790kWh poupados com a
i

A opção Dark Mode permite-lhe poupar até 30% de bateria.

Reduza a sua pegada ecológica.
Saiba mais

i

David Zorrakino/Europa Press via Getty Images

David Zorrakino/Europa Press via Getty Images

"Pedro Sánchez é responsável pela subida da extrema-direita"

Ao Observador, o conselheiro de Ação Exterior da Catalunha culpa Sánchez pela explosão do Vox. Sobre o Tsunami Democràtic, que cortou a fronteira com França, defende o direito à manifestação.

O conselheiro do governo regional da Catalunha para a Ação Exterior, Alfred Bosch, recebeu o Observador no seu gabinete um dia depois das eleições que confirmaram o impasse político em Espanha e que catapultaram o Vox para terceiro lugar. Sobre a subida do Vox, rejeita quaisquer responsabilidades do independentismo catalão — “Não se pode confundir a vítima com o agressor”, diz — e aponta antes o dedo para Pedro Sánchez. Em tempos idos, sentaram-se lado a lado, mas em partidos diferentes, no Congresso dos Deputados. Alfred Bosch recorda-o um político “astuto” e “capaz”. Mas, agora, a ideia é outra. “Com este Pedro Sánchez, não há maneira de falar”, assegura.

Numa entrevista de pouco mais de 30 minutos, houve ainda tempo para falar do corte de uma auto-estrada entre a Catalunha e França, promovido pelo Tsunami Democràtic. E, também, para perceber afinal como seria uma Catalunha independente: que moeda teria, em que blocos internacionais estaria inserido e, também importante, que relação teria com Espanha.

Comecemos com o mais recente, que não são sequer as eleições de ontem, mas antes o que se passa na fronteira entre Espanha, mais concretamente na Catalunha, e França. Esta manhã o Tsunami Democràtic convocou uma manifestação para cortar a AP-7 e neste momento a circulação entre os dois países está cortada. A convocatória diz que os manifestantes querem ficar ali durante três dias. O que é que o governo regional da Catalunha vai fazer para resolver esta situação, se é que vai fazer algo?
Em primeiro lugar, tanto quanto sei o corte foi feito do lado francês. Vamos ver o que nos explicam as autoridades francesas. O governo [da Catalunha] não organizou esta mobilização, nós governamos.

Nem sequer sugeri isso. Mas ainda assim gostava de perceber o que é  que vão fazer para parar este bloqueio, que pode ter consequências nocivas para a Catalunha, além do resto de Espanha.
Pode ser nocivo que a atividade económica não se desenvolva, mas também pode ser nocivo prejudicar direitos. Neste caso, o direito à manifestação, que está garantido aqui, em França, em Portugal e em todo o mundo democrático. Há que ter isso em conta. E, ao mesmo tempo, há que encontrar uma maneira de compatibilizar o direito à manifestação com o direito ao trabalho e ao movimento.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

O Tsunami Democràtic cortou a fronteira entre a Catalunha e França, do lado francês, prometendo ficar ali três dias (LLUIS GENE/AFP via Getty Images)

(LLUIS GENE/AFP via Getty Images)

Certo, mas para uma manifestação acontecer é preciso ter autorização. É preciso comunicar as autoridades. Quando a ONG independentista Assemblea Nacional Catalana marca uma manifestação, como a Diada, fala com a polícia e diz-lhe onde é que a manifestação vai ser. Mas não foi isso que aconteceu agora com o Tsunami Democràtic, não é da sua natureza.
Não sei. Eu não sou membro do Tsunami. Não sei como funcionam, nem como organizam as coisas. O que é evidente é que se o Tsunami Democràtic montar uma manifestação em Lisboa, a interlocução teria de ser com as autoridades portuguesas. Nós aqui, a única coisa que dizemos é que esperamos que tudo decorra com respeito ao direito de manifestação e também de movimento.

Mas vocês aqui no governo regional da Catalunha estão em contacto com as autoridades francesas?
Nós estamos em contacto com todos os cônsules. E com o cônsul francês também, claro. Só que ainda não pudemos falar deste tema. Mas aí a interlocução é através do Interior.

