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“Na adolescência, uma idade complicada, é tudo um problema.” |
A frase é de Fabiana Sargaço, 17 anos. Ela sabe bem do que fala. E sabe também que estratégias usou para ultrapassar algumas dessas coisas que eram um problema nessa fase da vida. Quando tinha 13 anos e frequentava o oitavo ano de uma escola de Cantanhede participou no projeto +Contigo e sentiu que o que sempre tinha considerado uma dificuldade poderia ser, afinal, “apenas” um desafio. |
Não que isto seja coisa pouca. Mas perceber que não estava sozinha, que havia mais amigos e colegas que passavam pelo mesmo e, sobretudo, que havia muita gente a quem podia recorrer para pedir ajuda foi um alívio para Fabiana, com quem a jornalista Sara Dias Oliveira conversou para esta reportagem. |
A iniciativa, promovida pela Escola Superior de Enfermagem de Coimbra e pela Administração Regional de Saúde do Centro, inclui várias atividades, sendo uma delas a visita regular a escolas para que grupos de enfermeiros e outros profissionais de saúde possam conversar com os jovens sobre o que os inquieta, o que os angustia, o que os faz não ter vontade de ir para as aulas de manhã. |
Desde que foi lançado, em 2008, o +Contigo já chegou a 965 escolas e já formou quase 800 enfermeiros, médicos, assistentes sociais e psicólogos. Fabiana faz parte do universo de sessenta mil alunos que já tiveram contacto com as ações de sensibilização do projeto. A rapariga, que hoje frequenta o 12.º ano, diz que “não tem de ser tudo um problema e está tudo bem quando alguma coisa não está bem”. Mais: “O projeto fez-me perceber que não faz mal pedir ajuda quando nos sentimos em baixo.” |
“É uma intervenção em rede”, diz o enfermeiro José Carlos Pereira, especialista em Saúde Mental e Psiquiátrica e coordenador e fundador do +Contigo. Funciona nas escolas mas precisa da intervenção de toda a comunidade, dos centros de saúde, unidades de cuidado na comunidade e unidades de saúde familiar até aos hospitais onde é garantido acompanhamento psiquiátrico sempre que tal se justifica. E, claro, envolvendo também encarregados de educação, professores, médicos, etc. |
Hoje falamos de saúde mental com outra abertura e com uma maior noção da importância de combater o estigma (por isso temos, no Observador, uma secção totalmente dedicada ao assunto). Mas sabemos que nem sempre foi assim. |
“O +Contigo surgiu numa altura em que não era fácil falar de saúde mental nas escolas, muito menos de prevenção do suicídio”, diz José Carlos Pereira. O enfermeiro, que foi também presidente da Sociedade Portuguesa de Suicidologia entre 2011 e 2013 sabe bem a pertinência do tema. E sabe também que, como indica a evidência científica, é essencial falar do assunto. Sem medos, sem tabus, sem receio de chamar as coisas pelo nome. Porque esse é, também, um dos eixos de ação do projeto: prevenir comportamentos suicidários em adolescentes e jovens do terceiro ciclo e do secundário. |
Não é a primeira vez que falamos de iniciativas de literacia em saúde mental que implicam intervenção na comunidade escolar. Já o tínhamos feito nesta reportagem, sobre o projeto Porta Aberta à Saúde Mental, promovido pela Clínica de Psiquiatria e Saúde Mental da Unidade Local de Saúde de São João, no Porto, que visita alunos do quarto e do nono ano. Ou nesta, sobre um outro projeto que começou numa escola de Loures, em articulação com o Hospital Beatriz Ângelo. Ou nesta, sobre o “Por ti – Programa de Promoção de Bem-estar Mental nas Escolas”, promovido pela Associação Empresários pela Inclusão. Ou ainda nesta, sobre um projeto da Universidade de Coimbra que ajuda professores a desenvolver estratégias para lidar com o stress, ansiedade e depressão. |
Os diagnósticos de depressão e ansiedade entre alunos e professores não são novidade e a prevalência crescente também não. Dois estudos recentes coordenados pelo Observatório de Saúde Psicológica e Bem-Estar Social, dependente da Direção-Geral de Estatísticas da Educação e Ciência ( Ministério da Educação), concluíram isso mesmo: um terço dos alunos portugueses tem sinais de sofrimento psicológico e metade dos professores segue pelo mesmo caminho. |
Ao longo de todo o tempo do projeto, cerca de trinta por cento dos adolescentes do programa +Contigo apresentaram sintomas depressivos moderados ou graves. Só no ano letivo 2022/2023 foram referenciados 186 casos, 96 dos quais foram encaminhados para serviços de pedopsiquiatria ou cuidados especializados. |
Não se sabe, ninguém pode saber, o que aconteceria se estas situações não tivessem sido referenciadas e se estes jovens não tivessem tido ajuda. Tão pouco se pode saber o que acontecerá e que caminhos vão seguir. Mas sabe-se, sabemos todos, que há um problema grave de falta de saúde mental em curso nas escolas portuguesas. E se houver mais projetos como estes, a funcionar em rede e articulados com o Serviço Nacional de Saúde, com as instituições do terceiro sector e também com o sector privado, talvez as coisas não fiquem muito pior nos próximos anos. |