“Uma História da ETA – Nação e Violência em Espanha e Portugal” (Bookbuilders) é o mais recente livro de Diogo Noivo, analista de risco político e comentador de política que se debruça, por norma, sobre dois temas: Espanha e terrorismo. Neste livro, que estará nas Feira do Livro de Lisboa e chega às livrarias no dia 13 deste mês, ambos os temas são levantados em simultâneo, para dar conta do doloroso, porque ainda recente, passado do terrorismo da ETA em Espanha.

Porém, aos tema de Espanha e do terrorismo, junta-se um terceiro: a relação daquele grupo terrorista com Portugal. Ao longo das 400 páginas deste livro, o autor demonstra que a primeira grande compra de armas para a ETA foi feita pelos portugueses LUAR (grupo armado da extrema-esquerda no final do Estado Novo) e fala em pormenor da “Casa de Óbidos”, que serviu de base para a organização terrorista a partir de território português, entre outros.

Nas vésperas do lançamento do livro “Uma História da ETA – Nação e Violência em Espanha e Portugal”, o Observador faz a pré-publicação de um excerto onde se conta a história de dois portugueses que foram vítimas daquele grupo terrorista — e também de José Luis Telletxea Maya, alegado etarra que procurou exílio em Portugal, mas que, apesar dos apelos de personalidades como Francisco Louçã, não o obteve.

O livro chega à Feira do Livro de Lisboa já no próximo sábado, mas só estará à venda nas livrarias uma semana depois, a 13 de setembro

Quinta Coluna Química

(…)
No âmbito das campanhas terroristas desenhadas para capitalizar anseios populares, a antinuclear foi a mais célebre, mas não a mais letal. A guerra contra o narcotráfico e contra os consumidores de estupefacientes nas províncias bascas e em Navarra mereceu menos atenção, mas cobrou um número superior de vítimas mortais.

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Entre 1980 e 1994 a ETA assassinou 43 indivíduos que acusava de tráfico ou consumo. O providencialismo salvífico que herdara do nacionalismo aranista obrigava-a a combater a degenerescência social provocada pelo aumento significativo do uso de heroína, cocaína e haxixe nas faixas etárias mais jovens, a sua principal base de recrutamento.

Tal como sucedia com a emigração, a venda e consumo de estupefacientes em Euskadi não era um fenómeno semelhante ao verificado nos demais países europeus, ou mesmo em outras regiões de Espanha, como a Galiza, que neste período teve partes do território e da população sob o domínio de redes de tráfico. Segundo a narrativa etarra, a droga era introduzida em Euskadi pelo Estado espanhol para domar os mais jovens, retirando-lhes o fervor guerreiro mediante dependências que provocam estados de torpor. Para a ETA, tratava-se de uma espécie de quinta-coluna química.

Na prática, a luta contra a droga foi um mecanismo ao serviço da polarização social. Procurou criar espaços livres de estupefacientes sob o controlo da ETA que contrastassem com as zonas corrompidas sob tutela do Estado espanhol. A lógica de contrapoder que emergiria da diferença entre zonas livres e zonas contaminadas daria à organização controlo territorial efectivo, apoio popular, recursos e novos recrutas.

Os eixos e razões da cruzada antidroga definiram-se no comunicado Denuncia de Herri Batasuna al Pueblo basco, publicado no jornal Egin. Após resenhar os vários tipos de narcóticos, os seus efeitos e formas de venda, o texto afirmava que operação tão «ampla» e «importante» de disseminação de estupefacientes partia de «altas esferas do Estado» e tinha como objectivos:

  • «a) Afastar de qualquer outro tipo de interesses ou preocupações, como os sociais, políticos, culturais, etc., um sector importante da juventude basca, para que se consuma a si mesma na dependência de drogas. Desta forma, oferece-se a droga como alternativa encaminhada a inibir toda a actividade (no jovem, no desempregado, no reprimido em situação marginal) que possa destinar-se a conseguir uma mudança na sociedade. Não é casual que seja precisamente nas zonas mais combativas de Euskadi onde há maior facilidade para a introdução das drogas duras.
  • b) Dispor (…) de pessoas (drogados) indefesas, automarginalizadas, sem resistências nem capacidade de reacção, facilmente manipuláveis por quem dispõe de poder de coacção, [pessoas] a quem forçar a confidencias policial ou a colaboração vergonhosa (…)
  • c) Criar um estado de perigo nas ruas através da delinquência indiscriminada originada pelas drogas duras. Tal estado e consequente psicose de perigo indiscriminado ajudariam a justificar o crescimento de efectivos policiais e suas actuações de todo o tipo (…)
  • e) Provocar um sentimento de caos social no cidadão e de confusão ideológica que predisponha o povo a aceitar como um mal menor a chegada de um «libertador» externo, que com métodos repressivos e o apoio total das instituições imponha a «sua ordem» fazendo desaparecer ao mesmo tempo as escassas liberdades populares conquistadas e, por outro lado, desacreditando qualquer fórmula social baseada no império da vontade popular.
    Perante esta situação, que pode chegar a comprometer o futuro de Euskadi, incidindo no processo de transformação encaminhado a uma nação livre, na qual se ponha fim à exploração do homem pelo homem, o Herri Batasuna apela a todas as forças sociais e ao povo em geral para que, através da auto-organização, lute contra esta praga que se propaga entre nós».

Sendo inegável que o problema assumiu proporções significativas, o meio abertzale inflacionou a dimensão do consumo para criar pavor social e reforçar a legitimidade da actuação etarra. Por exemplo, aventou 10 000 heroinómanos em Euskadi, quando na realidade não chegariam aos 6000. Tal como sucedia com a memória da Guerra Civil, a ETA e a constelação de grupos que com ela se relacionavam apostaram na criação de uma singularidade basca, especialmente fustigada pelos males e agressões vindas de Espanha.

O historiador Pablo Varela Garcia encontrou na guerra contra a droga os eixos da edificação da identidade nacional usadas pelo nacionalismo basco: realçar a fronteira dicotómica nós versus eles, opondo os bascos virtuosos aos pérfidos traficantes, necessariamente externos à comunidade; tecer redes de sociabilidade – através de plataformas de combate às drogas, associações de moradores e grupos locais associados ao HB – para difundir e consolidar teorias da conspiração que ostracizassem os alvos; organizar manifestações públicas de denúncia ao tráfico e consumo de estupefacientes, rituais públicos que instigavam o ódio a traficantes e ao Estado, colocando criminosos e instituições políticas espanholas lado-a-lado, no mesmo patamar moral; a maior parte das vítimas eram filhos de emigrantes espanhóis e cidadãos estrangeiros, logo maketos.

Os homicídios foram normalmente precedidos de métodos de acosso que envolviam as associações e grupos do MLNV. Primeiro difundiam-se rumores na vila ou cidade onde residia o alvo; depois, em pinturas murais, o nome do alvo era convertido em suspeito de consumo, tráfico ou cumplicidade; em seguida, actos de vandalismo à residência ou local de actividade profissional do suspeito; por fim, o assassínio a tiro ou com engenho explosivo.

Ainda que o combate aos estupefacientes fosse enquadrado em termos morais e éticos, a análise ao perfil das vítimas sugere que as drogas foram com frequência um expediente para ajustes de contas e eliminação de dissidência. Não existem quaisquer provas, suspeitas ou indícios de associação ao tráfico sobre 21 dos 43 indivíduos assassinados.

O cidadão português João Carlos Ribeiro de Aguiar Nalda – identificado na imprensa e em autos policiais como Juan Carlos Riveiro de Aguiar Nalda – é um desses casos. Empregado de mesa em situação de desemprego, com 33 anos de idade, foi encontrado morto na noite de 5 de Outubro de 1982 na berma da estrada Baquio-Bermeo, na província de Biscaia. Tinha três tiros na cabeça e dois no tórax. Ao lado do cadáver, quatro cartuchos de 9mm Parabellum, marca FF, tipo de munição habitualmente usado pela ETA-m.

Residente no bairro de San Pelayo, também na Biscaia, onde era conhecido como «Perlita» e «El portugués», João Carlos terá sido sequestrado, mantido em cativeiro menos de 24 horas e finalmente assassinado no local onde foi encontrado. O pai disse à imprensa que, tanto quanto sabia, o filho «nunca recebeu ameaças de nenhum tipo.

