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Qualquer investigação económico-financeira que se preze tem sempre a análise do rasto do dinheiro com um objetivo central: descobrir a origem e o destinatário final dos circuitos financeiros sob suspeita. A Operação Marquês não escapa a esta regra de ouro da investigação que serve para confirmar ou não os alegados indícios criminais.

Mais do que isso: são os circuitos financeiros e a interpretação que o Ministério Público (MP) faz dos mesmos que ajudam a perceber o essencial do caso Sócrates.

Há 12 grupos de transferências que são essenciais para perceber a fundo aquele que muitos consideram ser o processo judicial mais importante da democracia portuguesa. Esses 12 grupos de transferências fazem parte do despacho de indiciação de Ricardo Salgado como arguido da Operação Marquês e serão centrais no mais que provável despacho de acusação que será produzido até ao dia 17 de março, na próxima semana.

A análise mais surpreendente que o MP faz dessas transferências prende-se com a associação entre a utilização da golden-share por parte de José Sócrates a 30 de junho de 2010 para bloquear a venda dos 50% que a PT detinha na Vivo à operadora espanhola Telefónica e um alegado negócio imobiliário em Luanda que terá sido simulado entre Hélder Bataglia e o Grupo Lena. No entendimento do procurador Rosário Teixeira, terá sido através desse alegado negócio imobiliário, alegadamente simulado entre 2010 e 2011, que o Grupo Espírito Santo terá feito um alegado pagamento de cerca de 3 milhões de euros a José Sócrates para que este bloqueasse o negócio da venda da Vivo, enquanto a PT não assegurasse a compra de uma participação noutra operadora brasileira. Foi também esse negócio que levou esta semana à constituição de arguidos de um administrador e da holding do Grupo Lena.

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Antes de analisarmos os 12 grupos de transferências, comecemos por um ponto prévio sobre o crime central na tese da equipa liderada pelo procurador Rosário Teixeira: a corrupção. De acordo com o MP, Ricardo Salgado, ex-presidente executivo do Banco Espírito Santo (BES), terá alegadamente corrompido as seguintes pessoas:

  • José Sócrates — Ex-primeiro-ministro entre março de 2005 e junho de 2011;
  • Henrique Granadeiro Chief Executive Officer (CEO) da Portugal Telecom (PT) entre abril de 2006 e abril de 2008, chairman da PT entre abril de 2008 e agosto de 2014 e novamente CEO da PT entre junho de 2013 e agosto de 2014;
  • Zeinal Bava — CEO da PT entre abril de 2008 e junho de 2013 e CEO da Oi entre junho de 2013 e outubro de 2014.

As suspeitas de corrupção têm dois grupos de razões — devidamente separadas pela Oferta Pública de Aquisição (OPA) da Sonae à PT:

  • Convencer José Sócrates, então primeiro-ministro, e a administração da PT a apoiar a oposição do BES à OPA lançada pelo Grupo Sonae, liderado por Belmiro e Paulo Azevedo, em fevereiro de 2006. Porquê? Porque, na visão do MP, a derrota da Sonae era essencial para que o BES (então o terceiro maior acionista da operadora) mantivesse o controlo da empresa e a parceria que permitia que a PT tivesse 4% do banco e, ao mesmo tempo, fosse um importante cliente em termos de depósitos e de compra de produtos financeiros;
  • Após a derrota da OPA da Sonae em março de 2007, os pagamentos alegadamente ordenados por Ricardo Salgado terão servido para fazer cessar as parcerias que existiam entre a PT e a operadora espanhola Telefónica (a maior acionista da PT), nomeadamente a joint venture entre as duas empresas que esteve na origem da criação da operadora brasileira Vivo. Salgado terá determinado à administração da PT que procurasse uma nova operadora no Brasil, tendo acordado, de acordo com o MP, novos alegados pagamentos a Sócrates para que este utilizasse em 2010 as 500 golden-share da PT que o Estado então detinha para condicionar a venda da participação na Vivo ao reinvestimento de boa parte dos 7,5 mil milhões de euros pagos pelos espanhóis na aquisição de uma nova participação numa operadora brasileira: a Oi/Telemar.