"Eu não sou do Governo de Espanha, portanto não sei o que está a fazer o Governo de Espanha. Eles não nos querem explicar."

Fala do Ministério do Interior de Espanha ou do Departamento de Interior da Catalunha?
Bom, eu não sou do Governo de Espanha, portanto não sei o que está a fazer o Governo de Espanha. Eles não nos querem explicar. Realmente, o Governo espanhol se teve alguma relação connosco nos últimos tempo é para dizer que está a considerar medidas para travar o independentismo e que as condenações e sentenças de nove pessoas a 100 anos [somatório de todas as penas] por montar uma votação lhes parece bem. E também que querem trazer Puigdemont da Bélgica, passando por cima da independência dos procuradores, dos juízes e da independência do Reino da Bélgica. É esse tipo de atitude que tem o Governo espanhol.

Poderá o facto de não haver contacto entre o Governo central de Espanha e o governo regional da Catalunha ser uma consequência de que há ligações entre o governo catalão e o Tsunami Democràtic?
Que rumores?

Fala-se disso. Há relatos na imprensa, e também vários políticos unionistas têm acusado, de que há ligações entre o governo regional da Catalunha, e também de Puigdemont, ao Tsunami Democràtic. Isto não reflete a verdade é isso que quer dizer?
Eu sou membro deste governo e não tenho nenhuma ligação com o Tsunami Democràtic. Não sei. Teria de perguntar ao que difundem estes rumores. Mas eu asseguro que não sei nada.

Há aqui uma especificidade desta situação, que é o facto de o governo regional da Catalunha e o Tsunami Democràtic têm os mesmos objetivos. Claro que os métodos são diferentes — vocês são eleitos e quanto ao Tsunami Democràtic não é sequer possível dizer quem são. Concorda que estas acusações vos causam danos ou tanto vos faz, no governo regional da Catalunha?
Como jornalista, acha que causam dano?

A convocatória para o corte da autoestrada AP-7, na fronteira com França, foi feita esta segunda-feira de manhã (David Ramos/Getty Images)

David Ramos/Getty Images

Isso é o que eu lhe pergunto.
Para mim é muito claro: há gente que se dedica ao ativismo e a mobilizar as pessoas para as ruas, para as autoestradas e para onde quer que seja. O governo catalão, pelo que me consta, não se dedica a isso. Que os objetivos possam confluir… Bom, eu também confluo com o FC Barcelona, gosto que ganhem os jogos. Mas eu não influo nem comunico com eles, nem sequer posso decidir nada a respeito a isso.

Mas o governo regional não condena estas ações do Tsunami Democràtic.
Mas o que há para condenar?

O facto de que as ligações entre França e a Catalunha, ou seja, parte de Espanha, estão cortadas por uma manifestação que não foi legalmente convocada. Antes de todo o resto de Espanha, quem é logo afetado por isto é a Catalunha.
Terá que perguntar às autoridades francesas ver quais são os planos que têm. Imagine que nós íamos atuar em França. Agora mesmo você ia estar a perguntar-me porque é que estávamos a atuar fora das nossas fronteiras. Nós governamos a Catalunha, o território que é nosso.

