempos de grande volatilidade, em que índices da bolsa de Nova Iorque têm uma das piores semanas da história e, alguns dias depois, disparam mais de 1.000 pontos numa só sessão, torna-se maior o potencial para o risco invocado por Sløk. O economista salienta que os principais riscos que se veem no mercado são riscos que já estão connosco nos mercados há vários meses, e nem sempre parece haver desenvolvimentos súbitos que justifiquem a turbulência que se tem gerado em algumas sessões bolsistas. “Quando não se consegue explicar porque é que os mercados estão a mexer, deve-se olhar com desconfiança para os movimentos que o mercado faz”, considera o economista, entrevistado pelo MarketWatch.
Outros riscos salientados pelo economista-chefe do Deutsche Bank incluem um abrandamento mais forte do que o previsto na economia chinesa, devido à “guerra comercial” ou a outros fatores (como a “bolha” de crédito que muitos economistas dizem existir no país). Mas outros especialistas, como Steen Jakobsen, do Saxo Bank, admitem que, nos seus cenários “improváveis mas impossíveis de excluir“, os mercados podem ser desestabilizados pela falência de uma gigante empresarial como a General Electric, que tem sentido na pele o aumento dos juros nos EUA e teve um 2018 marcado por grandes dificuldades financeiras.