Politicamente, não teve problemas. Andava com gente que fumava charros e coisas desse tipo». A ETA nunca reivindicou o homicídio, um dos cerca de 300 perpetrados pela organização terrorista cujos autores materiais permanecem incógnitos. As dúvidas sobre este caso remeteram-no a um esquecimento quase absoluto, não havendo nos últimos 30 anos quaisquer desenvolvimentos que aclarem as circunstâncias da morte.

Houve outro português assassinado no âmbito da guerra contra o tráfico: a 23 de Maio de 1990, por volta da uma da manhã, Virgílio do Nascimento Afonso entrou no carro, estacionado no bairro de Buenavista, em San Sebastián, quando foi abordado por um indivíduo que lhe disparou repetidas vezes. Com três tiros no pescoço, arrastou-se até à porta do edifício onde morava, mas aí acabaria por morrer.

Com 24 anos de idade, Virgílio estava identificado pelas autoridades. Ao invés do que sucede com João Carlos Nalda, sobre este português existem várias suspeitas de pertença a grupo dedicado a furtos, roubos, tráfico de armas e drogas. De resto, fora detido a 20 de Dezembro de 1989 na posse de uma arma de fogo ilegal. Virgílio mudara-se para o bairro de Buenavista há tão somente quinze dias, alegadamente para fugir à pressão sentida no distrito de Trintxerpe, também em Guipúscoa, onde ocorreram várias manifestações de repúdio ao consumo e venda de estupefacientes organizadas pelo MLNV.

O atentado não foi reivindicado de imediato. Políticos e forças de segurança inclinaram-se para a hipótese de ajuste de contas entre grupos criminosos rivais, mas a 26 de Junho a ETA publicou um comunicado no jornal Egin onde assumia a autoria deste e de mais dois homicídios.

A luta etarra contra a droga teve um ângulo que a organização sempre se esforçou por ocultar: o consumo nas suas fileiras. Recorde-se que Txabi Echebarrieta estava sob o efeito de anfetaminas quando assassinou o guarda civil José António Pardines, facto que por ser contrário ao mito do Che basco foi convenientemente ignorado pela propaganda etarra.

Não foi caso único. O exemplo paradigmático da infiltração de estupefacientes no interior da ETA encontra-se no Comando Igueldo. Mais conhecido como Comando Golfo, adjectivo aplicável a indivíduos proclives à diversão e aos vícios, o Comando Igueldo foi responsável por 11 assaltos que renderam 5 000 000 de pesetas (cerca de 13 090 euros), montante que nunca entrou nos cofres da organização, pois foi gasto na compra de substâncias, nomeadamente heroína. Desarticulado pela Guardia Civil em Julho de 1981, apreenderam-se na residência de um dos elementos do comando vários utensílios destinados ao consumo. Dez anos mais tarde, Gabriel Muzas Aguirreurreta, antigo membro do Comando Igueldo, foi detido na fronteira entre França e Bélgica na posse de 72 gramas de haxixe adquiridos na Holanda.

A prisão desta célula em 1981 livrou os seus integrantes de punição pela cúpula da organização terrorista, que no ano anterior assassinara o etarra José Luis Oliva Hernández, adicto a heroína. Membro do Comando Orbaiceta, Oliva Hernández apoiou o companheiro de célula Sabino Onaindía, que padecia da mesma dependência. Em algumas células etarras o consumo de droga alastrou com a mesma facilidade com que se propagava na sociedade.

Portanto, apesar da condenação moral do consumo e de se ter arrogado a missão de limpar o País Basco e Navarra da chaga da dependência de estupefacientes, a ETA não foi um farol de probidade. A ligação ao mundo no narcotráfico aprofundar-se-ia na sequência da queda da cúpula em 1992, na localidade basco-francesa de Bidart.

A operação policial que decepou a organização terrorista em 1992 deixou-a sem direcção, sem aparelho logístico, praticamente sem armas e explosivos, além de destituída de circuitos de financiamento e branqueamento de capitais. Na casa de Bidart que servia de sede à ETA, as autoridades encontraram uma quantidade invulgar de documentação com valor inusitado: números de contas bancárias em offshores; empresas fachada; dados sobre a extorsão de empresários. Este golpe veio antecedido de outros, como a detenção dos comandos activos em Biscaia e o desmantelamento de uma rede de extorsão conduzida a partir de França. Pouco depois de Bidart, deteve-se em Paris Sabino Euba Cenarruzabeitia, responsável pelas contas da organização, quando se preparava para fugir para o México.