Falemos então das eleições de ontem. Perante estes resultados, uma pergunta simples: e agora?
Primeiro, há que constatar o fracasso de Pedro Sánchez. Ele fez uma aposta e perdeu-a. Convocou as eleições por incapacidade de dialogar com o independentismo e até de dialogar com o Podemos, que é outro partido de esquerda progressista. Foi essa incapacidade que levou a estas eleições com o objetivo de, segundo ele mesmo disse, fortalecer o seu partido e a sua posição no Governo. Não foi isso que aconteceu e, além disso, provocou uma subida tremenda da extrema-direita. E Pedro Sánchez tem responsabilidade da subida da extrema-direita. Tem responsabilidades porque ele mesmo e o seu partido adotaram uma linha muito dura em relação ao independentismo. Uma linha de apoiar a repressão, de mandar milhares de polícias à Catalunha, de aplaudir que haja presos políticos e exilados. E também de dizer que vão buscar o senhor Puigdemont a Bruxelas e trazê-lo para cá sem respeitar nem a independência judicial, nem dos procuradores, nem a independência do Reino da Bélgica. E também disse que iria ilegalizar os referendos não negociados — o que significa seguramente que, até agora, são legais. Se vão ilegalizá-los, como podem então dizer que o referendo de 2017 era ilegal? Isto é contraditório. Mas, seja qual for a contradição, a intenção era a de dar a impressão tinham mão dura para a Catalunha. A linha de Pedro Sánchez é cada vez mais parecida com a linha do Vox, que é a linha dura, muito dura, de ilegalizar partidos e de suspender o governo da Catalunha e o parlamento. Por isso, se um partido como o PSOE e um Presidente de Governo como Pedro Sánchez se apresentavam há seis meses como progressistas, partidários do diálogo e da modernização, defensores de que se resolvessem as coisas a falar e democraticamente… E como sabe muito bem, da parte dos partidos independentistas houve uma contribuição para trocar Mariano Rajoy por Pedro Sánchez. Porque nessa altura havia esperança, porque era um homem que se apresentava com um tom democrático e dialogante. O que resta agora de Pedro Sánchez? A aposta atual é de linha dura e de dizer que não há nada para falar. Da outra vez, a aposta saiu-lhe bem e agora não.

"Conheço bem Pedro Sánchez. É um homem que tem audácia. Não é um grande idealista, mas é um homem astuto e um político capaz. Calculo que faça as coisas de forma consciente. E, bom, se fez uma viragem e deixou a linha moderada e dialogante para ir para a linha dura, ele terá as suas razões. Ele há-de conhecê-las. Nós só lidamos com os factos e sabemos como se posiciona politicamente Pedro Sánchez. E, com este Pedro Sánchez, não há maneira de falar."

Disse-me que Pedro Sánchez quis passar a ideia de tinha mão de ferro para a Catalunha. Mas não crê que ele possa voltar atrás e que isto não passou de uma postura para mostrar durante a campanha, de maneira a conseguir o voto de centro noutras partes de Espanha? Ou não confia numa nova versão de Sánchez?
Isso terá de perguntar-lhe a ele.

O facto é que Pedro Sánchez está sempre a mudar. A sua opinião e postura muda muito consoante o momento. 
Conheço bem o Pedro Sánchez, porque quando eu estava no Congresso dos Deputados, onde liderava a Esquerda Republicana da Catalunha, ele sentava-se ao meu lado direito. Conheço-o bem. É um homem que tem audácia. Não é um grande idealista, mas é um homem astuto e um político capaz. Calculo que faça as coisas de forma consciente. E, bom, se fez uma viragem e deixou a linha moderada e dialogante para ir para a linha dura, ele terá as suas razões. Ele há-de conhecê-las. Nós só lidamos com os factos e sabemos como se posiciona politicamente Pedro Sánchez. E, com este Pedro Sánchez, não há maneira de falar. Não há maneira de nos entendermos. Nós queremos diálogo. Estamos na mesa sentados à espera que venha alguém do governo espanhol e se sente connosco. Mas a cadeira está vazia.

A haver um momento para fazer isto, seria agora, que Pedro Sánchez precisa de ajuda para formar um governo.
Então que retifique.

Alfred Bosch recusa que a culpa da subida do Vox seja do independentismo catalão (OSCAR DEL POZO/AFP via Getty Images)

(OSCAR DEL POZO/AFP via Getty Images)

O que teria Sánchez de propor para vocês falarem com ele?
Nós há anos que não só aceitamos que venham falar connosco como estamos a exigir diálogo. Portanto a primeira coisa que Pedro Sánchez tem de fazer é voltar atrás e sentar-se para falar. É por aí que se tem que começar. Em janeiro deste ano houve uma primeira tentativa, em que se sentaram os dois governos e publicou-se uma nota conjunta em que o governo espanhol e o governo catalão dizem que farão os melhores esforços para encontrar uma solução democrática com garantias legais. Isso era um início, talvez muito ambíguo e esquemático, mas era um princípio. Era prometedor. Mas, nesse mesmo fim-de-semana, convocou-se uma manifestação ultra, na Praça de Colombo em Madrid, com gente a fazer a saudação fascista e cartazes a dizer “não ao diálogo” e “o diálogo é traição”, neste mesmo fim-de-semana Pedro Sánchez levanta-se e vai-se embora da mesa. Não pode ser!

