Foi um debate vivo e de constante confronto o que aconteceu no primeiro frente a frente destas eleições europeias, promovido pelo Observador. Fosse o assunto as reparações históricas para as ex-colónias, a integração europeia, a imigração ou a guerra no Médio Oriente, o resultado foi o mesmo: o candidato do Livre, Francisco Paupério, que esteve particularmente ao ataque, e o cabeça de lista do Chega, António Tânger-Corrêa, discordaram em tudo, tendo o primeiro chegado a acusar o segundo de “mentir” ou de agir como um “catavento”.

O debate aqueceu particularmente quando os candidatos discutiram o conflito em Gaza, com o candidato do Chega a afirmar que “grande parte dos funcionários das Nações Unidas na Faixa de Gaza trabalham para o Hamas”, enquanto Paupério acusava a UE de ser “branda” com Israel. E acabou em tom igualmente inflamado, quando Tânger voltou a admitir que não sabe se o Chega ficará na sua família política europeia — “vamos ver o que as eleições dão” — e Paupério picou: “Quem vota no Chega não sabe se vai para a extrema-direita ou os conservadores. Está tudo dito”.

Israel: “mentiras”, Bruxelas branda com Israel e uma acusação à ONU

As discordâncias foram evidentes quando o assunto chegou a Gaza, com Paupério a começar por defender que a UE tem tido “dois pesos e duas medidas” no que toca à forma como lida com as guerras na Ucrânia e no Médio Oriente, hesitando mais em apoiar a Palestina e condenar Israel do que o faz relativamente à Ucrânia e à Rússia. Para o candidato do Livre, a conclusão é clara: “Bruxelas está a ser muito branda com Israel”.

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Ora Tânger Corrêa, que pediu que os conflitos não fossem tratados de forma “simplista”, discordou: a diferença, argumentou, é que a guerra na Ucrânia “não nasce de uma situação de ódio” entre o país e a vizinha Rússia, enquanto na Palestina as “crianças desde pequenas defendem a expulsão dos judeus do rio até ao mar.” O tema aqueceu mais quando o cabeça de lista do Chega falou da ajuda enviada aos palestinianos pela UE, com Paupério a responder que há camiões de ajuda humanitária a serem destruídos por Israel.

A partir daí, os candidatos trocaram acusações: Tânger negou que essa destruição aconteça, Paupério acusou-o de dizer “mentiras” e não ver notícias; depois, Tânger garantiu que “grande parte dos funcionários das Nações Unidas estão ligados ao Hamas na Faixa de Gaza” e ainda se defendeu das acusações de antissemitismo pelas declarações que fez em entrevista ao Observador, quando disse que os judeus poderiam ter sido avisados previamente do 11 de setembro. “Os egípcios quando avisaram Israel do 7 de outubro também foram antissemitas?”, atirou neste debate.

Ouça aqui o debate na íntegra em podcast.

Tânger Corrêa (Chega) – Francisco Paupério (Livre)

Imigração: candidatos chocam sobre “portas escancaradas”

Mais um tema que agitou o debate: as políticas que Chega e Livre defendem para a imigração não podiam ser mais distintas e acabaram numa discussão sobre se as fronteiras portuguesas e europeias estão, afinal, “escancaradas” ou, pelo contrário, fechadas.

Paupério, que já tinha defendido em entrevista ao Observador que a Europa tem capacidade para acolher muito mais refugiados, puxou pelo exemplo do acolhimento e integração de seis milhões de ucranianos para defender que os imigrantes não podem ser diferenciados pela sua origem: “Consideramos que conseguimos fazer isso para qualquer povo”.

Ora Tânger fez essa distinção, elogiando a integração dos ucranianos e justificando que “com os europeus é sempre mais fácil de integrar”, além de ter repetido os elogios à comunidade brasileira. Depois, garantiu que não existe uma imigração controlada, com uma preocupação com as dimensões da integração económica e social, e que a economia dos países de origem deve ser desenvolvida para que se “evitem estes movimentos migratórios”, com as pessoas a chegar em condições que colocam em causa “a dignidade humana”.

Ora se para o candidato do Chega tudo isto acontece por causa de uma política de “imigração de portas escancaradas”, o candidato do Livre acusou-o de fazer várias “confusões”, negando que essa política exista. “As portas não estiveram escancaradas, ao contrário: estiveram fechadas”, argumentou Paupério, atribuindo a essas opções o aumento da imigração ilegal e das máfias que fazem tráfico humano.