Ao que o Observador apurou, são estas as razões que constam do despacho de indiciação de Ricardo Salgado como arguido e com as quais o ex-líder do BES foi confrontado pelo procurador Rosário Teixeira no dia 18 de janeiro no Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP). É a partir desta base indiciária que a equipa liderada pelo procurador Rosário Teixeira está a construir a sua tese de acusação.

Vamos então descrever os 12 grupos de transferências.

Como tudo começou

Tem sido a maior crítica que José Sócrates e a sua defesa têm dirigido ao MP: as suspeitas de corrupção começaram por assentar nos alegados favorecimentos do Grupo Lena por parte do Governo Sócrates e em alegadas aprovações urbanísticas irregulares no empreendimento turístico de Vale do Lobo para evoluírem para o alegado favorecimento do Grupo Espírito Santo (GES) em diversos negócios que envolvem a Portugal Telecom (PT).

Esta evolução nas suspeitas criminais é normal em qualquer investigação — e mais ainda em processos complexos como a Operação Marquês, que tem circuitos financeiros que se espalham pelos quatro continentes e vão sendo descobertos aos poucos com o envio de informação bancária por diversas autoridades judiciárias internacionais.

Por isso mesmo, é importante regressar a 2015 e aos circuitos financeiros que então eram conhecidos. As suspeitas iniciais dos investigadores assentavam num grupo de transferências realizadas por Helder Bataglia, ex-presidente da Escom (GES), para aqueles que o procurador Rosário Teixeira classifica como os dois testa-de-ferro de José Sócrates:

  • José Paulo Bernardo Pinto de Sousa — Empresário português radicado em Angola que é primo de Sócrates e amigo de Helder Bataglia. O MP entende que José Paulo guardou fundos transferidos por Bataglia entre 2007 e 2008 que se destinavam ao ex-primeiro-ministro. Isto é, que foi o seu primeiro testa-de-ferro. É essa a razão que leva a equipa do procurador Rosário Teixeira a querer constituir o primo de Sócrates como arguido na Operação Marquês, tal como o Expresso já noticiou.
  • Carlos Santos Silva — Empresário amigo de José Sócrates e de José Paulo que terá assumido o papel de testa-de-ferro a partir de 2008, altura em que o primo do ex-líder do PS foi considerado suspeito de branqueamento de capitais na Operação Monte Branco.

Bataglia, sabia o MP nessa altura após quebra do sigilo bancário ordenado pelas autoridades suíças, tinha transferido cerca de 5,4 milhões de euros entre 2007 e 2008 para as contas da sociedade offshore Gunter Finance (que pertence a José Paulo Pinto de Sousa) que tinham terminado nas contas da Giffard Finance de Santos Silva.

Operação Marquês. Santos Silva recebeu mais 5,4 milhões de Bataglia

Entre 2008 e 2009, foram transferidos mais 12 milhões de euros através de duas sociedades offshore por Helder Bataglia, ex-presidente da ESCOM (GES), para a conta de Joaquim Barroca, ex-administrador do Grupo Lena, na Union des Banques Suisses (UBS). Montante este que, soube o MP pelo próprio Barroca, teria sido movimentado por Carlos Santos Silva para as suas próprias contas da UBS. Isto porque Barroca não só afirmou ao procurador Rosário Teixeira, nos três interrogatórios a que foi sujeito entre abril e julho de 2015, que tinha assinado ordens de transferências em branco para as suas três contas na UBS e entregue a Santos Silva, como nunca teria ordenado nenhuma transferência sem estar acompanhado pelo alegado testa-de-ferro de Sócrates.