Mas essa manifestação surge quando são conhecidas as 21 condições de Quim Torra para entrar em diálogo com o Governo de Espanha. Muitas delas eram, como já seria de prever, inaceitáveis para Espanha.
A manifestação tem muito pouco a ver com as condições de Quim Torra. A maioria dos manifestantes e dos líderes do seu partido nem as conhecem. Pergunte-lhes! Pergunte a Casado quais eram as 21 condições de Quim Torra. Já ninguém se lembra delas. Não é esse o tema. O tema é que há uma parte do nacionalismo espanhol cada vez mais importante e radicalizada que não aceita um diálogo e que diz que não há nada para falar. Isto é uma questão de princípio. Quando Pedro Sánchez se deixa arrastar e aproxima-se dessas posições, perde a sua aposta. E foi isso que aconteceu nestas eleições. Não se pode deixar arrastar pela extrema-direita neo-franquista.

"É extremamente injusto dizer que o independentismo provoca a xenofobia e o racismo. É tão injusto como dizer que quando os imigrantes reclamam os seus direitos estão a provocar o racismo e a xenofobia ou tão injusto que as mulheres ou os homossexuais quando reclamam os seus direitos estão a provocar a extrema-direita."

O mesmo que diz do PSOE, que acusa de ser responsável pelo crescimento da extrema-direita, é o mesmo que está a ser atribuído também aos partidos independentistas da Catalunha. O Vox praticamente só fala da Catalunha. Vê razões de fundo nisto?
Você vê?

O que eu vejo é que o Vox cresce muito claramente com o tema da Catalunha, sobretudo depois de ter havido manifestações violentas em Barcelona e noutros sítios na Catalunha. Antes disso, as sondagens davam ao Vox valores abaixo daquilo que tinham tido nas eleições de abril.
Na Catalunha, que é onde o fenómeno do independentismo é mais forte, é onde o Vox é mais fraco. É residual na Catalunha.

Ainda assim cresceu ontem, passando de um deputado para dois. 
Mas isso é muito pouco. E o PP também. Quem é que acha que representa neste momento o unionismo espanhol na Catalunha?

Vai dizer-me que é o Partido Socialista da Catalunha?
Eco! Pode dizer-se que isto é tudo uma resposta ao independentismo. E será, noutras partes. Mas na Catalunha não é assim. Além disso, é extremamente injusto dizer que o independentismo provoca a xenofobia, o racismo e tudo isso. É tão injusto como dizer que quando os imigrantes reclamam os seus direitos estão a provocar o racismo e a xenofobia ou tão injusto que as mulheres ou os homossexuais quando reclamam os seus direitos estão a provocar a extrema-direita. Porque a extrema-direita está contra tudo! Não se pode confundir a vítima com o agressor. A vítima é a que reclama os seus direitos, porque é legítimo. E se os cidadãos da Catalunha reclamam os seus direitos, que é votar o seu futuro, e que sejamos tratados como cidadãos de pleno direito e não como cidadãos pela metade, então o que não se pode dizer que é estamos a provocar a extrema-direita. A extrema-direita está a surgir na Europa em todas as partes. E, aqui, o que a extrema-direita faz é aproveitar que haja gente que está a reclamar os seus direitos para castigar e reclamar uma mão dura contra os cidadãos catalães, contra homossexuais, contra gente de outras origens e que são imigrantes legais, contra as mulheres que reclamam os seus direitos. Por favor, não confundamos as coisas.

