Há anos que é atribuída à atual presidente do BCE, Christine Lagarde, uma afirmação sobre o perigo que a cada vez maior longevidade da população podia representar para a economia global. Na publicação em análise, a imagem aponta para que tenha sido proferida em 2018, mas a verdade é que, pelo menos desde 2016, há publicações que tentam difundir a ideia de que terá sido Lagarde a dizê-lo. E, ainda que não haja qualquer registo dessa afirmação, a ideia foi-se cimentando e serviu até para artigos de opinião publicados nos jornais portugueses. Mas se não há registo que Lagarde o tenha dito, como se chegou até aqui?

Imagem partilhada no Facebook com alegada afirmação de Christine Lagarde.

A verdade é que, com a chegada da pandemia (e a morte de milhares de idosos, que são o grupo mais suscetível de desenvolver a Covid-19 no estado mais grave), o boato foi retomado para dar fôlego às teorias de que a Covid-19 foi intencionalmente desenvolvida para controlar a população mundial.

Tudo terá começado em 2012, em Nova Iorque, quando foi apresentado um relatório do Fundo Monetário Internacional e feitas algumas considerações sobre as hipotéticas soluções para a economia, face ao progressivo aumento da esperança média de vida. Na notícia publicada à data pelo El País, por exemplo, é a imagem de Christine Lagarde que ilustra o texto, ainda que não haja qualquer citação da então presidente do FMI durante a apresentação de uma análise ao envelhecimento da população.

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Por entre as soluções apresentadas pelo FMI em 2012 estava o “corte de benefícios e o aumento da idade da reforma”, considerando “o risco das pessoas viverem mais que o esperado”. Conhecido pelos economistas como “risco de longevidade”, o então diretor do departamento do FMI para os mercados monetário e de capitais, José Viñals, citado pelo El País, exemplificava com o aumento de três anos na esperança média de vida para 2050: significaria aumentar em 50% o custo do envelhecimento para “governos, empresas, seguradoras” (se a referência fosse, em 2012, o PIB de 2010).

Também o semanário Expresso noticiou, em abril de 2012, as preocupações do FMI: “Precisamos de nos preocupar, desde já, com os riscos da longevidade futura, temos de começar a ajustar-nos agora para que os custos não nos assoberbem mais tarde”, dizia Viñals, na atualização de primavera de um dos capítulos do Relatório sobre a Estabilidade Financeira Global.

E é desta apresentação que pode ter surgido o boato em torno de Lagarde, uma vez que Viñals afirmava que, “além do impacto económico do envelhecimento da população, o aumento da esperança média de vida traz os custos financeiros e orçamentais de as pessoas viverem mais do que o esperado”. Mas acrescentava, também, que um dos problemas poderia ser o de que, chegados à reforma, os pensionistas pudessem “ficar sem dinheiro”. Não se defendia qualquer sugestão para “acabar com problema”, como a publicação sugere, através da morte precoce dos mais idosos.

A mesma ideia foi completada pela adjunta de Viñals, Laura Kodres. Ela, sim, afirmou que “o tempo de agir é agora”, mas em relação à ideia de não subestimar os encargos para as finanças, considerando as reformas e o aumento da esperança média de vida em aproximadamente três anos.

“Quanto mais tempo for ignorado o risco longevidade, mais difícil se torna resolver. O tempo de agir é agora”, disse Laura Kodres, antes que outros responsáveis apresentassem soluções: encorajar as pessoas a trabalhar mais, em primeiro lugar, e “transferir riscos”, através de estratégias e instrumentos próprios. Uma das regras para o aumento da idade da reforma, apresentada por Erik Oppers, propunha que essa idade aumentasse na mesma medida do aumento da longevidade (isto é, se a longevidade aumentar um ano, a idade para a reforma devia aumentar também um ano).

Conclusão

Ainda que em 2012, quando foram apresentadas soluções para evitar a rutura dos sistemas de pensões em consequência do aumento da esperança média de vida, Christine Lagarde fosse diretora do FMI, não há qualquer registo que tenha proferido declarações semelhantes às que lhe são atribuídas pelo menos desde 2016.

Há registo, isso sim, de duas citações — de dois especialistas diferentes do FMI — que foram descontextualizadas e misturadas, dando a entender que tinham sido proferidas recentemente e que a solução para os problemas com o aumento da longevidade teria sido a pandemia da Covid-19. Nada mais errado. Em 2012, quando foram proferidas aquelas palavras, procuravam-se respostas rápidas e eficazes para que os sistemas de reformas não entrassem em colapso com o aumento do número de pessoas na reforma e durante mais anos, nada que tivesse que ver com o fim precoce da vida dos idosos.

Assim, de acordo com o sistema de classificação do Observador, este conteúdo é:

ERRADO

NOTA: este conteúdo foi selecionado pelo Observador no âmbito de uma parceria de fact checking com o Facebook.

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