Joaquim Barroca não ‘entregou’ Sócrates mas admitiu negócios com primo José Paulo

A viragem

O ponto de viragem da Operação Marquês verificou-se quando foi possível confirmar no Banco Privée Espírito Santo e na UBS, ambas instituições de crédito suíças, que os fundos transferidos por Helder Bataglia para José Paulo Pinto de Sousa e para Carlos Santos Silva (via Joaquim Barroca) tinham tido origem no GES de Ricardo Salgado — mais concretamente, na misteriosa sociedade offshore Espírito Santo (ES) Enterprises.

Hoje, e com base em novos elementos bancários enviados ao longo de 2016, o MP acredita ter uma visão global dos circuitos financeiros que alimentaram as contas de Carlos Santos Silva. E relaciona-os com os negócios da PT.

De acordo com essa visão, a origem desse circuito reside no Banco Espírito Santo Angola (BESA), então liderado por Álvaro Sobrinho. Recuemos, portanto, a 2006 para explicar o contexto desse primeiro grupo de transferências.

De acordo com o MP, Ricardo Salgado terá ordenado ao BESA que aprovasse uma operação de financiamento da Escom no valor total de 7,5 milhões de euros — valor este que foi transferido em abril e em maio de 2006 para uma conta que o BESA tinha no Santander Totta em Lisboa. A partir daqui, o dinheiro foi repartido e transferido para a conta da Markwell (sociedade offshore de Helder Bataglia). Pelo meio, houve algumas manobras de diversão para, segundo o MP, tentar ocultar a origem dos fundos, tendo sido utilizada a conta de uma sociedade offshore de Pedro Ferreira Neto (chief financial officer da Escom) para esse efeito.

A 19 de maio de 2006, a Markwell de Bataglia tinha à sua disposição 7 milhões de euros que, de acordo com o MP, tinham tido origem no BESA.

O que aconteceu a seguir? Bataglia terá transferido em maio de 2006 cerca de 6 milhões de euros para uma conta da sociedade offshore Gunter Finance na UBS que pertence a José Paulo Pinto de Sousa.

A OPA da Sonae

Como liga o MP este primeiro grupo de transferências aos negócios da PT? Através da OPA da Sonae. Isto é, esta transferência corresponderá ao primeiro alegado pagamento acordado entre Ricardo Salgado e José Sócrates para que o então primeiro-ministro apoiasse o BES na luta contra a OPA de Belmiro e Paulo Azevedo.

Segundo os alegados factos imputados pelo procurador Rosário Teixeira a Ricardo Salgado, o ex-banqueiro e o ex-primeiro-ministro terão combinado que seriam utilizadas as contas bancárias controladas por Helder Bataglia, de forma a que o financiamento com origem no BESA chegasse a José Paulo Pinto de Sousa — e, através deste, a Sócrates.

Paulo Azevedo, o homem que antecipou o fim do GES sete anos antes

A derrota da Sonae, de acordo com o procurador Rosário Teixeira, era essencial para manter o domínio da PT por parte de Ricardo Salgado, bem como a sua capacidade de influência na definição da estratégia do grupo de telecomunicações, nomeadamente no que ao Brasil diz respeito. O BES não só era o terceiro maior acionista da empresa como, de acordo com o MP, teria um controlo de facto sobre a administração da empresa. Salgado sempre teve a fama de ser ele a escolher o nome do líder da PT. Miguel Horta e Costa, líder da PT entre abril de 2002 e abril de 2006, assim como Henrique Granadeiro e outros elementos decisivos da gestão da empresa eram figuras muito próximas do GES.

A estratégia de Ricardo Salgado para derrotar a OPA da Sonae, segundo o MP, passou por cinco pontos:

  • Apoiar a administração da PT na oposição à OPA;
  • Convencer os demais acionistas a votarem contra a OPA;
  • Financiar acionistas da PT contrários à OPA para que reforçassem a sua participação;
  • Financiar igualmente novos acionistas, como a Ongoing e Joe Berardo, para que pudessem reforçar o voto contra a OPA;
  • E garantir o apoio de José Sócrates para bloquear uma decisão favorável à OPA, caso o Grupo Sonae conseguisse a maioria imposta pelos estatutos para desblindar os estatutos da PT.

