Este mês, o presidente do Brasil, Jair Bolsonaro, voltou a defender o uso de hidroxicloroquina e de cloroquina para combater a Covid-19, medicamentos que continuam a gerar polémica no meio científico. Em Portugal, por exemplo, o uso da hidroxicloroquina foi suspenso para tratamento do novo coronavírus no passado mês de maio, por recomendação do Infarmed e da Direcção Geral de Saúde. No Brasil, no entanto, no passado dia 10 de agosto, surgiu uma publicação nas redes sociais que dava conta do seguinte: “A canalhice de alguns prefeitos: comprimidos da cloroquina esvaziados só para tentar provar que a terapia não funciona”. Autarcas brasileiros estariam a tentar provar que aquele medicamento não tem efeitos no tratamento da Covid-19.  O post obteve mais de 12 mil visualizações e 744 partilhas. Trata-se, no entanto, de uma informação falsa. A mão que aparece no post não pertence a nenhum prefeito brasileiro, a cápsula não é de uma cápsula de cloroquina e a imagem foi retirada de um vídeo de uma campanha de distribuição de outro medicamento, o Ivermectina.

O post que foi publicado no Facebook com informação falsa

Na imagem que acompanha a publicação é possível ver uma mão a segurar uma cápsula que está, de facto, vazia. Mas não se trata  de uma cápsula que contenha cloroquina, uma vez que, no próprio rótulo, essa informação não está visível. Nem tão pouco é possível garantir que quem está a segurar a cápsula é um qualquer prefeito brasileiro, uma vez que o post não adianta qualquer informação.

O suposto autor da publicação seria o ex-deputado brasileiro Roberto Jefferson, actual presidente nacional do Partido Trabalhista Brasileiro. Contudo, não foi possível encontrar essa mesma publicação nem na sua conta oficial de Twitter, nem noutras redes sociais, como verificado por alguns orgãos de comunicação social brasileiros, como o UOL Notícias, ou o Estadão. Certo é, que a equipa de comunicação de Roberto Jefferson negou e desmentiu a vários órgãos de comunicação social do Brasil que o ex-deputado tenha sido o autor ou que tenha publicado este post.

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Após uma pesquisa mais aprofundada, o Observador encontrou uma imagem semelhante à deste post, onde, invertendo a imagem, é possível verificar que se trata de um medicamento chamado “Ivermectina” e não cloroquina.

Segundo a Associated Press (AFP) no Brasil, através da sua plataforma de fact checking, o Checamos, esta imagem corresponde, na verdade, a uma campanha que se realizou em Pontes e Lacerda, no estado de Mato Grosso, a um vídeo sobre uma cápsula de Ivermectina, utilizada para o tratamento de parasitas ou vermes, que estava aparentemente vazia. O Checamos não publicou o vídeo em questão, mas partilhou um post de Facebook, de 3 de agosto deste ano, onde uma utilizadora denuncia que lhe terão sido distribuídas cápsulas de Ivermectina vazias. A imagem utilizada para acusar autarcas brasileiros de estarem a enganar os cidadãos é, assim, retirada de um vídeo e é exactamente igual ao do post de 3 de agosto.

O vídeo original, por outro lado, refere-se a uma campanha de distribuição de Ivermectina no Hospital Vale do Guaporé, em Pontes e Lacerda, Mato Grosso, numa “parceria entre empresários e médicos” para combater a pandemia, como referido pelo Jornal Oeste, da região de Mato Grosso. Essa distribuição foi registada, via Facebook, a 2 de julho pela página “Lacerda 24 horas”. No entanto, como referido pela AFP, também não há ainda estudos que atestem a eficácia deste medicamento, o Ivermectina, no combate à Covid-19. Além disso, tratou-se de uma iniciativa privada, que nada teve a ver com as autarquias daquela região.

Já Jaqueline Margonato, médica do Hospital Vale do Guaporé, que fez parte deste protocolo, garantiu ao site Checamos que “não houve possibilidade de a cápsula [do vídeo] ter ficado vazia porque o processo é automatizado”. Também não foram encontradas outras cápsulas vazias.

Conclusão

O uso da hidroxicloroquina e da cloroquina tem sido muito discutido no combate à Covid-19, nomeadamente no Brasil, depois de Jair Bolsonaro ter anunciado que o tomava e de ter garantido que muitas mortes poderiam ter sido evitadas, caso estes medicamentos tivessem sido utilizados. Na mesma altura, surgiu uma publicação que alegava que cápsulas de cloroquina estavam a ser distribuídas, vazias, e que essa distribuição teria sido feita por autarcas brasileiros, numa tentativa de “provar” que este medicamento não tinha qualquer eficácia no combate à Covid-19. Mas, como verificado por vários órgãos de comunicação social e agências de fact checking no Brasil, a imagem partilhada agora por esta publicação não corresponde a nenhum medicamento de cloroquina mas, sim, a um vídeo de uma mulher que se queixava de ter recebido cápsulas vazias de um outro medicamento, a iIvermectina, distribuído no Hospital Vale de Guaporé, em Pontes e Lacerda, Mato Grosso, para combater a Covid-19. A iniciativa em torno do uso desse medicamento é privada, tal como o hospital em causa, ainda que também não exista qualquer prova científica que confirme a eficácia deste medicamento.

Assim, segundo a classificação do Observador, este conteúdo é:

ERRADO

No sistema de classificação do Facebook, este conteúdo é:

FALSO: As principais alegações do conteúdo são factualmente imprecisas. Geralmente, esta opção corresponde às classificações “falso” ou “maioritariamente falso” nos sites de verificadores de factos.

Nota 1: este conteúdo foi selecionado pelo Observador no âmbito de uma parceria de fact checking com o Facebook.

Nota 2: O Observador faz parte da Aliança CoronaVirusFacts / DatosCoronaVirus, um grupo que junta mais de 100 fact-checkers que combatem a desinformação relacionada com a pandemia da COVID-19. Leia mais sobre esta aliança aqui.

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