Em sério risco de desaparecer, a ETA ter-se-á socorrido do tráfico de drogas para reconstruir a sua estrutura. Aqui, Portugal volta a entrar na história do grupo: em 1996 foi detido em Lisboa José Luis Telletxea Maya, que alegadamente terá traficado haxixe por encargo da organização terrorista e que, segundo as autoridades espanholas, integrava o aparelho de mugas (fronteiras) da ETA, estrutura responsável por assegurar o trânsito de militantes, armas e explosivos entre Espanha e França.

Maya veio a Portugal pela primeira vez em 1991, quando se dedicava à venda de lubrificantes para motores, mudando-se definitivamente para o país em 1994. Em Julho de 1995 foi detido pela Polícia Judiciária no cumprimento de um mandado de captura internacional por suposta vinculação à ETA. Foram precisos alguns meses para localizar Maya, que se ausentara do local onde habitualmente residia. Após busca domiciliária, foi presente a juiz no Tribunal da Relação de Lisboa, que o libertou no dia seguinte por falta de indícios que fundamentassem o pedido de extradição apresentado por Espanha.

A 30 de Março de 1996, foi novamente detido, desta vez na posse de um passaporte espanhol contrafeito quando se preparava para embarcar em Lisboa num voo da TAP com destino a Caracas. Tentou a fuga, mas uma vez detido revelou de motu proprio a sua real identidade. As autoridades de segurança no aeroporto confirmaram que sobre Maya existia um pedido de captura, detenção e extradição emitido por Espanha ao abrigo do sistema europeu de Schengen.

Ouvido no Tribunal de Instrução Criminal de Lisboa, assumiu ter adquirido o passaporte falsificado a uma pessoa cuja identidade desconhecia e a quem nada pagou. Depois, acabou por recordar o primeiro nome de quem lhe dera o passaporte e explicou que precisava de documentos porque os seus lhe tinham sido roubados. Não se deslocou à Embaixada de Espanha para pedir novas vias porque a detenção em 1995 o convenceu de que teria problemas com o Estado espanhol. A viagem à Venezuela prendia-se com motivos de negócios, pois era representante de uma marca de aditivos para óleos que não estava representada no país sul-americano, donde resultava uma oportunidade comercial.

Condenado a sete meses de prisão pelo passaporte falsificado, Maya permaneceu onze num estabelecimento prisional português por força de um novo pedido de extradição espanhol, fundamentado na acusação de colaboração com a ETA pendente no Julgado n.º 5 da Audiencia Nacional. Maya denunciou os argumentos de Espanha, a seu ver obtidos por via de tortura a presos. Cumpriu 21 dias de greve de fome em sinal de protesto, prática habitual em presos de organizações com móbil político.

O MLNV não o esqueceu, dando-lhe destaque em seminário do Debate Gaztelu. Em meados da década de 1990 nasceu a iniciativa Debate Gaztelu (castelo), esforço para dotar o abertzalismo de uma política externa coerente, capaz de projectar a causa no estrangeiro, e difundir propaganda além-fronteiras sobre o colectivo de presos da ETA, apresentados como vítimas de Espanha e França. A iniciativa reuniu diferentes organismos do MLNV, como o HB, e foi coordenada pelo aparelho político da ETA. Em documento respeitante a seminário do Debate Gaztelu realizado entre os dias 4 e 6 de Setembro de 1996, lê-se na epígrafe «Actividade europeia» que de «16 a 21 de Setembro se levará a cabo uma greve de fome de 6 dias nos seguintes lugares: Copenhaga, Berlim, Bruxelas, Paris, Genebra, Roma e Lisboa», uma «greve de fome dinâmica, isto é, levar a cabo junto com a greve de fome alguns contactos (políticos, institucionais, com os meios de comunicação, com as ONG, etc)». Mais à frente, no ponto «Lisboa», refere o documento «não há que esquecer que aí está Telletxea na prisão e em greve de fome; por isso, as pessoas que aí se deslocarem terão um especial sentido reivindicativo». Acrescentava «ofereceram-nos os contactos da UDP [União Democrática Popular], não os podemos desaproveitar» porque, «segundo parece, em Portugal vê-se com muito bons olhos a luta basca».