(PAU BARRENA/AFP via Getty Images)

AFP via Getty Images

Mas estes temas praticamente não entraram nesta campanha express do Vox. Nestes sete dias de campanha, aquilo de que o Vox falou foi Catalunha, Catalunha e Catalunha. Claro que houve algumas menções a temas mais culturais e identitárias, mas ainda assim a Catalunha foi o tema. E foi depois das manifestações violentas que o Vox subiu nas sondagens. A pergunta que lhe faço é: o governo regional da Catalunha, na pessoa de Quim Torra, não deveria ter criticado de forma evidente e mais cedo?
O governo da Catalunha condenou toda a violência, viesse ela de onde viesse. E Quim Torra fê-lo menos de 24 horas depois dos primeiros confrontos.

Não foi bem isso que muita gente entendeu. É certo que fez declarações, mas muita gente apontou que as suas declarações não recusavam de forma inequívoca a violência nas manifestações.
Há que controlar as manifestações, ou seja, da parte do governo da Catalunha temos de garantir que isto não ganha proporções maiores. Mas não é remotamente comparável ao que aconteceu em Hong Kong, com os coletes amarelos ou com os motins em Inglaterra em 2011. Ou seja, não é remotamente comparável a esse tipo de distúrbios. Por sorte, foi algo mais controlado. Mas, concordo, há que reagir. E Quim Torra reagiu. Mas não esqueçamos que são manifestações de gente que está muito indignada e a indignação vem de umas sentenças em que se condena a um século de prisão nove pessoas que puseram urnas para que se pudesse votar. Isto causa indignação. E claro que havia gente irritada. E a nossa função é que a irritação das pessoas não ganhe proporções maiores. Mas o melhor que há a fazer apaziguar os ânimos e para tranquilizar as pessoas que estão tão indignadas seria os líderes políticos falarem entre eles. E por isso é que reclamamos um diálogo com o Governo espanhol. Há uma responsabilidade clara dos poderes do Estado e do Governo espanhol que, em vez de tentarem mitigar qualquer indignação, o que fazem é reforçar isto ao dizer que não há nada que falar. Como é que não há nada para falar? Pedro Sánchez teria de ter vindo a Barcelona falar com o governo da Catalunha. Mas veio a Barcelona só para visitar os seus polícias feridos, nem sequer foi ver todos. E os civis, que ainda eram mais, nem sequer os visitou. Então, claro, há gente que se irrita. Há que atuar, mas essa indignação existe e a sua origem é muito clara.

"Pedro Sánchez teria de ter vindo a Barcelona falar com o governo da Catalunha. Mas veio a Barcelona só para visitar os seus polícias feridos, nem sequer foi ver todos. E os civis, que ainda eram mais, nem sequer os visitou. Então, claro, há gente que se irrita."

Passemos à política interna da Catalunha. São necessárias umas eleições antecipadas?
Essa função corresponde unicamente ao presidente da Catalunha. Quim Torra. E o presidente da Catalunha, digo-lhe eu, que vou a todas as reuniões de governo, nunca colocou essa possibilidade sobre a mesa. Nesta altura, temos um governo na Catalunha que é um governo de coligação — coisa que Pedro Sánchez não foi capaz de fazer e que nenhum governo espanhol alguma vez conseguiu fazer. Desde 21 de dezembro de 2017 que se formou aqui um governo, num processo que não foi fácil, mas formou-se um governo de coligação.

Não foi fácil à altura e continua a ser não se fácil agora, concorda? Refiro-me, por exemplo, ao anúncio que Quim Torra fez na semana em que se conheceu a sentença, prometendo um novo referendo. Colocou um prazo, até, que seria já para o ano. Pelos vistos a ERC foi apanhada de surpresa e Pere Aragonés, vice-presidente do governo, lá teve de dizer que o melhor era não haver prazos. É verdade que, sim é um governo de coligação, mas parece que há diferenças muito marcadas quanto à maneira de atingir um objetivo que é comum.
Somos partidos diferentes que partilham uma questão não só Estado, mas antes de criação de um novo Estado, que é uma questão importantíssima. Mas, sim, há uns de direita e outros de esquerda, claro que há diferenças. Mas atenção: desde 2017 que há uma certa estabilidade política e este governo tem-se aguentado. Quantos governos é que passaram por Espanha nos últimos quatro anos? Quatro! Quantas eleições é que houve em Espanha? Quatro! Já que falamos de diferenças… Não é que o senhor Sánchez seja incapaz de falar connosco, ele é incapaz até de falar com o Podemos para formar um governo. Para o seu próprio bem e para poder continuar no poder! Isto é bastante incompreensível. A instabilidade e as grandes diferenças irreconciliáveis verificam-se muito mais no panorama político espanhol do que no catalão. Agora, sim, podemos olhar para as matizes do governo de coligação da Catalunha. Mas o governo aguenta-se! Mas porque é que não olhamos antes para os desastres da política espanhola? O governo espanhol nega-se a falar e a contemplar uma solução democrática para os cidadãos da Catalunha. Somos cidadãos de segunda classe?

