A publicação em causa remete para uma notícia do Diário de Lisboa (DL) publicada no jornal a 19 de maio de 1976. Segundo o post, o artigo refere que Fernando Rosas, historiador e uma das figuras de peso no Bloco de Esquerda, terá orquestrado um ataque a dissidentes do partido MRPP. O post  cita depois o que sugere ser parte do texto da notícia. “Um grupo de cinco operacionais do MRPP, sob o comando à distância do dirigente do Comité Central, Fernando Rosas”, indica a publicação, perseguiu antigos militantes do partido devido a quezílias internas e desconfianças sobre a lealdade dos mesmos à causa do MRPP.

Fernando Rosas é mencionado não uma, mas duas vezes, nesta referência à notícia do Diário de Lisboa: “(…) Sob o comando do mesmo Fernando Rosas, invadiram à força e sob a ameaça de uma pistola, a casa da Amadora do fotógrafo Eduardo Miranda (…).” A publicação, com a “marca de água” do partido Chega, foi partilhada nas redes sociais deste partido e até pelo próprio líder André Ventura, mas não só.

Publicação do Chega partilhada por utilizadora do Facebook

Fomos pesquisar o arquivo do jornal para perceber se esta notícia foi mesmo publicada como é referido na publicação no Facebook. Abaixo, o recorte do jornal com a referida notícia. É verdade que Fernando Rosas era militante do MRPP à data e também verdade que a notícia foi publicada naquele dia e com várias semelhanças àquilo que é relatado neste post na rede social. Só que o nome de Fernando Rosas nunca é mencionado. E só uma parte da história é revelada nesta edição do jornal.

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Recortes do “Diário de Lisboa” – 19 de maio de 1976

Quem também nunca é mencionado nesta notícia do jornal é Eduardo Miranda. Fomos, então, perceber de onde vêm as afirmações relativas ao ex-fotógrafo da Luta Popular (o jornal do partido MRPP). A história surge noutra edição do Diário de Lisboa. E aqui, sim, é mencionado Fernando Rosas — mas a data da notícia é o dia 20 de maio de 1976.

Recorte do “Diário de Lisboa” – 20 de maio de 1976

“(…) Quando lá chegaram, avisaram também que o Fernando Rosas do Comité Central queria falar comigo”, lê-se neste recorte do Diário de Lisboa. Mas a notícia volta a não mencionar que é Fernando Rosas o mentor do ataque.

Em sentido contrário, nos dias seguintes a uma e outra publicação do Diário de Lisboa, o MRPP negava as informações através de textos publicados nos editoriais do Luta Popular. Confirmava os encontros, mas garantia que a violência relatada pelo DL não era verdade. Mencionavam-se “encontros de cavalheiros”, no caso da “visita” aos dois irmãos.

“Foi o sr. António Luís Ramos Ferreira de Sousa que, animado de um meritório espírito de colaboração, conduziu os nossos camaradas — primeiro à residência do irmão e como não se encontrasse em casa, à residência da amante (…) como se vê, tratou-se de um encontro de cavalheiros, sem armas nem agressões”, lê-se neste editorial. Abaixo a capa dessa edição do Luta Popular.

Capa do jornal “Luta Popular” – 20 de maio de 1976

Um dia depois (a a 21 de maio de 1976), novo desmentido do Luta Popular. Pode verificar abaixo que a capa do jornal aborda, em tom irónico, o caso. “No que respeita ao ex-repórter fotográfico de ‘Luta Popular’, é verdade que um militante do nosso Partido — um militante, não dois, não nenhum ‘comando’ — o procurou em sua casa, apenas para perguntar-lhe porque deixara de aparecer na Redacção do nosso jornal. Para grande surpresa do nosso camarada, o fotógrafo sacou de uma arma, disparou um tiro para as pernas do nosso camarada e, seguidamente, os amigos do sr. Eduardo Miranda continuaram a agressão.” Esta é a versão do MRPP dos acontecimentos.

Capa do “Luta Popular” – 21 de maio de 1976

Aqui, pode ler um trabalho do Observador em que se explicam as histórias publicadas pelo Diário de Lisboa em maio de 1976, mas que também oferece contexto sobre a atividade do MRPP nos anos 70, sobre o que levou a estas “visitas” em particular — as tais fotos do ‘reveillon’ do MRPP que foram divulgadas por alguém do partido — e pode perceber, também, que a antipatia do partido por Marcelino da Mata também é antiga.

Vale lembrar que a publicação aqui em análise surgiu precisamente para contestar as declarações de Fernando Rosas sobre o militar falecido em fevereiro deste ano. Na TVI, Rosas afirmou que Marcelino da Mata foi “um criminoso de guerra” e disse mesmo que “traiu a causa da independência do seu próprio país”. É com base nestas declarações que surge nas redes sociais a publicação associada ao Chega, que entretanto se tornou viral.

Fernando Rosas, questionado pelo Observador sobre esta publicação no Facebook e também sobre as notícias do Diário de Lisboa, é categórico: “Nada sei sobre o rocambolesco episódio relatado na notícia em questão. É uma notícia de há 45 anos de cuja saída nem guardo memória, seguramente porque respeita a factos com os quais, se é que se passaram da forma descrita, não tenho nenhuma relação direta ou indireta.”

O antigo militante do MRPP e fundador do Bloco de Esquerda adianta também que já procedeu “criminalmente contra os responsáveis” e deu o caso “como encerrado”.

Conclusão

É verdade que Fernando Rosas é mencionado num dos artigos do Diário de Lisboa, mas não na edição do jornal correspondente à data mencionada na publicação do Facebook. Mesmo na história em que é mencionado — do dia seguinte — nunca é escrito que foi ele a orquestrar os alegados ataques. É verdade que duas notícias sobre “visitas” do MRPP a dissidentes do partido saíram em maio de 1976 no Diário de Lisboa, mas também é verdade que o MRPP desmentiu ambas.

Não é objetivo deste fact-check provar qual das versões é verdade. É, sim, nosso objetivo, mostrar se é ou não possível inferir que Fernando Rosas “torturou homens e sequestrou mulheres”, como é indicado na publicação.

E, para este exercício, vamos a factos: o Diário de Lisboa nunca revela que foi Rosas a ordenar os ataques que noticiou em maio de 1976. Nada indica que Fernando Rosas tenha estado presente nas tais “visitas” a dissidentes do MRPP e, na notícia em que é mencionado, não é sequer apontado como “cabecilha” do ataque. O próprio também nega ao Observador o que é dito sobre o seu envolvimento no caso.

Assim, de acordo com o sistema de classificação do Observador, este conteúdo é:

ERRADO

De acordo com a classificação do Facebook, este conteúdo é:

FALSO: as principais alegações do conteúdo são factualmente imprecisas. Geralmente, esta opção corresponde às classificações “falso” ou “maioritariamente falso” nos sites de verificadores de factos.

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