Depois de mais de um mês desde o novo escalar do conflito no Médio Oriente, ainda é muita a desinformação a rodear o conflito entre Israel e o Hamas — nomeadamente no que diz respeito ao número de vítimas e à autoria e dimensão dos ataques. As posições extremadas de vários líderes mundiais sobre o confronto têm, igualmente, levado à partilha de muita informação de rigor questionável. É o caso de uma publicação que tem sido difundida nos últimos dias nas redes sociais e que alega que o representante palestiniano “defendeu Israel na ONU”, deixando “todos assustados” com esta alegada atitude. Será verdade?

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A publicação é acompanhada de um vídeo no qual um homem comenta, em português do Brasil, a suposta posição demonstrada pelo líder palestiniano. Atrás dele está uma partilha de ecrã desse alegado discurso e uma data: “18/10/2023”, ou seja, mais de uma semana depois do primeiro ataque do Hamas a um festival de música em Israel e do qual resultaram centenas de mortos e reféns, alguns deles ainda mantidos em Gaza sob controlo do grupo terrorista.

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O homem comenta que “o próprio líder palestiniano” disse que “Israel é nosso irmão [da Palestina], o único país do Médio Oriente que dá emprego, água e eletricidade” à população. Refere também, de acordo com o autor do vídeo, que a Palestina “não quer guerra”, sublinhando que “Israel tem o direito de se defender do grupo Hamas”. Adianta ainda que, com estas declarações, o representante da Autoridade Palestiniana “deixou todos na ONU de queixo caído”, o que, na opinião deste brasileiro, “é uma vergonha para os líderes do Brasil que se estão a posicionar contra Israel”. Seguem-se as alegadas declarações citadas e nas quais esse representante — cujo nome não é mencionado — refere, com ironia, que o Parlamento Europeu “se preocupa com a forma como nós [palestinianos] somos oprimidos pelos maldosos israelitas”. Esclarece, logo de seguida, que na verdade são os israelitas que dão a este povo, por exemplo, “empregos”, ao contrário de outros países como Líbano e Jordânia, além da própria União Europeia. No vídeo partilhado neste post o homem usa as declarações referidas para atacar as autoridades brasileiras, referindo que são “uma vergonha para o Brasil” e sugere que o país “se posicionou a favor do Hamas e contra Israel”.

Numa outra publicação semelhante, um outro autor partilha a mesma alegada declaração do líder palestiniano para afirmar que “o pseudo presidente Lula defende o Hamas“, acrescentando, igualmente,  que tal é uma “vergonha”. É, claro, uma referência à posição do Presidente brasileiro sobre este conflito. Lula da Silva tem deixado vários apelos à comunidade internacional em defesa das crianças palestinianas, mas também israelitas.

Recorrendo à ferramenta Google Images rapidamente percebemos que há muitas incongruências no que é referido nestas publicações. O vídeo não é recente, nem foi gravado nas Nações Unidas — tal como, aliás, sugere o plano de fundo, coberto pelo logótipo do Parlamento Europeu. Não mostra, igualmente, um líder da causa palestiniana.

O homem que discursa é o ativista de oposição jordano Mudar Zahran, secretário-geral da organização Jordanian Opposition Coalition, um movimento descrito na página oficial como uma organização “composta por pessoas com ideais semelhantes que lutam por uma mudança pacífica na Jordânia” e que está “a operar desde 2015”. O vídeo original foi, na verdade, gravado numa reunião do Parlamento Europeu no dia 4 de setembro de 2018 — anos antes deste novo escalar do conflito israelo-palestiniano. A declaração completa de Mudar Zahran está disponível no canal de Youtube desta organização.

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Ao contrário do que é referido na publicação em análise, Mudar Zahran falou perante membros do Parlamento Europeu para fazer críticas ao BDS (Boicote, Desinvestimento e Sanções), que se descreve como um movimento palestino que “trabalha para acabar com o apoio internacional para a opressão dos palestinos de Israel“, bem como para “pressionar Israel a respeitar o direito internacional“. Na declaração, feita em 2018, o autoproclamado secretário-geral da coligação de oposição da Jordânia defendeu que a campanha do BDS prejudica palestinos e jordanos que procuram trabalho e ajuda económica em Israel. Afirma também que a região do Médio Oriente quer paz com o governo de Telavive.

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São também falsas as alegações feitas neste post em relação ao suposto apoio declarado do Brasil ao Hamas. No texto apresentado nas Nações Unidas, o país liderado por Lula da Silva condenou os ataques promovidos pelo grupo, pediu o fim do conflito e, ainda, a criação de um corredor humanitário que permitisse a chegada de ajuda internacional aos civis. A proposta do Brasil no Conselho de Segurança da ONU recebeu o apoio de 12 países, mas não contou com luz verde dos Estados Unidos, que têm o poder de veto por serem membros permanentes deste organismo.

Conclusão

Ao contrário do que alega a publicação, o vídeo foi gravado em 2018, no Parlamento Europeu, e mostra um representante da coligação de oposição da Jordânia — não um representante palestiniano a discursar perante os países membros das Nações Unidas. É também falso que o Brasil tenha declarado na ONU o apoio ao grupo extremista Hamas.

Assim, de acordo com o sistema de classificação do Observador, este conteúdo é:

ERRADO

No sistema de classificação do Facebook, este conteúdo é:

FALSO: As principais alegações do conteúdo são factualmente imprecisas. Geralmente, esta opção corresponde às classificações “falso” ou “maioritariamente falso” nos sites de verificadores de factos.

NOTA: este conteúdo foi selecionado pelo Observador no âmbito de uma parceria de fact checking com o Facebook.

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