796kWh poupados com a
i

A opção Dark Mode permite-lhe poupar até 30% de bateria.

Reduza a sua pegada ecológica.
Saiba mais

GettyImages-1860058801
i

Presidente russo Vladmir Putin juntamente com o ministro da Defesa Sergei Shoigu e o chefe das forças armadas russas, Valery Gerassimov

POOL/AFP via Getty Images

Presidente russo Vladmir Putin juntamente com o ministro da Defesa Sergei Shoigu e o chefe das forças armadas russas, Valery Gerassimov

POOL/AFP via Getty Images

"Quando é que brindamos à vitória?" Rússia mais confiante da vitória na Ucrânia, mas conta apenas com "ligeira vantagem" no terreno

Rússia tem-se mostrado confiante de que poderá vencer guerra na Ucrânia. "Fazemos o que queremos", diz Putin. Especialistas ouvidos pelo Observador admitem "vantagem" da Rússia — mas apenas "ligeira".

Numa reunião que juntou as altas patentes militares russas na última terça-feira, dia 19, o Presidente da Rússia, Vladimir Putin, afirmava “com segurança” que as tropas do país estavam a “ter iniciativa” na Ucrânia. “Fazemos o que consideramos necessário, fazemos o queremos”, garantiu o Chefe de Estado, que alegou igualmente que o exército ucraniano está a “sofrer perdas pesadas e esgotou grande parte das suas reservas”. No mesmo encontro, também discursou o ministro da Defesa, Sergei Shoigu, que puxou dos galões: “As Forças Armadas russas são capazes de responder de forma pronta e adequada às ações de qualquer inimigo moderno”.

O ministro não se ficou por aí. No que pareceu ser um auto-elogio e uma intimidação aos adversários, Sergei Shoigu assegurou que as Forças Armadas russas “são as mais bem treinadas e as mais prontas para combate em todo o mundo, dispondo de armas avançadas testadas em condições de guerra”. Sobre a Ucrânia, o tom otimista manteve-se: “As tropas russas libertaram territórios cinco vezes maior do aqueles que estavam ocupados pelas Repúblicas Populares de Donetsk e Lugansk antes do início da operação militar especial”.

A atitude denota otimismo no Kremlin, o que contrasta com as fases iniciais da guerra. O jornalista da BBC especialista em assuntos russos, Francis Scarr, dá conta precisamente dessa confiança, que até é percetível nos canais estatais russos. Aliás, a propagandista do regime e editora-chefe do canal público Russia Today, Margarita Simonyan, já veio questionar: “Quando é que vamos brindar à nossa vitória?”

Ao mesmo tempo que se fala em brindes à vitória na Rússia, a situação da Ucrânia parece não ser tão animadora. A possibilidade da diminuição do apoio norte-americano e europeu, juntamente com uma fase mais negativa na linha da frente, dão azo a que Kiev veja a vitória mais longe. Contudo, o Presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, que deu uma conferência de imprensa de balanço do ano também na mesma terça-feira, disse acreditar que a Rússia “não conseguiu cumprir nenhum objetivo em 2023”. E exemplificou que a frota russa já não domina o Mar Negro.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Em Moscovo aumenta a confiança, em Kiev a apreensão. Tendo em conta este cenário, será que a Rússia está assim tão mais forte e será capaz de levar avante uma ofensiva bem-sucedida, como Vladimir Putin e Sergei Shoigu sugeriram nos seus discursos? Ouvidos pelo Observador, três especialistas militares não partilham da convicção daquele dois dirigentes políticos, ainda que realcem que existe, sim, uma “ligeira vantagem” do lado russo.

A confiança russa e a “ligeira vantagem”

Para explicar a “ligeira vantagem”, o professor de relações internacionais e estudos da paz e conflitos na Universidade de Exeter, David Lewis, recorda que a Rússia “sobreviveu à contraofensiva ucraniana durante o verão”. Como o movimento ofensivo das tropas de Kiev não obteve bons resultados, o especialista defende, em declarações ao Observador, que isso originou que as tropas russas “se sentissem suficientemente corajosas” para “avançaram com uma ofensiva em vários pontos da linha da frente”. 

