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Vale do Jordão. Porque é tão importante para Israel o território que Netanyahu quer anexar?

O primeiro-ministro israelita promete anexar o Vale do Jordão caso ganhe as eleições desta terça-feira. Porque é que o território é tão importante e qual o impacto no processo de paz com a Palestina?

A uma semana das eleições legislativas desta terça-feira, o primeiro-ministro israelita Benjamin Netanyahu anunciou uma promessa sem precedentes: se ganhar a eleição, vai anexar definitivamente o Vale do Jordão, uma língua de território que compõe cerca de 30% da zona da Cisjordânia já totalmente controlada por Israel e que define a fronteira com a Jordânia.

A anexação formal é apresentada como uma medida de segurança essencial para a soberania israelita — o país já sofreu invasões da Jordânia e o reforço daquela fronteira é considerado fundamental pelos apoiantes da medida. Porém, a promessa de Netanyahu está a ser interpretada como uma medida eleitoral, o último recurso para tentar angariar votos entre os mais conservadores, incluindo entre os eleitores sionistas e judeus ultraortodoxos.

Ao mesmo tempo, a anexação formal do Vale do Jordão retiraria aos palestinianos uma região fundamental para a criação de um eventual futuro Estado da Palestina, aniquilando o processo de paz e acabando de vez com qualquer hipótese de chegar a uma solução de dois Estados.

O Vale do Jordão é a região no centro da ameaça eleitoral de Benjamin Netanyahu (Amir Levy/Getty Images)

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Embora aquela região já esteja sob controlo efetivo israelita, a aplicação da soberania oficial sobre o território indicaria que o regime de Netanyahu não está interessado em qualquer processo negocial com os palestinianos que leve à independência da Palestina. Por isso, a intenção já foi duramente criticada pelos líderes árabes e está a ser vista com apreensão pela comunidade internacional.

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Empatado nas sondagens com o principal adversário (o general Benny Gantz), Benjamin Netanyahu espera conseguir encontrar nos partidos à direita as coligações que lhe permitam formar o governo que não conseguiu formar em abril — arriscando, no meio da jogada política, arruinar o processo de negociação internacional mais complexo e longo da história recente.

Porque é que a promessa é importante para Netanyahu?

O primeiro-ministro israelita em funções, Benjamin Netanyahu, volta esta terça-feira a apresentar-se a eleições para tentar acabar com o impasse governativo que se instalou no país após as eleições inconclusivas de abril — e a promessa de anexação do Vale do Jordão tem um papel nada secundário na estratégia eleitoral do líder do Likud.

A 9 de abril deste ano, o Likud venceu as eleições legislativas com 26,46% dos votos, elegendo 35 deputados. Porém, a coligação centrista Azul e Branca, liderada pelo antigo chefe do Estado-Maior General das Forças Armadas Benny Gantz, ficou imediatamente atrás: com 26,13% dos votos, Gantz elegeu igualmente 35 deputados para o Knesset (o parlamento israelita) e impediu a formação de uma maioria clara.

Apesar do igual número de deputados, o maior número de votos levou Benjamin Netanyahu a reclamar vitória. Na sequência do resultado eleitoral, o presidente israelita, Reuven Rivlin, encarregou o atual primeiro-ministro de formar governo — e deu-lhe 28 dias para o fazer. Esgotado o prazo, Netanyahu não conseguiu reunir os apoios necessários para formar o executivo e o parlamento votou maioritariamente pela dissolução da Assembleia de Deputados, evitando que Benny Gantz iniciasse negociações para formar um governo.

Benny Gantz é o principal adversário de Benjamin Netanyahu nas legislativas desta terça-feira (Gili Yaari/NurPhoto via Getty Images)

NurPhoto via Getty Images

Na eleição anterior, em março de 2015, Netanyahu tinha elegido ainda menos deputados — 30. Mas conseguiu formar uma coligação apontando a mira aos partidos de direita e judeus ultraconservadores, juntando o seu Likud ao Yahadut Hatorah (união judaica), ao Shas (religioso ultraortodoxo), ao Kulanu (de centro-direita), ao Lar Judaico (nacionalista e religioso) e à Nova Direita (dissidente do Lar Judaico).