Olhando mais em pormenor para este últmo ponto. Com que argumentos José Sócrates poderia utilizar as 500 golden-share ou influenciar os votos da Caixa Geral de Depósitos (que detinha então 5,1% do capital social) para bloquear uma eventual vitória da Sonae? Com dois argumentos:

  • O do interesse nacional. O apoio da Telefónica à Sonae foi dado na condição de Belmiro Azevedo vender aos espanhóis os 50% que a PT detinha na Vivo por cerca de 2 mil milhões de euros. Era essencial, argumentava Ricardo Salgado, que a operadora portuguesa se mantivesse no Brasil para continuar a crescer;
  • O dos centros de decisão nacional. Com a desblindagem dos estatutos (que limitava os direitos de voto a 10% independentemente da participação acionista), empresas estrangeiras com maior capacidade financeira (como a Telefónica) poderiam facilmente comprar a PT. Seria a destruição de mais um centro de decisão nacional.

Por isso mesmo, e de acordo com os indícios que o MP entende ter na sua posse, Ricardo Salgado terá combinado com o então primeiro-ministro o pagamento de uma quantia através de um intermediário de Salgado (Helder Bataglia) e de dois alegados testas-de-ferro (José Paulo Pinto de Sousa e Carlos Santos Silva) de forma a que a origem (o GES) e o destinatário (José Sócrates) de tais fundos ficassem ocultos. O primeiro alegado pagamento, como já vimos, foi de 6 milhões de euros e terá ocorrido em maio de 2006.

A entrada em cena do ‘saco azul’ do GES

Com a derrota da Sonae oficializada em março de 2007, com a proposta de desblindagem dos estatutos a não ser aprovada em Assembleia-Geral (era necessário uma maioria de dois terços e nem a maioria foi alcançada: 46,58% dos acionistas votaram contra, enquanto 43,9% votaram a favor), o MP diz que Ricardo Salgado iniciou uma segunta luta: terminar as parcerias que existiam entre a PT e a Telefónica pela operadora espanhola ter apoiado a Sonae.

As consequências do final dessa parceria eram fáceis de adivinhar:

  • O fim da joint venture que deu origem à Vivo;
  • A venda da participação da PT na Vivo;
  • E a saída da Telefónica da estrutura acionista da PT.

Por isso mesmo, entende a equipa liderada pelo procurador Rosário Teixeira, Ricardo Salgado terá ordenado à administração da PT que contratasse o BES Investimento e a Caixa Banco Investimento (BI) para estudarem a viabilidade de a empresa portuguesa adquirir uma participação noutra operadora brasileira.

É em 2007 que e o BESI e a Caixa BI iniciam o projeto SWAP. Tal como o Observador já explicou de forma pormenorizada, os dois bancos concluíram que só existia uma hipótese: a Telemar — empresa que está na origem da Oi. O que levou a administração de Henrique Granadeiro a propor aos principais acionistas da operadora brasileira uma troca de participações entre as duas empresas, no pressuposto de que a PT ficaria com 100% da Telemar e os acionistas brasileiros assumiam o papel da Telefónica na PT. Os brasileiros rejeitaram a ideia.

A Operação Marquês e os negócios (ruinosos) da PT no Brasil

Após essa tentativa de aquisição por parte da PT, a própria Telemar evoluiu. Com o alto patrocínio do Governo de Lula da Sila, e o financiamento público do Banco Nacional de Desenvolvimento Económico e Social (BNDES), o banco de fomento do Estado brasileiro, a Telemar começou a estudar um processo de fusão com a Brasil Telecom — processo esse que viria dar origem à Oi.