O pedido de asilo apresentado por Maya foi recusado pelo Supremo Tribunal Administrativo português em 1997. Luís Amado, Secretário de Estado Adjunto da Administração Interna, considerou o pedido totalmente infundado visto que o requerente procedia de um Estado de Direito, opinião semelhante à de José Leitão, Comissário Nacional para os Refugiados. Porém, o detido contou com apoio explícito de figuras públicas como Manuel Alegre, Helena Roseta, Francisco Louçã, Fernando Rosas, Urbano Tavares Rodrigues, Carvalho da Silva e Maria do Céu Guerra.

O caso constituiu um verdadeiro engulho nas relações bilaterais entre Lisboa e Madrid, com sucessivas declarações do executivo espanhol a manter o assunto na agenda política. Motivou até controvérsia em discussões à porta fechada na Cimeira Ibérica de Outubro de 1996. A cooperação policial bilateral manteve-se, mas foi necessário ultrapassar algumas desconfianças.

Em Janeiro de 1997, o Tribunal de Primeira Instância de Lisboa aceitou o pedido de extradição, mas a decisão seria invalidada por decisão do Supremo Tribunal de Justiça. Maya ficou a residir em Portugal, pese embora sem documentos. As autoridades portuguesas não confirmaram a ligação de Maya à ETA ou ao tráfico de estupefacientes. Em declarações à imprensa em 2010, reconheceu:

Não era nenhum santinho e envolvi-me em militância e manifestações. Confunde-se a ETA com os independentistas e somos todos metidos no mesmo saco. A ETA é um grupo armado que mais cedo ou mais tarde vai desaparecer, mas o problema dos bascos não vai acabar sem a independência. Pessoalmente, penso que devíamos esgotar todas as vias políticas democráticas e pacifistas».

Importa ainda referir uma carta publicada em Agosto de 1997 no jornal La Crónica, de Almeria, alegadamente enviada por Telletxea Maya. Na missiva, o autor assumia ter traficado haxixe para a ETA entre 1993 e 1996 com Joaquín Carretero, espanhol oriundo de Almeria, e com Federico Lorenzo, italiano, cunhado do mafioso calabrês Emilio de Giovani. Carretero e Lorenzo tê-lo-ão traído ao fazer desaparecer uma carga de 700 kg de haxixe, o que terá colocado Maya numa situação delicada perante a cúpula da ETA, razão pela qual se terá instalado em Portugal. Maya negou a veracidade da carta.

Etarras arrependidos, como Juan Manuel Soares Gamboa (alias Daniel), admitiram o envolvimento da organização terrorista na venda de estupefacientes. Antigo membro do comando Madrid, Soares Gamboa abandonou a «luta armada» em 1995 e acedeu a colaborar com as autoridades, o que fez dele um traidor, pouco fiável aos olhos do MLNV. Em declarações à rádio COPE, recordou uma conversa que manteve com Juan Lorenzo Lasa Michelena (alias Txikierdi), responsável pelo braço militar da ETA entre meados da década de 1970 e 1980, em que este lhe disse «quando estás no mercado de armas, de um lado estás a negociar armas; no outro balcão, a venda de cocaína e no outro balcão o tráfico de pessoas. Tudo se mistura».

As declarações vão ao encontro do afirmado por um antigo membro do Comité Executivo da ETA-pm: «Estás num mundo de drogados. E então, num certo dia, dizem-te: «pois vendo-te, por exemplo, vou vender-te 50 Brownings [arma de fogo] e tu tens de me comprar um quilo de heroína também». Então tens um problema ético imenso. Mas se abaixo, aqui, estão à tua espera, estão a combater uma guerra… 50 Brownings e tens de comprar um quilo de heroína». Outros antigos membros da organização terrorista proferiram declarações em tudo semelhantes. Segundo Fernando Reinares, director do programa sobre radicalização violenta e terrorismo global do Real Instituto Elcano, é verosímil que os estupefacientes adquiridos desta maneira fossem revendidos, nomeadamente no País Basco, região onde a ETA conhecia melhor o mercado. Não seria inédito dado que organizações semelhantes, como o irlandês Provisional IRA, participaram no comércio ilegal de narcóticos para obter financiamento e dinheiro em numerário.