GettyImages-1869474416
A contraofensiva ucraniana não correu como planeado, o que fez com que as tropas russas se sentissem "suficientemente corajosas"
Global Images Ukraine via Getty
GettyImages-1771399085
A Ucrânia começou a contraofensiva no início de junho de 2023 e ainda tenta recuperar alguns territórios ocupados pela Rússia
NurPhoto via Getty Images
GettyImages-1737090063
Volodymyr Zelensky admitiu que houve "falhanços" na contraofensiva. "Não alcançámos os resultados desejados. E isso é um facto”, disse o Presidente ucraniano
Global Images Ukraine via Getty

Para além disso, prosseguiu David Lewis, o Kremlin tem perspetivas animadoras para 2024. “Sente que tem uma vantagem no número de homens e munições no ano que vem. A Rússia alegadamente está a superar [a Ucrânia] na produção de drones“, esclarece o universitário, acrescentando que o otimismo se deve à situação ucraniana: “Moscovo está também beneficiar das tensões políticas entre Kiev e o Ocidente”.

“As tensões políticas” a que David Lewis se refere prendem-se com os entraves colocados pelo Ocidente para ajudar a Ucrânia. Recentemente, o Partido Republicano bloqueou no Congresso norte-americano um pacote de ajuda avaliado nos 61 mil milhões de dólares (cerca de 56 mil milhões de euros). Também a União Europeia não avançou com outro pacote de ajuda de 50 mil milhões de euros, devido ao veto da Hungria. Estes dois eventos fazem com que Vladimir Putin veja como cada mais provável que os países ocidentais tirem o tapete a Volodymyr Zelensky, colocando-se assim numa melhor posição para vencer o conflito.

Por sua vez, Dmitry Gorenburg, especialista na área da política russa no Davis Center, pertencente à Universidade de Harvard, prevê ao Observador de igual forma que a Rússia tem e terá “certas vantagens principalmente no que diz respeito às munições e aos drones“, o que parece justificar a confiança dos líderes do Kremlin. No entanto, o especialista frisa logo a seguir: “Isso não significa que terá uma vantagem em todas as vertentes do conflito, uma vez que atacar custa muito mais do que defender”. 

GettyImages-1860222027

Presidente russo Vladimir Putin e ministro da Defesa russo Sergei Shoigu após o encontro que reuniu as altas patentes militares russas

POOL/AFP via Getty Images

“Por outras palavras, eu não penso que a Ucrânia vá ter muito sucesso em libertar os territórios ocupados pelas tropas russas nos próximos meses, mas, ao mesmo tempo, a Rússia será incapaz de fazer grandes avanços, especialmente se as Forças Armadas ucranianas decidirem construir fortificações e entrincheirarem a atual linha de frente”, clarificou o especialista. Esta posição mais defensiva já foi, de resto, assumida por Volodymyr Zelensky, que ordenou uma fortalecimento das posições defensivas.

Quem discorda de que a Rússia esteja a ter qualquer “vantagem clara” no campo de batalha é Oxana Shevel, diretora do departamento de relações internacionais na Universidade de Tufts, localizada no estado norte-americano de Massachusetts. Para a especialista, neste momento, “parece que nem a Rússia, nem a Ucrânia têm uma vantagem determinante para mudarem categoricamente a situação no campo de batalha”.

Em declarações ao Observador, Oxana Shevel até admite que a “Rússia está a levar a cabo mais ações ofensivas neste momento”, mas denuncia que estão baseadas no “total desrespeito pelas vidas dos soldados”. No entender da docente universitária, Moscovo está a usar uma tática de “carne para canhão”, principalmente em redor de Avdiivka: com muitas baixas, mas com poucos resultados concretos no campo de batalha.

"Parece que nem a Rússia, nem a Ucrânia têm uma vantagem determinante para mudarem categoricamente a situação no campo de batalha"
Oxana Shevel, diretora do departamento de relações internacionais na Universidade de Tufts

Pequenas vitórias russas alimentam a “narrativa” de vitória

As “ações mais ofensivas” da Rússia estão centradas, de acordo com David Lewis, perto da cidade de Donetsk (controlada atualmente pelas tropas russas), mais especificamente em Marinka e Avdiivka. Além disso, a cerca de 130 quilómetros a norte, ocorrem ainda intensos combates “nos arredores de Bakhmut”, a cidade que foi conquistada em maio de 2023 pelas forças leiais em Moscovo — mais concretamente pelo grupo Wagner —, mas em redor da qual a Ucrânia já conseguiu desde daquele mês recuperar algumas posições.