Depois de não conseguir reunir uma coligação suficientemente forte em abril de 2019, Netanyahu, que liderou no último mandato o governo mais à direita de Israel, está agora a endurecer as suas posições de modo a simultaneamente atrair eleitores à direita e assegurar o apoio de partidos conservadores. Logo em julho, um grupo de partidos de direita juntou-se para concorrer em bloco às eleições desta terça-feira com o compromisso de apoiar Netanyahu.

Mas as sondagens atuais não são propriamente animadoras, dando a Netanyahu o mesmo número de deputados que a Benny Gantz (32). Por isso, o atual governante precisa de mais votos para assegurar uma maioria clara e espera fazê-lo com a promessa de anexar o Vale do Jordão, uma posição que agrada aos partidos conservadores, de direita e religiosos — que defendem a unidade do Estado de Israel e a necessidade de garantir defesas e preservar o território que acreditam ser historicamente e naturalmente deles.

O que significa para Israel a posse do Vale do Jordão?

Afinal, qual é a importância do Vale do Jordão para Israel e para os israelitas? Em primeiro lugar, é necessário compreender o que é o Vale do Jordão e como se enquadra no contexto histórico da formação do Estado de Israel e da ocupação dos territórios palestinianos.

O território onde hoje ficam Israel e a Palestina fez parte do Império Otomano até à I Guerra Mundial. Depois da Grande Guerra, nas partilhas feitas entre os Aliados, aquela região ficou sob controlo britânico — o chamado Mandato Britânico da Palestina. Este mandato britânico durou até 1947, ano em que a ONU adotou a resolução 181, na qual determinou a divisão do território em dois estados: um judeu e outro árabe.

"Hoje anuncio a minha intenção de aplicar, num futuro governo, a soberania de Israel sobre o vale do Jordão e a parte norte do mar Morto"
Benjamin Netanyahu, primeiro-ministro em exercício de Israel e candidato às legislativas

O mapa da divisão do território aprovado em 1947 nas Nações Unidas (que atribuía aos árabes a Cisjordânia, uma grande região da faixa de Gaza e ainda a região litoral da Galileia) nunca viria a ser verdadeiramente implementado. Começaria ali o longo conflito territorial entre Israel e os palestinianos, apoiados pelos países árabes vizinhos (sobretudo a Jordânia), que se prolonga até hoje e que teve como principal ponto de viragem a Guerra dos Seis Dias, em 1967.

Esse conflito armado, que decorreu em junho de 1967 e no qual Israel se opôs aos países árabes que apoiavam o povo palestiniano, foi o culminar de uma tensão crescente entre os dois territórios. Israel venceu a guerra, expandiu a área do seu território e tomou controlo da Faixa de Gaza, da Cisjordânia, dos montes Golã e da parte oriental de Jerusalém.

O conflito pelo controlo dos territórios palestinianos prolonga-se até hoje, com os palestinianos a reclamarem toda a Cisjordânia para um futuro Estado da Palestina e os israelitas a manterem o controlo sobre aquela região. Os acordos de paz de Oslo viriam a estabelecer a forma de convivência na região que ainda hoje se vai mantendo, ao implementarem a criação de três zonas. A zona A, controlada pela Autoridade Palestiniana e na qual os israelitas não podem entrar; a zona B, controlada de forma partilhada por Israel e pela Autoridade Palestiniana; e a zona C, controlada exclusivamente por Israel (embora a população árabe esteja sob jurisdição da Autoridade Palestiniana).

É nesta zona C — que corresponde a cerca de 60% da Cisjordânia — que se encontram os assentamentos israelitas, ou colonatos, considerados ilegais pela comunidade internacional, e também o Vale do Jordão.

Só na região do Vale do Jordão vivem cerca de nove mil colonos israelitas e 56 mil palestinianos. Com cerca de 2.400 quilómetros quadrados do lado palestiniano, o Vale do Jordão representa cerca de um terço do território da Cisjordânia. Estendendo-se ao longo das duas margens do rio Jordão, para norte do Mar Morto, a região é estratégica para Israel sob vários pontos de vista.

