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O que é a Perturbação da Acumulação?

É uma doença mental grave que se manifesta pela acumulação excessiva de objetos, muitos deles sem valor real, como jornais antigos e roupas velhas. As pessoas com esta perturbação guardam todos estes objetos porque sentem um grande sofrimento perante a ideia de se desfazem deles, o que leva à acumulação excessiva e a uma grande disfuncionalidade: a casa dos doentes fica tão cheia e desordenada que se torna difícil que possa ser usada para viver.

 

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Porque é que as pessoas com esta perturbação não se desfazem dos objetos?

Porque a ideia de se desfazerem deles lhes causa um mal-estar e sofrimento enormes, habitualmente associados a ideias disfuncionais. “Estas crenças têm, sobretudo, a ver com uma sobrevalorização dos objetos, seja pelo significado emocional, seja pelo potencial utilidade que possam vir a ter no futuro ou pelo valor estético ou mesmo medo de perder informação importante”, diz o psiquiatra Sérgio Martinho.

No entanto, nos casos mais graves, “o doente é incapaz de escolher uma justificação principal ligada ao desconforto em desfazer-se de um objeto, porque todas lhe parecem importantes”.

Com o tempo, o doente opta por não se colocar perante o desconforto e ansiedade de ter decidir sobre se deve ou não deitar alguma coisa fora e assume, por defeito, não se desfazer de nada, apesar do impacto negativo que isso tem na sua vida.

Por outro lado, o médico refere que mais de 80% dos doentes com Perturbação da Acumulação não têm apenas um comportamento de acumulação, mas também um problema de aquisição excessiva de objetos.

Os dados mais recentes apontam para uma prevalência da doença (o número total de casos) de cerca de 2,5% da população.

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Como vivem as pessoas com esta doença?

A casa de um doente com Perturbação da Acumulação não é apenas um local desarrumado ou desorganizado, mas um sítio onde se torna difícil viver. “Há áreas da casa que são literalmente inutilizadas. Muitas vezes as pessoas dormem fora da cama para que nela possam empilhar objetos ou deixam de utilizar eletrodomésticos, porque, no tambor da máquina de lavar roupa, por exemplo, guardam jornais velhos”, diz o psiquiatra Sérgio Martinho.

Com frequência, tanta acumulação leva a alguns perigos, nomeadamente, “o aumento do risco de incêndio e do risco de quedas, particularmente nos doentes mais velhos”. Há também problemas de insalubridade: o lixo acumulado e a falta de limpeza faz com que proliferem insetos e pragas (como baratas e ratos) ou microrganismos.

Apesar de a casa ser o principal foco da acumulação, pode acontecer que espaços perto, como o quintal, a garagem ou o carro também sejam afetados.

Os doentes, geralmente, vivem muito isolados. “De forma a evitar qualquer intervenção, o doente compromete a sua vivência familiar e social, não permitindo, por exemplo, que se façam reparações necessárias na casa ou que os familiares o visitem, contribuindo para uma escalada de isolamento e de tensão familiar”, acrescenta o psiquiatra.

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Quais são as causas da doença?

A doença parece resultar de um conjunto de fatores. “De modo geral, poderíamos dizer que até 50% da doença deriva da contribuição genética”. Ou seja, quando a Perturbação da Acumulação se desenvolve estima-se que a genética tenha contribuído em metade.

Além disso, há estudos que têm mostrado disfuncionalidades na capacidade de conceber, planear e executar tarefas, que “resultam frequentemente em dificuldades na atenção, na organização e na tomada de decisão”.

Do ponto de vista do funcionamento psicológico, parece haver “uma sobrevalorização dos objetos” que potenciam estes comportamentos.

Por fim, é possível estabelecer uma relação com alguns traços de personalidade, sendo que a doença “está associada a personalidades mais indecisas,  perfeccionistas e procrastinadoras”. Sabe-se também que acontecimentos traumáticos tornam mais provável o desenvolvimento futuro desta perturbação.

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Estas pessoas têm habitualmente outras doenças mentais?

Sim. O psiquiatra Sérgio Martinho frisa que, de modo geral, pelo menos 60% das pessoas com Perturbação da Acumulação têm outra doença psiquiátrica. “Os estudos revelam que a Perturbação Depressiva e a Perturbação de Ansiedade Generalizada são as patologias diagnosticadas mais comummente nestes doentes”. Além disso, cerca de vinte por cento das pessoas com este diagnóstico podem ter também Perturbação Obsessivo-Compulsiva.

Recentemente tem sido dada alguma atenção à presença de Perturbação de Hiperactividade e Défice de Atenção (PHDA) em muitos destes doente porque “têm sido levantadas as hipóteses de o comportamento de acumulação poder ser, na verdade, uma resposta a outros tipos de deficiências, nomeadamente dificuldades de atenção e de organização”.

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Como se trata a Perturbação da Acumulação?

Um dos grandes desafios do tratamento e o ponto de partida começa por ser o doente a reconhecer que tem uma doença, o que não acontece em muitos casos.

O tratamento com mais evidência comprovada, explica o psiquiatra, é um tipo específico de psicoterapia, a cognitivo-comportamental, que se foca nos pensamentos e comportamentos de acumulação do doente.

Esta terapia, diz o médico, inclui educação sobre a doença, treino de competências em decisão e organização (ou seja, o que fazer perante determinada situação) e ajudar a “desmontar” as crenças sobre a acumulação — o que os especialisstas habitualmente chamam “reestruturação cognitiva”.

Tudo isto é feito de forma progressiva e envolve visitas a casa para limpeza. É um tratamento demorado que em muitos casos reduz os comportamentos de acumulação, mas é difícil que os consiga eliminar por completo.

Em relação ao uso de medicação, o médico refere que não está ainda devidamente provado que esta seja eficaz. Apesar disso, como muitos doentes com Perturbação da Acumulação têm outras doenças, como ansiedade e depressão, podem ser usados medicamentos para tratar essas perturbações.

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Toda a acumulação de objetos é sintomática desta doença?

Não. Há várias outras razões pelas quais a pessoa acumula muitos objetos e tem a casa desordenada. Nem todos são Perturbação da Acumulação.

  • A falta de apoio psicossocial a pessoas idosas, já com dificuldade de mobilidade ou com demência, pode levar a ambientes muito desordenados e muita acumulação de lixo e objetos desnecessários, mas isso acontece porque a pessoa não tem capacidade de cuidar da casa sozinha.
  • Algumas pessoas com Perturbação Obsessivo-Compulsiva podem acumular muitos objetos e viver em ambientes desordenados por motivos que estão relacionados com as suas obsessões ou compulsões — como não apanhar nada que esteja ou caia no chão com medo de ficar contaminado com germes ou não deitar certas coisas fora por achar que isso atrai azar.
  • Há a “simples” desorganização ou desordem, quando há grande quantidade de objetos acumulados e fora do sítio, mas isso acontece por falta de vontade ou interesse em arrumar, não por incapacidade de deitar os objetos fora provocada por uma doença mental.
  • Além disso, há ainda o colecionismo, uma forma de acumulação de objetos metódica e organizada e motivada por um interesse pessoal em selos, moedas, latas, livros antigos, etc.