Todos os dias há notícias sobre a hidroxicloroquina. Umas defendem o seu sucesso no tratamento da Covid-19, outras a sua ineficácia. O post que mais recentemente se tornou viral no Facebook garante que a Universidade de Yale, nos Estados Unidos da América, concluiu que o medicamento é seguro e diminui os números de infeções, internamentos e mortes. Além de citar um trabalho de Harvey Risch, a publicação acrescenta mais informações. “Sabem o que isso significa? Que em conjunto com os mais de 111 trabalhos observacionais, esse trabalho dá o tão exigido NÍVEL DE EVIDÊNCIA 1 para tratamento da COVID-19 (com recomendação A)! E pasmem! Menos de 10 % das medicações NO MUNDO TODO tem esse nível de recomendação.” Estes dados são falsos. A Universidade de Yale não comprovou os benefícios da hidroxicloroquina, pelo contrário, e também não é verdade que o tratamento tenha recebido o “nível de evidência 1”, a classificação científica que determina o grau de recomendação de um produto.

Começando pelo trabalho do doutor Harvey Risch, ele existe, é verdade. Mas trata-se de um artigo de opinião, apresentado em maio e disponibilizado na plataforma medRxiv desde 30 de setembro. Este site descreve-se como o “servidor pré-impressão para as ciências médicas”. Isto quer dizer que os documentos aqui partilhados ainda não estão revistos por outros especialistas ou aprovados e, enquanto isso não acontece, não podem ser considerados fidedignos. A meta-análise (que pega em resultados de vários estudos e cruza os dados estatísticos) do professor de Yale juntou números de cinco ensaios clínicos e chegou à conclusão de que, com a utilização da hidroxicloroquina, haveria uma redução de 24% em casos de infeções, hospitalizações ou até mortes. Porém, não é isso que defendem dezenas de outros estudos (e, esses sim, revistos e publicados em revistas científicas), incluindo um que é citado por Risch. O ensaio clínico, divulgado a 16 de julho na “Annals of Internal Medicine”, deixou claro que, nos casos analisados, “a hidroxicloroquina não reduziu substancialmente a severidade dos sintomas em pacientes em ambulatório com Covid-19 em estado inicial ou leve”.

A Universidade de Yale clarificou a sua posição em relação à notícia que circula e posicionou-se do lado da ineficácia do medicamento. “Os médicos afiliados a Yale usaram a HCQ [hidroxicloroquina] no início para responder à Covid-19 mas, atualmente, é usada raramente devido à evidência de que é ineficaz e potencialmente arriscada”, pode ler-se no documento. Ainda assim, defendeu a independência de Harvey Risch. “O meu papel como reitor não é suprimir o trabalho do corpo docente mas, sim, apoiar a liberdade académica do corpo docente, seja na corrente de pensamento principal ou na contrária”, disse Sten H. Vermund.

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Apesar destas declarações, cerca de 30 professores de Yale elaboraram uma carta conjunta para revelar preocupação relativamente aos resultados defendidos pelo colega Harvey Risch.

“Defendemos o direito do doutor Risch, um respeitado epidemiologista de doenças cancerígenas, a expressar as suas opiniões. Mas ele não é especialista em epidemiologia de doenças infecciosas e não foi confrontado com as provas científicas de ensaios clínicos rigorosamente conduzidos, que refutam a plausibilidade das suas crenças e argumentos”, explicaram.

Logo depois surgiram especialistas da Universidade de Oxford a alertar para o mesmo.

“Acreditamos que o sumário das evidências de maio do doutor Risch contém erros factuais e que os resultados apresentados, mesmo na data de publicação, eram, no mínimo, fracos. Desde então, resultados mais fidedignos demonstraram que não há benefícios em tratar, numa fase inicial, pacientes de risco com sintomas ligeiros de Covid-19 com HCQ+AZ [hidroxicloroquina e azitromicina]”, pode ler-se num texto publicado no “American Journal of Epidemiology”.

Até agora, não há, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), nenhum medicamento 100% eficaz na prevenção ou tratamento do novo coronavírus.

Conclusão

Não é verdade que haja um trabalho da Universidade de Yale que defenda a eficácia da hidroxicloroquina no tratamento da Covid-19 e o medicamento também não recebeu o nível de evidência científica mais elevado. Um professor da universidade, Harvey Risch, apresentou dados de uma meta-análise e defendeu o sucesso do tratamento para reduzir internamentos e mortes. No entanto, as suas conclusões foram desmentidas por dezenas de colegas e também a Universidade de Yale se pronunciou, dizendo que a hidroxicloroquina “é ineficaz”.

Assim, de acordo com o sistema de classificação do Observador, este conteúdo é:

Errado

NOTA: este conteúdo foi selecionado pelo Observador no âmbito de uma parceria de fact checking com o Facebook.

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