É neste contexto, entende o MP, que Ricardo Salgado terá sentido necessidade de fazer um novo acordo com José Sócrates, de forma a que fosse feito o negócio com a Oi/Telemar.

Entretanto, a administração liderada por Henrique Granadeiro, coadjuvado por Zeinal Bava, tinha premiado de forma muito generosa os acionistas da PT pela derrota da OPA da Sonae:

  • O spin-off da PT Multimédia permitiu ao GES ficar com cerca de 17 mihões de ações que representavam 13% do capital social da PT Multimédia avaliados em 165 milhões de euros;
  • Com mais de 8% da PT, o GES recebeu fundos importantes a partir dos dividendos pagos a partir de 2008. Só entre 2010 e 2013, a PT pagou mais de 3,3 mil milhões de euros aos seus acionistas.

Com estes fundos, diz o MP, Ricardo Salgado terá acordado com José Sócrates, Henrique Granadeiro e Zeinal Bava uma segunda ronda de alegados pagamentos.

Para esse efeito, Salgado terá utilizado pela primeira vez a sociedade secreta do GES, que não fazia parte do organograma do grupo de Ricardo Salgado e que costumava ser utilizada para pagar acréscimos salariais a administradores ou altos quadros do BES e do grupo: a Espírito Santo (ES) Enterprises.

Curiosamente, as operações financeiras que dão o pontapé de saída para aquilo que o MP entende que são os pagamentos a Sócrates, Granadeiro e Bava verificam-se no mesmo dia: 9 de julho de 2007. É nesta data que a ES Enterprises, por alegada ordem de Ricardo Salgado, faz duas transferências relevantes:

  • Transfere 6 milhões de euros para a conta de Henrique Granadeiro no Banco Pictet, na Suíça;
  • E transfere 7 milhões de euros para a Markwell de Helder Bataglia, que teria como destinatário final Carlos Santos Silva, o alegado testa-de-ferro de José Sócrates.

Comecemos pelas transferências para Henrique Granadeiro e para Zeinal Bava que o Observador já noticiou.

Este total de cerca de 13,1 milhões de euros foi transferido para as contas do então CEO e vice-presidente da PT e são interpretados pelo MP de forma simples: comprometer a administração da PT com a estratégia de Ricardo Salgado para a operadora, nomeadamente no que diz respeito à manutenção no Brasil.

As transferências para Carlos Santos Silva

No caso de Sócrates, assegura o MP no despacho de indiciação de Ricardo Salgado, o então líder do BES terá assumido o compromisso de transferir um montante que, ao longo de diversos anos, poderia atingir os 15 milhões de euros. Diz o MP que tais transferências dependeriam da evolução das negociações com a Oi/Telemar. Mais uma vez, Salgado terá recorrido à ES Enterprises.

Toda a história do ‘saco azul’ do GES

A equipa liderada pelo procurador Rosário Teixeira entende ter indícios de que Sócrates terá pensado em utilizar novamente José Paulo Pinto de Sousa como testa-de-ferro, mas certo é que o empresário luso-angolano, na visão do MP, foi substituído por Carlos Santos Silva. O MP entende que o afastamento do primo de Sócrates se deve ao facto de ter ficado referenciado na Operação Monte Branco a partir de 2008 como suspeito da alegada prática dos crimes de branqueamento de capitais.

Dos 15 milhões de euros transferidos para as sociedades offshore Markwell e Monkway (ambas de Helder Bataglia), cerca de 12 milhões terão chegado a Carlos Santos Silva — o homem que, segundo o MP, guardava tais fundos em nome de Sócrates.

Esses 12 milhões de euros terão sido transferidos por Bataglia por pedido expresso de Ricardo Salgado, de acordo com o depoimento que o ex-líder da Escom fez no início do ano no Departamento Central de Investigação e Ação Penal. Segundo Bataglia, o então líder do BES solicitou a utilização das suas contas para transferir tal montante para Santos Silva — acusação que Salgado negou de forma veemente ao procurador Rosário Teixeira, acrescentando que não sabia quem era Carlos Santos Silva. O MP dá credibilidade à versão de Bataglia.

