Criou o movimento “Juristas pela Verdade”, soma polémicas a um ritmo tal que ficou conhecido como “o juiz negacionista”, já foi suspenso e alvo de processo disciplinar e acabou, este mês, por ser expulso da magistratura. Segundo um post partilhado no Facebook, essa expulsão terá, no entanto, a ver com apenas um fator: o facto de ter faltado nove vezes ao trabalho. E o autor do post questiona: “Quando demitem os deputados que faltam e ainda pedem aos amigos para marcar o ponto?”. Mas será que o argumento é verdadeiro?

Primeiro ponto: por um lado, é verdade que o Conselho Superior de Magistratura (CSM) decidiu no dia 7 de outubro, em plenário e por unanimidade, aplicar a Rui Fonseca e Castro “a aplicação da sanção única da demissão” e juntar-lhe “a perda de vencimento relativa a nove dias de faltas injustificadas”.

No comunicado onde se explica a decisão, a questão das faltas é, de facto, referida como uma das “infrações” cometidas por Fonseca e Castro: o juiz tem “nove dias consecutivos de faltas injustificadas e não comunicadas”, entre 1 de março e 12 de março deste ano, “com prejuízo para o serviço judicial”. As tais faltas implicaram que fossem adiadas “audiências de julgamento já agendadas”.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

A questão é que o argumento do Conselho Superior da Magistratura vai muito para além da falta de assiduidade de Fonseca e Castro. No segundo ponto do comunicado, recorda-se que o juiz cometeu outra infração: num caso que foi amplamente noticiado e que já tinha contribuído para que fosse suspendido preventivamente e para que lhe fosse aberto um processo disciplinar, o juiz tentou, a 24 de março deste ano, obrigar a que o procurador do Ministério do Público estivesse sem máscara numa audiência, no contexto de um caso de violência doméstica. Perante a recusa do procurador, Fonseca e Castro acabou mesmo por adiar a audiência, que era considerada urgente.

Juiz anti-máscara suspenso pelo Conselho da Magistratura. “Vou ter mais tempo para ajudar a população a fazer valer os seus direitos”

Como o comunicado do CSM agora refere, Fonseca e Castro proferiu então um despacho em que “emitiu instruções contrárias ao disposto na lei no que respeita às obrigações de cuidados sanitários no âmbito da pandemia Covid-19”. Para além disso, “tendo havido insistência” por parte de outras pessoas presentes em cumprir a lei, “determinou o adiamento da audiência, com prejuízo para a celeridade processual e interesses dos cidadãos afetados”.

Nessa altura, Fonseca e Castro não demorou a garantir que a decisão do CSM de o suspender não o travaria, assegurando, num vídeo publicado no Facebook, que continuaria “a falar na qualidade de juiz” e que passaria a ter “mais tempo disponível para ajudar a população a ficar consciente dos seus direitos e a fazer valer os seus direitos”.

Mas há mais. No terceiro ponto do documento, recorda-se que as polémicas do juiz, que lhe valeram a alcunha de “juiz negacionista”, estão longe de ficar por esse episódio. Fonseca e Castro, recordam os magistrados, “publicou uma série de vídeos em várias redes sociais” em que, ao mesmo tempo que invocava a sua qualidade de juiz, “incentivava à violação da lei e das regras sanitárias” e “proferia afirmações difamatórias dirigidas a pessoas concretas e conjuntos de pessoas”.

É graças à soma destes três motivos — as faltas, a audiência de março e o comportamento reiterado do juiz nas redes sociais — que o Conselho Superior da Magistratura decidiu assim, este mês e na sequência de uma suspensão e de um processo disciplinar, decidir pela demissão e pelo “imediato desligamento do serviço” do juiz. A decisão é ainda recorrível para o Supremo Tribunal de Justiça, no prazo de um mês, mas isso não suspenderá os efeitos da mesma.

Juiz negacionista dá entrevista com informações falsas em Espanha

Rui Fonseca de Castro começou a chamar a atenção do público e da imprensa no ano passado, quando criou o movimento “Juristas pela Verdade” e começou a fazer apelos públicos à desobediência, no âmbito das medidas para conter a pandemia. Regressou à magistratura este ano, assumindo funções no Tribunal de Odemira, depois de ter estado nove anos com uma licença sem vencimento para se dedicar à advocacia.

Rui Fonseca e Castro, o juiz que criou os “Juristas pela Verdade” e acabou suspenso ao fim de 25 dias de polémicas

As polémicas agora enumeradas pelo CSM para justificar a sua demissão são longe de ser as únicas. Por entre as teorias da conspiração sobre a pandemia, Fonseca e Castro foi carregando nas ofensas à classe política, que chegou a descrever como uma “oligarquia nepotista, cleptocrática e pedófila” — uma descrição que dirigiria depois, em mais um vídeo que foi entretanto removido do Youtube, ao presidente da Assembleia da República, Eduardo Ferro Rodrigues.

Mais recentemente, a PSP anunciou que iria apresentar uma queixa contra o juiz, depois de Fonseca e Castro se ter deslocado às instalações do CSM, em Lisboa, para ser ouvido no âmbito do processo disciplinar de que foi alvo e de ter confrontado os polícias que, à porta, lhe pediram que pusesse a máscara, recusando-se a fazê-lo e ordenando aos agentes que se pusessem no seu “lugar”.

PSP acusa juiz negacionista de “provocar” polícias e vai apresentar queixa

Conclusão

A publicação que afirma que o juiz Rui Fonseca e Castro foi expulso da magistratura porque faltou nove vezes ao trabalho é enganadora. De facto, esse é um dos argumentos usados pelo Conselho Superior da Magistratura, uma vez que com a sua falta de assiduidade o “juiz negacionista” obrigou a que fossem adiadas audiências já agendadas, sem apresentar justificação. Mas há mais motivos, que passam pelas constantes polémicas do juiz que costuma apelar à desobediência e que chegou a tentar obrigar um procurador a tirar a máscara durante uma audiência.

Assim, de acordo com o sistema de classificação do Observador, este conteúdo é:

ENGANADOR

No sistema de classificação do Facebook, este conteúdo é:

PARCIALMENTE FALSO: as alegações dos conteúdos são uma mistura de factos precisos e imprecisos ou a principal alegação é enganadora ou está incompleta.

Nota: este conteúdo foi selecionado pelo Observador no âmbito de uma parceria de fact checking com o Facebook.

IFCN Badge