Uma publicação efetuada no Facebook partilha uma notícia falsa que sugere que Bill Gates, co-fundador da Microsoft e filantropo que tem investido no desenvolvimento de fármacos, contestou a eficácia das vacinas contra a Covid-19. O título da notícia diz que as supostas críticas foram feitas por Bill Gates “após 7,4 mil milhões de braços picadas”.

Os problemas do artigo em causa começam precisamente com esse título: não foram 7,4 mil milhões as pessoas vacinadas mundialmente contra a Covid-19, como a expressão “braços picados” sugere. De acordo com os dados recolhidos pela plataforma Our World in Data, uma spin-off da Universidade de Oxford, esse era o número de doses que tinham sido administradas até 10 de novembro, data da publicação. O número de pessoas vacinadas rondava os quatro mil milhões.

A publicação em análise.

Mas o conteúdo também é falacioso porque deturpa a interpretação daquilo que Bill Gates disse num programa do think tank britânico Policy Exchange, quando partilhou que, ao avisar em 2015 que o mundo não estava preparado para uma pandemia, “esperava que os orçamentos de pesquisa e desenvolvimento se focassem em coisas que não temos hoje”.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

“Não tivemos vacinas que bloqueiam a transmissão. Temos vacinas que ajudam na nossa saúde, mas que só diminuem ligeiramente as transmissões. Precisamos de uma nova maneira de fazer as vacinas”, defendeu o filantropo na intervenção que pode rever neste vídeo no YouTube, a partir do minuto 27.

Ou seja, Bill Gates não criticou a eficácia das vacinas na proteção contra doença grave, nem disse que as vacinas eram ineficazes, mas mencionou a falta de investimento que não permitiu que elas fossem mais longe e protegessem mais a montante o desenvolvimento da própria doença — isto é, da própria infeção.

Isso não significa que elas não sejam úteis também contra a transmissão, mesmo sabendo que a efetividade das vacinas contra a infeção pela variante delta está abaixo de 80% e decai ao longo do tempo. Ainda esta sexta-feira, na reunião entre peritos e decisores políticos no Infarmed, Henrique Barros, epidemiologista do Instituto de Saúde Pública da Universidade do Porto (ISPUP), informou que, desde maio, e só em Portugal, a cobertura vacinal evitou 200 mil infeções e permitiu poupar 2.300 vidas. 

Letalidade 4 vezes menor com vacinação completa. Há menos 90% mortes entre 65 e 79 anos

Um ensaio do epidemiologista Manuel Carmo Gomes e do engenheiro Carlos Antunes, ambos da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, também já indicava que as vacinas mantêm-se altamente protetoras contra doença grave e que a carga viral em pessoas vacinadas, embora possa ser tão alta como a de pessoas sem a vacina, decresce mais rapidamente — ou seja, são infecciosas por menos tempo.

Conclusão

A falta de contexto nas citações que a publicação em causa faz de Bill Gates torna falso o conteúdo partilhado nas redes sociais. Bill Gates não disse que as vacinas contra a Covid-19 são ineficazes na proteção contra o SARS-CoV-2: explicou apenas que elas servem sobretudo para evitar o desenvolvimento de quadros clínicos severos e que são mais eficazes nessa tarefa do que a evitar a própria transmissão e infeção. Isso também não é surpresa, ao contrário do que transparece da linguagem utilizada na publicação em causa.

Assim, de acordo com o sistema de classificação do Observador, este conteúdo é:

ERRADO

No sistema de classificação do Facebook este conteúdo é:

FALSO: as principais alegações do conteúdo são factualmente imprecisas. Geralmente, esta opção corresponde às classificações “falso” ou “maioritariamente falso” nos sites de verificadores de factos.

Nota: este conteúdo foi selecionado pelo Observador no âmbito de uma parceria de fact checking com o Facebook.

IFCN Badge