As 7 revelações do interrogatório de Ricardo Salgado

Seja como for, Salgado argumenta que as primeiras transferências feitas pela ES Enterprises para a Markwell de Hélder Bataglia foram feitas a coberto de um contrato de prestação de serviços relacionado com alegados serviços de Bataglia na obtenção de um conjunto de licenças para exploração de petróleo em três blocos petrolíferos em Angola, mas o então líder da Escom só terá conseguido uma — queixou-se Salgado ao procurador Rosário Teixeira aquando do interrogatório de 18 janeiro, tal como o Observador noticiou.

De facto, foi assinado um contrato entre a sociedade offshore Pingsong Intenational e a Markwell. O MP, contudo, entende que tal contrato, que foi revelado pelo Expresso no âmbito da investigação dos Panama Papers, deverá ter sido forjado para justificar o envio dos fundos.

As transferências em questão são as seguintes:

O segundo grupo de transferências realizado, segundo o MP, dentro do mesmo contexto, é o seguinte:

Joaquim Barroca confessou ao procurador Rosário Teixeira nos três interrogatórios a que foi sujeito que entregou a Carlos Santos Silva ordens de transferência em branco das três contas que possuía na UBS, acrescentando ainda que sempre que emitiu ordens de transferência dessas contas estava acompanhado do alegado testa-de-ferro de Sócrates.

É por isso que o MP entende que as transferências de cerca de 12 milhões de euros das contas de Barroca para Santos Silva terão sido feitas por este último para as suas próprias contas abertas também na UBS em nome da sociedade offshore Pinehill Finance.

Resumindo, e fazendo um ponto da situação das transferências, a Markwell recebeu um total de 22 milhões de euros (7 milhões em 2006 e 15 milhões entre 2008 e 2009) e entregou direta e indiretamente cerca de 17,4 milhões de euros a Carlos Santos Silva.

Armando Vara e Vale do Lobo

Jeroen Van Dooren, gestor que está no top 100 dos homens mais ricos da Holanda, é um personagem improvável da Operação Marquês. O seu azar foi ter comprado uma casa no empreendimento turístico de Vale do Lobo precisamente na altura em que os administradores do empreendimento já estavam sob investigação. Foi uma espécie de homem errado no local errado e à hora errada.

Van Dooren já veio a Lisboa testemunhar na Operação Marquês para assumir que:

  • Entre janeiro e abril de 2008, transferiu cerca de 2 milhões de euros, alegadamente a pedido de Diogo Gaspar Ferreira, para uma conta na UBS indicada por aquele gestor de Vale do Lobo, de forma a poder escolher o seu empreiteiro para a obra de construção de sua casa;
  • A conta da UBS pertencia a Joaquim Barroca;
  • Mais tarde, entre fevereiro e junho de 2008, os 2 milhões foram repartidos entre Carlos Santos Silva e Armando Vara, ex-administrador da Caixa Geral de Depósitos (CGD).

O MP relaciona estas transferências com a aprovação do crédito de mais de 230 milhões de euros na CGD que permitiu a um grupo de investidores liderados por Helder Bataglia comprar o empreendimento de Vale do Lobo. Tal crédito terá sido concedido em condições que deixavam o risco do negócio nas mãos da Caixa.

O terreno de Luanda e a golden-share da PT

Uma das partes mais surpreendentes da indiciação imputada a Ricardo Salgado prende-se com a associação que o MP faz entre a utilização da golden share por parte de José Sócrates para bloquear a venda dos 50% que a PT detinha na Vivo à operadora espanhola Vivo e um alegado negócio imobiliário em Luanda que terá sido simulado entre Helder Bataglia e o Grupo Lena.