Benjamin Netanyahu apresentou a sua intenção de anexar o Vale do Jordão com recurso a um mapa durante um discurso transmitido pela televisão (Amir Levy/Getty Images)

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Atualmente integrado na zona C da Cisjordânia, o vale é considerado um território ocupado por Israel e controlado militar e civilmente pelas autoridades israelitas. Se ganhar as eleições, Benjamin Netanyahu quer aplicar a soberania total na região.

Num discurso transmitido na televisão na semana passada, Netanyahu usou um mapa para anunciar a sua mais recente promessa, destinada a atrair o eleitorado mais conservador e ortodoxo. “Hoje anuncio a minha intenção de aplicar, num futuro governo, a soberania de Israel sobre o vale do Jordão e a parte norte do mar Morto”, disse o primeiro-ministro em exercício.

“Este plano será uma oportunidade histórica e única para aplicar a nossa soberania aos nossos colonatos na Judeia e Samaria [a designação usada por Israel para a Cisjordânia] e em outros lugares essenciais para a nossa segurança, o nosso património e o nosso futuro”, acrescentou Netanyahu.

O mapa apresentado por Benjamin Netanyahu relativamente aos planos para anexar o Vale do Jordão. A azul escuro está a zona que Netanyahu quer anexar; a laranja estão os corredores que permanecem sob jurisdição palestiniana

As intenções de Netanyahu foram rapidamente contestadas por líderes de todo o mundo árabe, que consideraram as declarações do primeiro-ministro em exercício como um “crime de guerra”, uma “agressão” e uma “violência” que destrói “todas as hipóteses de paz”. Já esta segunda-feira, Netanyahu foi mais longe e anunciou a sua intenção de anexar não apenas o Vale do Jordão e os colonatos a norte do Mar Morto, na fronteira com a Jordânia, mas todos os colonatos israelitas na Cisjordânia.

O Vale do Jordão tem uma importância económica significativa para Israel, logo a começar pela grande fertilidade dos terrenos banhados pelo rio Jordão, sendo o principal ativo de Israel em termos de agricultura e de recursos hídricos. Ao mesmo tempo, a exploração de minerais do Mar Morto também é uma das principais potencialidades do território. De acordo com um relatório do Banco Mundial, citado em 2013 pela BBC, a economia palestiniana podia crescer cerca de 918 milhões de dólares (834 milhões de euros) por ano se os palestinianos pudessem explorar estes minerais. A economia dos árabes poderia crescer mais 704 milhões de dólares (640 milhões de euros) anuais se os palestinianos tivessem acesso a mais terras de cultivo, atualmente controladas quase na totalidade por Israel.

Ou seja, o Vale do Jordão é para Israel um território com grande valor económico. Mas o principal argumento dos israelitas que apoiam a anexação é a defesa. “O Vale do Jordão é a cintura de segurança de Israel no leste”, escreveu o presidente do Instituto de Jerusalém para a Estratégia e Segurança, Efraim Inbar, num artigo de opinião no The Jerusalem Post.

“Muitos comentadores dizem que Israel já não precisa do Vale do Jordão como escudo contra agressões do oriente. Argumentam que o tratado de paz com a Jordânia transforma a ameaça da frente oriental e a sua proximidade com os centros populacionais e as infraestruturas económicas israelitas numa coisa do passado”, escreveu Efraim Inbar.

A região do Vale do Jordão é uma das zonas mais férteis da Palestina (Amir Levy/Getty Images)

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“Porém, esta é uma perspetiva a curto prazo, motivada pelo desejo de convencer a opinião pública israelita de que o Vale do Jordão é militarmente dispensável. Esta perspetiva ignora o imenso potencial para uma revolta política no Médio Oriente, o cada vez maior papel político dos islamistas radicais e as pressões crescentes do regime hachemita [família real que governa a Jordânia]. A desestabilização da Jordânia hachemita e da Arábia Saudita e uma Síria motivada para o radicalismo — e pode seguir-se um reaparecimento da frente oriental”, argumenta o político e académico israelita.