Além disso, prosseguiu, é preciso falar mais sobre como quem chega é depois tratado e integrado, argumentando que é essa falta de políticas de integração que explica os sem-abrigo a dormir na rua em Portugal. O candidato do Livre frisou ainda que nenhum dado científico comprova uma ligação entre imigração e insegurança, mas que há uma “normalização do discurso da extrema-direita” que leva a que essa solução de insegurança passe a existir.

Reparações históricas: “o que passou passou” vs o “diálogo” com as ex-colónias

Os dois partidos têm visões muito diferentes sobre a questão das reparações históricas, o que leva a que de um lado (o do Livre) se defenda que é preciso iniciar um “diálogo” sobre isto, incluindo com as ex-colónias para perceber de que forma querem ser compensadas, e do outro (o do Chega) se deseje encerrar o assunto: “O que passou passou, o que importa é o futuro”.

Tânger defendeu uma melhoria das relações da UE com África, uma vez que está a “perder terreno” e a ser substituída nessa relação pela China e pela Rússia, com Paupério a voltar ao ataque: “Como é que isso se faz? Não sei que Tânger tenho hoje pela frente”. O candidato do Livre fez ainda questão de se afastar das propostas que chegaram a ser apresentadas por Joacine Katar Moreira no Parlamento, no sentido de avançar diretamente para a devolução de bens às ex-colónias, colocando o “diálogo” como prioridade para que Portugal não “imponha a sua maneira de descolonizar”.

Famílias europeias: Tânger volta a deixar em aberto futuro do Chega

Os candidatos discordaram ainda sobre as questões da integração europeia: Paupério defende que seja intensificada, nomeadamente nas questões da fiscalidade, uma vez que quer quer as regras sejam harmonizadas para travar os paraísos fiscais; já Tânger pronunciou-se “contra o federalismo” e declarou: “Não queremos ser cidadãos de Bruxelas, queremos ser cidadãos de Portugal”.

O debate acabaria ainda com um embate sobre as famílias europeias em que os dois partidos se inserem, uma vez que o candidato do Chega voltou a deixar em aberto a possibilidade de abandonar o ID: “Vamos ver o que as eleições dão em termos de distribuição pelas famílias políticas”. Paupério, que recusa sair dos Verdes, aproveitou a deixa para terminar ao ataque: “Se isto não é um catavento não sei o que isto diz sobre o Chega. Neste momento quem vota no Chega não sabe se vai para a extrema-direita ou para os conservadores. Está tudo dito”.

O diálogo mais revelador

Tânger-Corrêa — A UE sempre enviou ajuda aos palestinianos.

Francisco Paupério — E que Israel corta essa ajuda.

Tânger-Corrêa — Não. Não.

Francisco Não corta? Não tem visto as notícias. Está a dizer uma mentira: que Israel não cortou estas ajudas militares e não destruiu camiões, como há vídeos. Está provado que fez isso à entrada da Palestina. 

Tânger-Corrêa — Sim. Porque os camiões iam diretos para o Hamas  e não para a população.

Francisco Paupério — O que está a dizer é que a Europa já não está a ajudar. 

Tânger-Corrêa — A Europa ajuda, mas não militarmente. Alimentar e de saúde.

Francisco Mas está a dizer que está a ser cortada por causa do Hamas. Se não ajuda de forma humanitária, de que forma ajuda?

Tânger-Corrêa — Ajuda. Sempre ajudou. Atenção que a ajuda da Europa aos palestinianos é uma ajuda que vem muito detrás. Tem muitos anos. Não é de agora. Agora é evidente que parte dessa ajuda passava pelo Hamas. A maior parte dos funcionários das Nações Unidas estão ligados ao Hamas na Faixa de Gaza

Francisco Paupério — Essa é uma nova teoria que ainda não tínhamos ouvido. Já tínhamos ouvido teorias antissemitas, esta ainda não.

Tânger-Corrêa — Acha que eu sou antissemita? Não fiz comentários nenhuns. Acha que fui embaixador lá, que tenho amigos, que dei apoio ao embaixador de Israel no Cairo e acha que sou antissemita? Quer dizer que os egicípcios quando avisaram Israel do 7 de outubro também foram antissemitas?