Além destas localidades na frente leste, David Lewis assinala que há igualmente “combates contínuos” em Kupiansk (no oblast de Kharkiv), onde a Rússia está a tentar ganhar terreno. Por sua vez, no sul de território ucraniano, em Kherson, a iniciativa está mais do lado ucraniano, que ainda quer consolidar a passagem para a margem esquerda do rio Dniepre.

Avdiivka é a localidade que as tropas russas estão mais interessadas em conquistar a curto prazo, considera Oxana Shevel. E, segundo o relatório publicado pelo think tank Instituto para o Estudo da Guerra na última quarta-feira, 20, foram “confirmados avanços recentes” das forças de Moscovo perto da cidade, num esforço de guerra que já dura há alguns meses.

Aquela cidade, atualmente em ruínas, tem uma forte importância para a Rússia — não só estratégica, como também simbólica. No primeiro caso, como escreve o Le Monde, Avdiivka serve como uma espécie de proteção ao centro logístico ucraniano de Pokrovsk, a cerca de 40 quilómetros da localidade, um ponto de convergência dos batalhões que combatem ou no norte, ou no sul da Ucrânia. Ficando a região sob a alçada de Moscovo, isso obrigaria Kiev a recuar, criando-lhe problemas logísticos.

A conquista de Avdiivka é de igual modo, na opinião de Oxana Shevel, uma “vitória simbólica”, apesar dos “custos humanos” que isso acarreta. “Será uma ação de propaganda para a audiência doméstica”, acredita a professora universitária, relacionando-a com as eleições presidenciais russas marcadas para março de 2024. “Ajudará a aumentar o apoio de Vladimir Putin antes da sua reeleição.” 

Mas os efeitos não ecoam apenas junto à audiência doméstica. “Se em um ou em dois meses, a Rússia capturar Avdiivka ou outras pequenas cidades destruídas no leste”, isso gerará impacto nos parceiros da Ucrânia. Num momento em que o Ocidente duvida cada vez mais das capacidades de Kiev vencer o conflito, sucessivas vitórias russas — mesmo que não tenham quaisquer efeitos práticos —, “alimentam a narrativa de que a Rússia está a ‘ganhar’ e de que apoiar a Ucrânia é fútil”, diz Oxana Shevel.

GettyImages-1831281744

Os efeitos dos intensos combates na cidade de Avdiivka

Getty Images

Grande ofensiva russa a caminho?

Num futuro próximo, Dmitry Gorenburg antevê que a Rússia “provavelmente vai iniciar uma grande ofensiva este inverno juntamente com outro grande ataque às infraestruturas ucranianas”, um pouco à semelhança do que aconteceu o ano passado. O objetivo passa por “mostrar progressos e tentar voltar a controlar território ucraniano nas regiões de Donbass e Kharkiv”. Adicionalmente, continua o especialista, Moscovo vai igualmente evitar que haja uma “deterioração da situação de segurança na Crimeia”, fortalecendo a “defesa aérea”.

Menos apoio dos EUA e uma ofensiva russa: Ucrânia vive dos “momentos mais difíceis” desde o início da guerra

Se o Kremlin vai conseguir ter resultado práticos? Isso não depende apenas da vontade russa, como também está relacionado com a força que a Ucrânia dispõe para suster uma ofensiva. “Há fraquezas do lado russo”, adverte David Lewis, recordando que Kiev vai tentar “garantir apoio financeiro e armas do Ocidente”, que podem enfraquecer o moral das tropas russas.

Por seu turno, Oxana Shevel discorda que nos próximos tempos a Rússia vá levar a cabo uma grande ofensiva. O cenário mais provável para a professora universitária é que esta guerra de atrito prossiga. “Ainda não está determinado que lado é que poderá ter uma relativa vantagem no futuro”, argumenta, acrescentando que a Ucrânia tem forma de controlar o arranque de uma possível futura ofensiva russa.

GettyImages-463761196

Especialistas dividem-se sobre a possibilidade de Rússia lançar uma grande ofensiva nos próximos tempos

AFP via Getty Images

Ainda assim, isso “está dependente de muitos fatores”, incluindo “o apoio militar à Ucrânia, a habilidade da Ucrânia em aumentar a produção doméstica de armas e o assumir de posições de defesa que se revelam eficazes”. Ao mesmo tempo, diz Oxana Shevel, Kiev deve continuar a convencer os parceiros da importância da aplicação de novas sanções à “economia russa”, mantendo-a sob pressão e sem capacidades de financiar uma guerra longa.