Em outubro, os ministros catalães da ERC foram surpreendidos por uma promessa de Quim Torra, que apontou para um novo referendo em 2020 (Europa Press via Getty Images)

(Europa Press via Getty Images)

Certo, mas a questão da coesão do governo catalão também é importante, no sentido que em que, se chegar uma altura de diálogo com o governo central de Espanha, seria do vosso interesse falar a uma só voz e não ter, por exemplo, Quim Torra a exigir um referendo a determinada data. Esse é o debate que existe neste momento na Catalunha.
Em janeiro houve conversações preliminares e nessa altura o governo catalão, sem nenhum problema, estas coisas de crises internas que alguns assinalam não existiam. Nessa altura, chegou-se a acordo com o governo espanhol para redigir uma nota. Isso é possível. E, quando nos sentamos à mesa, negociamos e somos capazes de chegara acordo. Quem é que se levantou da mesa? Não foi o governo catalão, que dizem que é um desastre de divisões, de dissidências e de crises. Não. Quem se levantou da mesa foi Pedro Sánchez e o governo espanhol. Portanto, é preciso perguntar-lhes porque é que são incapazes de falar. Sentar e falar. Uma coisa tão simples, que é o ABC de qualquer conflito político. E há que falar com os adversários. Dizem por aí ‘pedem coisas tremendas’. Pois, mas normalmente os adversários normalmente são muito diferentes. Há que saber falar com o adversário, porque com os amigos já não é tão difícil. E não tem tanto mérito. Mas como é que se resolvem coisas? É a falar com o adversário. É isso que faz falta. São lições de Nelson Mandela e de tantos outros: há que falar com o adversário. Claro que pedem coisas muito diferentes. Claro. Mas precisamente por isso que tê de falar.

“Adversário” é uma palavra forte…
Acha? Há outras que são mais fortes. Mas, sim, somos adversários…

… sim, mais forte ainda só “inimigo”…
… competimos em eleições. Por isso somos adversários. Quanto o FC Barcelona joga contra o Real Madrid ou o Espanyol ou o Porto ou o Sporting, são adversários. Estão nm campo de desporto. E desportivamente dirimem as suas diferenças. Nesse caso, com uma bola. E na política o que há que fazer é falar.

"Uma separação amistosa é seguramente aquilo que pode melhorar mais as relações entre espanhóis e catalães. Para dar um abraço, são necessárias duas pessoas. É impossível uma pessoa abraçar-se a si mesma. É preciso duas pessoas. E eu creio que a imensa maioria dos catalães — e eu também, claro — querem este abraço."

Mas crê que os adversários são os partidos políticos ou mesmo os governos? Ou seja, o Governo de Espanha e o governo regional da Catalunha são adversários?
Quando dizem que não há nada para falar, que o diálogo é impossível, bom, os termos em que somos adversários estão a ser reforçados pelo governo espanhol.