Explicando. Estamos em 2010. O processo de fusão entre a Telemar e a Brasil Telecom, fortemente apoiada pelo Governo de Lula da Silva, tinha-se concretizado no ano anterior, dando origem à operadora Oi. Depois de várias propostas anteriores (que tinham começado em cerca de 5 mil milhões de euros), os espanhóis da Telefónica queriam mesmo comprar os 50% da PT na Vivo e subiram a parada para os 7,15 mil milhões de euros. Mas a 30 de junho de 2010, José Sócrates usa as 500 golden-share do Estado para vetar a venda que recolhia o apoio da maioria dos acionistas de referência da PT — incluindo o BES de Ricardo Salgado.

Logo no mesmo dia, Sócrates afirmou que todos os intervenientes conheciam a oposição do seu Governo e que sempre tinha dito “que esta oferta (da Telefónica) não cobria os interesses estratégicos que a Vivo representa para a PT”. Salgado, por seu lado, afirmou que a Vivo tinha sido importante para a o desenvolvimento da PT mas que, “ao fim destes anos todos, é essencial deixar cair a parceria com a Teléfonica na Vivo”.

Analisando a prova que entende ter em seu poder, o procurador Rosário Teixeira considera que os acionistas da PT, diz o MP, queriam vender a Vivo à Telefónica mas alguns deles (juntamente com elemenos da administração da operadora) receavam uma entrada no capital da Oi — uma empresa excessivamente concentrada na rede fixa e significativamente atrasada em termos tecnológicos.

É devido a esses receios que, de acordo com as suspeitas do MP, Ricardo Salgado terá concebido a estratégia de não se opor à venda da Vivo mas convencer José Sócrates a utilizar os direitos especiais das golden-share para condicionar a venda dos 50% da Vivo ao reinvestimento de parte do produto da venda na aquisição de uma participação noutra empresa de telecomunicações brasileira.

É neste contexto que, de acordo com o MP, Ricardo Salgado terá prometido a José Sócrates um alegado novo pagamento — e que terá estado na origem da utilização da golden-share por parte do Governo na Assembleia-Geral de 30 de junho. Menos de um mês mais tarde, a PT anunciou um pré-acordo com a Oi para adquirir uma participação minoritária de 22,38% por cerca de 3,7 mil milhões de euros.

De acordo com o MP, Sócrates, devidamente sintonizado com Carlos Santos Silva, terá solicitado que o pagamento fosse feito através do Grupo Lena — que faria chegar tais quantias ao alegado testa-de-ferro de Sócrates.

Ricardo Salgado terá então voltado a solicitar a intervenção de Helder Bataglia para servir de intermediário entre as transferências da ES Enterprises e Carlos Santos Silva. Assim, o ‘saco azul’ do GES fez as seguintes transferências:

Mas desta vez Bataglia e Santos Silva, na visão do MP, terão alegadamente recorrido a uma operação imobiliária que terá sido simulada para criar uma aparente justificação para as transferências realizadas. O Grupo Lena, através de uma empresa subsidiária, assinou um contrato-promessa de compra e venda com uma sociedade de Bataglia que contemplava o pagamento de um sinal de 8 milhões de euros. O então lider da Escom terá pagado o terreno com os fundos que recebeu da ES Enterprises, mas perdeu o valor para o Lena com o pretexto de uma cláusula contratual que o obrigava a reforçar o sinal dentro de um determinado prazo — cláusula essa que o MP considera que foi forjada para justificar a passagem do dinheiro.

Desses 8 milhões de euros, 3 milhões terão sido enviados pelo Grupo Lena para uma das contas de Carlos Santos Silva na UBS.

O segundo grupo de operações para Granadeiro e Bava

Consumado o pré-acordo com a Oi para a aquisição de uma posição minoritária da PT, Ricardo Salgado terá voltado a ordenar transferências da ES Enterprises para Henrique Granadeiro e Zeinal Bava.