Do lado da Ucrânia, Dmitry Gorenburg opina que, em 2024, após uma contraofensiva que falhou, o país devia “integrar” no campo de batalha “toda a assistência militar que chegar” e deve tentar “regenerar” o esforço de guerra, aguardando simultaneamente que a “situação política no Ocidente melhore”. Porém, uma ofensiva russa pode complicar esses planos. 

Numa guerra que não parece ter fim à vista, as negociações para um cessar-fogo  são completamente descartadas pelas autoridades ucranianas. “Não vemos qualquer pedido da Rússia para isso. Não vemos nenhuma ação ou retórica. Apenas vemos vontade cruel da matar”, lamentou Volodymyr Zelensky na conferência de imprensa de balanço do ano, insistindo que a Ucrânia não vai ceder nenhum dos territórios inscritos na Constituição, que incluem o Donbass e a Crimeia.

"Não vemos qualquer pedido da Rússia para isso [negociações]. Não vamos nenhuma ação ou retórica. Apenas vemos vontade cruel da matar"
Volodymyr Zelensky, Presidente da Ucrânia

No mesmo sentido, o porta-voz do Kremlin, Dmitry Peskov, defendeu na última quarta-feira que não há atualmente “qualquer base ou fundamento para negociações”, nem sequer existem “pré-requisitos para as conversações”. 

Afastando negociações e adotando um tom confiante no futuro, algo que raras vezes aconteceu desde o início da guerra, a Rússia olha para o início de 2024 com esperança de que vai conseguir obter vitórias, principalmente se elas cimentarem a autoridade de Vladimir Putin, que vai a votos em março. Mesmo que tenham pouco valor estratégico, os ganhos no campo de batalha podem traduzir-se num desânimo mais evidente do Ocidente sobre o futuro do apoio à Ucrânia, que pode vir a enfrentar os maiores desafios desde o início da invasão.

Assine o Observador a partir de 0,18€/ dia

Não é só para chegar ao fim deste artigo:

  • Leitura sem limites, em qualquer dispositivo
  • Menos publicidade
  • Desconto na Academia Observador
  • Desconto na revista best-of
  • Newsletter exclusiva
  • Conversas com jornalistas exclusivas
  • Oferta de artigos
  • Participação nos comentários

Apoie agora o jornalismo independente

Ver planos

Oferta limitada

Apoio ao cliente | Já é assinante? Faça logout e inicie sessão na conta com a qual tem uma assinatura

Ofereça este artigo a um amigo

Enquanto assinante, tem para partilhar este mês.

A enviar artigo...

Artigo oferecido com sucesso

Ainda tem para partilhar este mês.

O seu amigo vai receber, nos próximos minutos, um e-mail com uma ligação para ler este artigo gratuitamente.

Ofereça artigos por mês ao ser assinante do Observador

Partilhe os seus artigos preferidos com os seus amigos.
Quem recebe só precisa de iniciar a sessão na conta Observador e poderá ler o artigo, mesmo que não seja assinante.

Este artigo foi-lhe oferecido pelo nosso assinante . Assine o Observador hoje, e tenha acesso ilimitado a todo o nosso conteúdo. Veja aqui as suas opções.

Atingiu o limite de artigos que pode oferecer

Já ofereceu artigos este mês.
A partir de 1 de poderá oferecer mais artigos aos seus amigos.

Aconteceu um erro

Por favor tente mais tarde.

Atenção

Para ler este artigo grátis, registe-se gratuitamente no Observador com o mesmo email com o qual recebeu esta oferta.

Caso já tenha uma conta, faça login aqui.

Vivemos tempos interessantes e importantes

Se 1% dos nossos leitores assinasse o Observador, conseguiríamos aumentar ainda mais o nosso investimento no escrutínio dos poderes públicos e na capacidade de explicarmos todas as crises – as nacionais e as internacionais. Hoje como nunca é essencial apoiar o jornalismo independente para estar bem informado. Torne-se assinante a partir de 0,18€/ dia.

Ver planos