Façamos um fast-forward para 2050 e imaginemos que, nessa altura, a Catalunha é um país independente. Que moeda tem, em que organizações e blocos internacionais é que se insere e como é que convive com os seus vizinhos espanhóis? Ou seja, que planos têm?
A última parte da pergunta é, para mim, a mais interessante. Eu até tenho um livro escrito sobre isso que se chama “A independência da Catalunha interessa aos espanhóis”. A tese é essa, ou seja, eu estou confiante de que as relações melhorariam ao ponto de que seríamos muito melhores como amigos. Porquê? Porque este confronto que existe com a Catalunha podia ter acontecido com Portugal, noutras épocas históricas e muito diferentes. Mas, em vez disso, é possível ver que há relações francas e sinceras, de igual para igual, entre o Reino de Espanha e a República de Portugal. Certamente que se Portugal tivesse continuado dentro do Reino de Espanha haveria um conflito muito comparável ao da Catalunha. Ou seja, uma separação amistosa é seguramente aquilo que pode melhorar mais as relações entre espanhóis e catalães. Para dar um abraço, são necessárias duas pessoas. É impossível uma pessoa abraçar-se a si mesma. É preciso duas pessoas. E eu creio que a imensa maioria dos catalães — e eu também, claro — querem este abraço. Mas agora é impossível, porque realmente a sensação de esmagamento contínuo e de repressão é muito dura. Essa relação livre, entre iguais, de amizade, de intercâmbio económico e cultural e não só, de poder considerar que para nós a língua espanhola é um orgulho e que a defendemos porque a queremos [é melhor] do que esta sensação de imposição, em que “não há nada para falar e aguenta-te porque nunca hás-de poder votar”.

E nesse tal cenário hipotético, estariam na UE, no Euro, na NATO?…
É o que queremos…

Não vos assusta o Brexit? Os britânicos estão a aprender que, no fundo, é impossível comer o bolo e ficar com ele. Ou uma coisa ou outra.
Nós não somos brexiteers, a maioria dos catalães são europeístas, nós somos remainers. E somos muito parecidos aos escoceses. A eles disseram-lhe que se fossem independentes teriam de sair da UE e no final de contas aconteceu precisamente o contrário. Ao fim e ao cabo, o que conta é a vontade de estar na Europa. E a Europa, em vez de expulsar gente e em vez de expulsar países e mercados, sempre fez o contrário: incluir e abraçar cada vez mais, tantos países quanto possível. Portanto, a lógica seria que, ainda para mais sendo nós europeístas e contribuintes para os cofres europeus, o interesse seria que continuássemos na UE. Além disso, somos cidadãos europeus. Como é que se vai negar a um cidadão europeu a sua cidadania europeia?

Assine por 19,74€

Não é só para chegar ao fim deste artigo:

  • Leitura sem limites, em qualquer dispositivo
  • Menos publicidade
  • Desconto na Academia Observador
  • Desconto na revista best-of
  • Newsletter exclusiva
  • Conversas com jornalistas exclusivas
  • Oferta de artigos
  • Participação nos comentários

Apoie agora o jornalismo independente

Ver planos

Oferta limitada

Apoio ao cliente | Já é assinante? Faça logout e inicie sessão na conta com a qual tem uma assinatura

Ofereça este artigo a um amigo

Enquanto assinante, tem para partilhar este mês.

A enviar artigo...

Artigo oferecido com sucesso

Ainda tem para partilhar este mês.

O seu amigo vai receber, nos próximos minutos, um e-mail com uma ligação para ler este artigo gratuitamente.

Ofereça artigos por mês ao ser assinante do Observador

Partilhe os seus artigos preferidos com os seus amigos.
Quem recebe só precisa de iniciar a sessão na conta Observador e poderá ler o artigo, mesmo que não seja assinante.

Este artigo foi-lhe oferecido pelo nosso assinante . Assine o Observador hoje, e tenha acesso ilimitado a todo o nosso conteúdo. Veja aqui as suas opções.

Atingiu o limite de artigos que pode oferecer

Já ofereceu artigos este mês.
A partir de 1 de poderá oferecer mais artigos aos seus amigos.

Aconteceu um erro

Por favor tente mais tarde.

Atenção

Para ler este artigo grátis, registe-se gratuitamente no Observador com o mesmo email com o qual recebeu esta oferta.

Caso já tenha uma conta, faça login aqui.

Assine por 19,74€

Apoie o jornalismo independente

Assinar agora