Uma publicação no Facebook alerta para o que diz ser uma “notícia bombástica”: alegadamente, mil milhões de pessoas (cerca de um quarto do total de vacinados contra a Covid-19 a nível mundial) desenvolveram a Síndrome da Imunodeficiência Adquirida (Sida) depois de terem sido vacinadas contra a Covid-19. O responsável pelo post diz que o alerta foi feito pelo governo do Reino Unido e remete para uma notícia que se debruçou sobre um estudo da prestigiada Universidade de Cambridge, e que alegadamente comprova a teoria.

A notícia em causa, produzida originalmente por um site de desinformação brasileiro, alega, sem apresentar qualquer evidência, que “um estudo oficial britânico confirmou que mais de um bilhão de pessoas em todo o mundo têm agora a Síndrome da Imunodeficiência Adquirida como resultado direto da vacina de mRNA Covid”. E sublinha que, de acordo com a mesma investigação, pelo menos 25% da população totalmente vacinada “está a sofrer respostas imunes extremas aos produtos químicos tóxicos encontrados nas vacinas de Covid”.  Serão estas conclusões verdadeiras?

A 6 de dezembro, foi publicado na revista Nature um estudo — levado a cabo por investigadores da Unidade de Toxicologia da Universidade de Cambridge — que analisou a resposta de imunidade do organismo à administração das vacinas de mRNA, as mais utilizadas contra a Covid-19.

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Os investigadores descobriram que uma alteração química chamada N1-metilpseuduridina — uma modificação do RNA usada para aumentar a segurança e eficácia das vacinas e que atualmente pode ser encontrada nas vacinas de mRNA — é responsável pelos chamados ‘deslizamentos’ ao longo da sequência de mRNA. Esses deslizamentos levam à produção de proteínas “fora do alvo” da vacina, desencadeando uma resposta imune não intencional.

Em colaboração com investigadores das universidades de Kent, Oxford e Liverpool, a equipa da Unidade de Toxicologia de Cambridge identificou a existência dessa mesma resposta imune não intencional em um terço dos 21 pacientes do estudo que foram vacinados com a vacina da Pfizer. No entanto, os cientistas não identificaram efeitos nocivos resultantes dessa mesma resposta imune, ao contrário do que diz a publicação que circula no Facebook.

“Não há indicação de que tenha causado qualquer problema, nenhum efeito adverso”, confirma ao Observador o imunologista Luís Graça, que analisou o estudo de Cambridge.

Confrontados com os deslizamentos no RNA, os investigadores de Cambridge redesenharam as sequências propensas a erros, o que vai permitir melhorar a conceção de futuras vacinas contra o SAR-CoV-2, o vírus que causa a Covid-19. Dessa forma, diminui-se a probabilidade de as vacinas provocarem respostas não intencionais. “Em vacinas futuras, os investigadores desenvolveram um método que faz com que haja um maior controlo, tentando resolver um problema que possa surgir”, realça Luís Graça, sublinhando que as vacinas são seguras.

Uma garantia que vai no mesmo sentido da dada por um dos autores do referido estudo. “A investigação mostrou, sem qualquer dúvida, que a vacinação com mRNA contra a Covid-19 é segura. Milhares de milhões de doses das vacinas de mRNA Moderna e Pfizer foram administradas com segurança, salvando vidas em todo o mundo”, disse James Thaventhiran, citado pela própria Universidade de Cambridge.

Já a referência à Sida não faz qualquer sentido, realça Luís Graça. “Isso é um absurdo, não é identificável qualquer relação” entre as vacinas de mRNA e a Sida, afirma o especialista do Instituto de Medicina Molecular da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa.

Conclusão

Não existe qualquer evidência que aponte para que as vacinas de mRNA contra a Covid-19 tenham desencadeado casos de Sida, muito menos num número tão expressivo de pessoas — mil milhões. Em dezembro, um estudo da Universidade de Cambridge identificou respostas imunes não intencionais num terço dos doentes estudados. No entanto, os investigadores garantem que não provocaram quaisquer efeitos nocivos.

Assim, de acordo com o sistema de classificação do Observador, este conteúdo é:

ERRADO

No sistema de classificação do Facebook, este conteúdo é:

FALSO: As principais alegações do conteúdo são factualmente imprecisas. Geralmente, esta opção corresponde às classificações “falso” ou “maioritariamente falso” nos sites de verificadores de factos.

NOTA: este conteúdo foi selecionado pelo Observador no âmbito de uma parceria de fact checking com o Facebook.

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