A afirmação dirigiu-se ao ex-ministro das Infraestruturas quando o líder do Chega atacava Pedro Nuno Santos por causa da gestão por whatsapp na TAP e de ter autorizado o pagamento de meio milhão de euros a Alexandra Reis para sair da companhia aérea.
Assim que André Ventura o confrontou com a responsabilidade por uma injeção pública de 2,9 mil milhões na CP, o secretário-geral do PS respondeu logo: “Isso é mentira“, resposta que repetiu, justificando o que aconteceu como um acerto de contas com o Estado. “Não diga mentiras. Não houve nenhuma injeção na CP”. A questão foi rapidamente abafada por outros temas de um debate de grande intensidade e troca de acusações realizado esta quarta-feira na TVI/CNN entre os dois líderes partidários.
Não é a primeira vez que o ex-ministro é visado pela oposição à direita por causa da operação de saneamento da CP. E sempre a reboque da sua intervenção na TAP. No ano passado, durante a sua audição na comissão parlamentar de inquérito à gestão pública da companhia aérea, Pedro Nuno Santos foi confrontado por Paulo Moniz do PSD sobre uma injeção de 3,8 mil milhões de euros na CP.
O ex-ministro garantiu que a empresa “não recebeu injeção nenhuma”, acrescentando que “uma injeção nunca esteve em causa, a dívida é ao Estado, à DGTF (Direção-Geral do Tesouro e Finanças), trata-se de o Estado assumir a dívida, é uma operação contabilística.” Pedro Nuno Santos relacionou a operação com “a dívida gigantesca que pode chegar aos três mil milhões de euros”, num número que está mais próximo do referido no debate por André Ventura.
As declarações parecem juntar dois tipos de operações. Aumentos do capital na CP e o saneamento da dívida histórica que foi aprovada em 2021 por iniciativa do então ministro das Infraestruturas (Pedro Nuno Santos) depois de um braço-de-ferro público com o ministro das Finanças, João Leão.
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A limpeza do passivo da CP ficou inscrita no Orçamento de 2022 com uma dotação de 1.800 milhões de euros, mas este orçamento foi chumbado e houve eleições. Apesar da maioria obtida pelos socialistas e da manutenção do Orçamento, a operação só foi concretizada no final do ano passado, quase um ano depois de Pedro Nuno Santos ter deixado o Governo. Foram João Galamba e Fernando Medina a concluir a “limpeza de dívida”, mas os contornos da operação não foram divulgados. Nem o valor. O comunicado de 2023 diz apenas que o saneamento correspondeu a uma compensação pelas “devidas subcompensações das obrigações de serviço público entre os anos de 2002 e 2019”.
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O ministro das Finanças já tinha explicado que a operação seria neutra para as contas do défice, na medida em que a CP está classificada no perímetro das administrações públicas e a sua dívida já está reconhecida nos saldos do Estado. Esta explicação de Fernando Medina dá conforto ao argumento de Pedro Nuno Santos de que se trata de uma operação contabilística e não uma injeção financeira comparável à feita na TAP, essa sim com impacto negativo no défice público.
Não sendo uma injeção na CP, a verdade é que durante os governos de António Costa foram feitos vários aumentos de capital na empresa por parte do Estado. Segundo as contas da própria CP, entre 2015 e 2019 foram realizados aumentos de capital estatutários de 2.000 milhões de euros para acomodar as necessidades decorrentes da dívida, investimentos e despesas com pessoal. Tal como o Observador explicou nesse ano, parte substancial destes aumentos de capital serviram para a CP pagar os encargos da dívida contraída junto do próprio Estado ou converter empréstimos do mesmo Estado em capital.
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Nem todas esses reforços foram feitos no tempo de Pedro Nuno Santos nas Infraestruturas, pasta à qual chegou em fevereiro de 2019. E não há uma associação direta de causa e efeito entre estes aumentos de capital e o facto de a empresa ter conseguido lucros pela primeira vez em 2022. Esses lucros foram registados quando a CP já não recebia aumentos de capital do Estado desde 2019. Mas houve outra mudança inédita na relação entre a empresa e o acionista que contribuiu de forma decisiva para a melhoria dos resultados. Mudança essa que não pode ser desligada do saneamento da dívida histórica da CP.
No final de 2019, e com Pedro Nuno Santos na pasta, foi finalmente assinado o contrato das obrigações do serviço público com a CP, o qual estabeleceu regras para o pagamento das compensações anuais pela prestação de serviços deficitários, mas de interesse público, como os suburbanos e regionais. Foi para compensar a CP pelo pagamento insuficiente destes serviços no passado, mais concretamente entre 2002 e 2019 — 17 anos — que se fez a tal operação de limpeza da dívida histórica.
O contrato entre a CP e o Estado foi aprovado pelo Tribunal de Contas em meados de 2020. A partir de 2021 a empresa passou a receber a compensação anual que foi mais alta esse ano — 141 milhões de euros para compensar uma parte de 2020 — e de 116,2 milhões de euros em 2022. Foi precisamente esse o ano em que a CP apresentou pela primeira lucros, o que levou o já ex-ministro Pedro Nuno Santos a vangloriar-se no Parlamento (e em audições sobre a TAP) de ter sido o primeiro ministro a por a CP a dar lucros.
Conclusão
Há uma relação clara entre o esforço financeiro feito pelo Estado nos anos da governação socialista e a melhoria dos resultados da CP, como refere o líder do Chega, mas esse esforço passou por vários tipos de operações e — partindo do pressuposto que Ventura se refere ao mais recente saneamento do passivo — não pode ser reduzido a uma injeção. Por outro lado, apesar de ter reclamado o crédito pelo resultado da CP, Pedro Nuno Santos não foi o único protagonista, embora possa ter sido o mais decisivo.
Sem informação precisa sobre como foi feita a limpeza da dívida histórica — o Observador voltou a questionar CP e os ministérios das Finanças e Infraestruturas (agora na tutela de António Costa) sem obter esclarecimentos — e qual o seu valor, o resultado é inconclusivo.