Mais uma vez, e de acordo com o MP, Salgado terá desejado comprometer os administradores da PT com a sua estratégia de negócio para o Brasil.

Eis o segundo grupo de transferências para as principais caras da PT:

O pagamento destas verbas terá tido igualmente como alegado objetivo a realização de aplicações financeiras alegadamente ordenadas pela administração da PT liderada por Zeinal Bava em fundos geridos pelo Grupo Ongoing — o que terá permitido a expansão do grupo de Nuno Vasconcellos e Rafael Mora na área das telecomunicações do Brasil através de alegadas parcerias constituídas com a Oi.

Os pagamentos a Salgado

Como o Observador já noticiou, Ricardo Salgado é igualmente suspeito da prática do crime de abuso de confiança por alegadamente se ter apropriado de fundos que pertencem à ES Enterprises. Mais uma vez, Helder Bataglia aparece como intermediário do ‘saco azul’ do GES.

Nos extractos bancários enviados pelas autoridades suíças, Salgado aparece como destinatário de duas transferências realizadas pelo então líder da Escom, no total de 1 milhão e 750 mil euros. Álvaro Sobrinho, então líder do BESA, terá recebido igualmente um montante de 4 milhões de euros.

Mais tarde, a 21/10/2011, verificou-se mesmo uma terceira transferência, mas desta vez os fundos partiram da conta da ES Enterprises para a Savoices, sociedade titulada por Ricardo Salgado.

É por estas transferências (as que recebeu da Green Emerald e da ES Enterprises) que o MP considera que o ex-líder do BES também terá tido como objetivo a obtenção de proveitos para si e para outras empresas do GES.

O GES e José Dirceu

O útimo grupo de transferências relacionados com Ricardo Salgado, prende-se com o recurso a José Dirceu, ex-ministro da Casa Cívil do Presidente Lula da Silva e importante figura do Partido dos Trabalhadores, do Brasil, para alegadamente influenciar decisões favoráveis das autoridades brasileiras sobre a entrada da PT no capital social da Oi/Telemar. De acordo com o MP, estavam em causa decisões das entidades reguladoras e o acordo do banco público BNDES.

O recurso a Dirceu terá começado logo em 2007, aquando das primeiras negociações com os acionistas da Telemar levadas a cabo por Henrique Granadeiro no âmbito do projeto SWAP. Nessa altura terá sido pago pela PT um total de 511 mil euros ao escritório de Fernando Lima, grão-mestre do Grande Oriente Lusitano, e de João Abrantes Serra, arguido na Operação Marquês. O MP diz que este pagamento foi realizado por Henrique Granadeiro depois de solicitação de Ricardo Salgado.

Mais tarde, já após o pré-acordo assinado entre a PT e a Oi em julho de 2010, foi assinado um alegado contrato de prestação de serviços entre o escritório brasileiro de João Abrantes Serra e a Espírito Santo International que deu lugar ao pagamento de uma avença mensal de 30 mil euros entre março de 2011 e julho de 2014. Ao escritório brasileiro estava também ligado Luís Oliveira e Silva (irmão de José Dirceu). Os dois irmãos são visados no Brasil pela Operação Lava Jato, depois de Dirceu já ter cumprido pena de prisão pelo caso Mensalão.

O MP diz que estes pagamentos destinavam-se a reverter em favor de José Dirceu como contrapartida pelas suas alegadas diligências junto das autoridades brasileiras em favor da PT.

Ricardo Salgado negou no DCIAP tal leitura das transferências realizadas, argumentando que os pagamentos a Abrantes Serra pela ES International deviam-se a um processo judicial que o GES tinha colocado contra o Estado brasileiro nos anos 70, a propósito da ocupação de uma parte de uma grande fazenda de gado e arroz que a família Espírito Santo tinha no Estado de Goiás. Metade da propriedade tinha sido ocupada por um grupo de indios e o GES queria receber uma indemnização entre 50 a 60 milhões de dólares.