Naturalmente, e tal como tudo no conflito israelo-palestiniano, o Vale do Jordão também tem uma importância religiosa significativa para os judeus e para os cristãos. Além de ter sido o local onde Jesus Cristo foi batizado, o rio Jordão é frequentemente citado no Antigo Testamento — nomeadamente tendo sido atravessado pelos sacerdotes que carregavam a Arca da Aliança (arca com as tábuas dos dez mandamentos) e por Elias e Eliseu antes de Elias ser elevado ao céu —, motivo pelo qual é considerado um lugar sagrado para os judeus.

Que implicações pode ter a anexação para o processo de paz?

O Vale do Jordão inclui, além de dezenas de colonatos israelitas, alguns centros populacionais palestinianos muito relevantes — o mais importante dos quais é a cidade de Jericó. Durante o discurso em que anunciou a intenção de anexar a região, Benjamin Netanyahu assegurou que não iria “anexar nenhum palestiniano”. A alternativa apresentada no mapa é deixar alguns enclaves palestinianos na região, nomeadamente a cidade de Jericó e outras povoações.

No mesmo discurso, Netanyahu falou do plano de paz negociado pelo genro e conselheiro de Donald Trump, Jared Kushner, que o presidente norte-americano já classificou como “o acordo do século” — embora tenha sido boicotado pelos responsáveis palestinianos devido à falta de imparcialidade dos EUA na questão. Netanyahu prometeu que o acordo será revelado depois das eleições e que irá fornecer uma oportunidade para alargar a soberania israelita na zona.

Com efeito, Israel tem beneficiado de um apoio incondicional da administração Trump, que reconheceu Jerusalém como capital do país, inflamando os ânimos entre israelitas e palestinianos.

Jerusalém capital de Israel. O gesto de Trump é simbólico ou um barril de pólvora?

Mas é pouco provável que a anexação de mais territórios (especialmente do Vale do Jordão) resulte no progresso das negociações de paz. Antes pelo contrário. O próprio mapa simples apresentado por Netanyahu revela uma questão fundamental: ao anexar o Vale do Jordão, toda a Cisjordânia ficaria rodeada por território israelita, tornando-se numa espécie de grande enclave dentro de Israel.

Além disso, os palestinianos têm reclamado para o futuro Estado da Palestina todo o território da Cisjordânia. Ao retirar-lhes a porção maior e mais valiosa — quer pelos recursos naturais quer pela localização estratégica —, Netanyahu acaba com a possibilidade de se alcançar uma solução de dois Estados, aquela que é atualmente a opção mais unânime na comunidade internacional para resolver o conflito.

"Netanyahu está a propor anexar, essencialmente, um terço da Cisjordânia. É muito difícil ver como é que alguém pode dizer que um Estado palestiniano ainda é possível se isso acontecer"
Raf Sanchez, correspondente do The Telegraph no Médio Oriente

Mesmo que a anexação não ocorra já, ou não ocorra de todo, a mera colocação da possibilidade em cima da mesa já é uma declaração de força enviada a todo o mundo. Mostra que Netanyahu não está interessado em negociar a possibilidade de um Estado palestiniano independente, como assinalam diversos observadores internacionais. “Netanyahu está a propor anexar, essencialmente, um terço da Cisjordânia. É muito difícil ver como é que alguém pode dizer que um Estado palestiniano ainda é possível se isso acontecer”, resumiu o correspondente do The Telegraph no Médio Oriente, Raf Sanchez.

Sem a possibilidade de uma solução de dois Estados, o conflito israelo-palestiniano pode caminhar para uma solução de Estado único — ou seja, a consolidação de um único país, Israel, com soberania sobre toda a região em que todos os habitantes, judeus ou árabes, tenham os mesmos direitos de cidadania (o que muitos analistas antecipam ser o primeiro passo para uma nova escalada de violência entre os dois povos); ou então um Estado em que os árabes sejam integrados com um estatuto diferente e sem todos os direitos dos israelitas — o que é visto como uma forma de segregação semelhante a um novo apartheid.

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