Uma publicação na rede social Facebook afirma que em Portugal se vive no “meio da máfia e da corrupção” e que, nos últimos 42 anos, os partidos no poder nem sequer produziram qualquer lei contra corruptos. Mas a verdade é que o crime de corrupção existe no ordenamento jurídico português já desde 1852, criado durante a Regeneração, e o primeiro Código Penal, aprovado depois do 25 de abril (a janela temporal da afirmação), também já previa este tipo de crime.

Corrupção, aos olhos da lei, é todo o comportamento em que se verifica o abuso de um poder ou função públicos para beneficiar alguém, em troca de um pagamento ou de uma qualquer vantagem. No entanto, para a sociedade, este conceito é mais abrangente, e inclui outros comportamentos cometidos no exercício público, como é o caso do peculato, a participação económica em negócio, a concussão, o abuso de poder, a prevaricação, o tráfico de influência ou o branqueamento, também já criminalizados pela lei portuguesa.

O Código Penal aprovado depois do 25 de abril é de 1982 e é o que hoje ainda vigora. Nele, o artigo 420.º já previa o crime de corrupção passiva para ato ilícito, assim como para ato lícito, para todos os funcionários “que, por si ou interposta pessoa, com o seu consentimento ou ratificação” pedissem ou recebessem determinada recompensa por praticarem um ato violador dos seus deveres.

O mesmo código também já previa o crime de corrupção ativa para quem prometesse ao funcionário, por si ou por interposta pessoa, dinheiro ou outra vantagem patrimonial que ao funcionário não fossem devidos.

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Dos crimes cometidos no exercício de funções públicas previsto no Código do processo Penal de 1982 — que já foi alvo 23 alterações desde então — constavam também os crimes de peculato e participação económica em negócio. Estes artigos específicos também foram sendo ajustados ao longo dos anos. E, já em 2004, foi introduzido nesta lei o crime de branqueamento para qualquer vantagem recebida com origem em crimes que a lei especifica.

Mais recentemente, o Governo aprovou mesmo a Estratégia Nacional Anticorrupção 2020-2024, “ciente de que estes fenómenos minam a confiança dos cidadãos nas suas instituições, fragilizam a economia pelo aumento dos custos de contexto, debilitam as finanças do Estado, provocam a erosão dos alicerces do Estado social e acentuam as desigualdades”, como se lê na resolução do Conselho de Ministros. A própria resolução faz uma resenha de como este tipo de crime tem sido tratado não só pela lei, mas pelas organizações.

Não obstante os esforços que têm vindo a ser realizados por Portugal na luta contra o fenómeno corruptivo, as características deste exigem ainda uma abordagem especializada, pluridisciplinar, integrada e articulada entre os diversos órgãos e entidades envolvidos na prevenção, deteção e repressão da corrupção”, assume o Governo, comprometendo-se a trabalhar para tentar resolver estas questões.

Esta abordagem, porém, e como descreve também a resolução, não passa apenas pela legislação, mas pela responsabilização das instituições do Estado, cidadãos, empresas e instituições da sociedade civil “na prevenção pelo conhecimento, pela formação e pela informação, articulada com uma dinâmica repressiva atual, tempestiva e efetiva”, escreve o Governo.

Além do enquadramento legal deste tipo de crimes, é facilmente verificável, através de uma busca rápida na internet, a existência de uma multiplicidade de processos judiciais em que se investigaram suspeita de práticas de corrupção em Portugal e também de casos em que os arguidos foram condenados por algum (ou alguns) destes crimes.

De resto, um relatório de 2013 da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico referia que, entre 2007 e 2011, foram condenadas 239 pessoas em Portugal por corrupção. Condenações que só foram possíveis por existir um enquadramento legal que sustentasse as investigações judiciais que estiveram na origem desses processos. E, mesmo depois desse momento, foram noticiados múltiplos casos mediáticos em que esta tipologia de crimes surgia em destaque nas investigações do Ministério Público.

Conclusão:

Nos últimos mais de 40 anos já foram aprovadas algumas leis anti-corrupção que foram sendo revistas ao longo dos vários governos, fosse por iniciativa própria ou pela dos partidos representados na Assembleia da República. O Código Penal Português prevê crimes de recebimento indevido de vantagem e os crimes de corrupção. Estes crimes de corrupção apresentam-se, essencialmente, com duas configurações: a corrupção ativa e a corrupção passiva, conforme o seu autor esteja a oferecer/prometer ou a pedir/aceitar uma recompensa indevida. A lei  distingue também cada uma destas formas de corrupção conforme o ato solicitado seja ou não contrário aos deveres do cargo do funcionário corrompido.

O atual Governo reconhece que ainda há um longo caminho a percorrer nesta matéria, mas que não implica apenas uma alteração legislativa. Assim, não é verdade que nos últimos 42 anos não se tenha produzido qualquer legislação contra a corrupção.

Assim, de acordo com o sistema de classificação do Observador, este conteúdo é:

ERRADO

No sistema de classificação do Facebook, este conteúdo é:

FALSO: as principais alegações do conteúdo são factualmente imprecisas. Geralmente, esta opção corresponde às classificações “falso” ou “maioritariamente falso” nos sites de verificadores de factos.

Nota: este conteúdo foi selecionado pelo Observador no âmbito de uma parceria de fact checking com o Facebook.

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