Antes mesmo de o governo de Luís Montenegro estar completo e validado o seu programa no parlamento, já houve protestos e manifestações de rua, por enquanto sem envolvimento formal de partidos ou de organizações sindicais, como se fossem iniciativas espontâneas de sectores em desassossego na sociedade portuguesa.

Como estamos em Abril, à beira do cinquentenário da Revolução, ressuscitaram-se os velhos “slogans”, caídos em desuso, combinando os “fascismos não passarão“ com os mais “modernos”, servidos de bandeiras arco-íris à mistura  com exotismos em versão “woke”

Lestas, as televisões não falharam na recolha de depoimentos de “activistas”, uma nova categoria de militantes – ou de pseudo – de “causas”, desde as “climáticas” que dão sempre jeito, até aos “racismos”, “machismos” e ‘xenofobias” que dominam o imaginário de gente inquieta.

Estes grupos, que se organizam e respondem a convocatórias normalmente geradas nas redes sociais, inspiram-se nos seus ícones e “deuses” próprios, e por aqui como noutras fronteiras, usam e abusam dos telemóveis para filmar e “reportar” os desfiles em que participam, onde, por vezes, os extremos se tocam e conflituam.

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A par destes movimentos de “activistas” – preocupados com eventuais entraves ou limitações à sua actividade ou expansão de credos -, há os sectores com maior capacidade reivindicativa, zangados por natureza e alegando abundante capital de queixa.

O funcionalismo público, por exemplo – apesar do emprego garantido,  das vantagens de horário e de outras facilidades sem equivalência nos privados – ilustra bem essa categoria de descontentes, que, segundo o coordenador da Frente Comum, exige “desde já (…)  um aumento intercalar de 15%, com um mínimo de 150 euros para todos os trabalhadores”. 

No mesmo âmbito, mas com mobilização aparte, estão as forças de segurança e militares que se acham com tanto direito a “subsídios de risco” como os agentes da PJ, além dos professores na sua aspiração já antiga pela reposição do tempo de serviço, cuja contagem esteve congelada por imperativo da troïka.

Movidos pela convicção quase unânime dos “analistas” de que este governo é de curta duração – com suporte, até, em sondagens “prêt-à-porter” – todos se empenham na “luta” com redobrado afã, confiados nos “cofres cheios”, conforme a narrativa em vigor, lançada com sucesso pelo executivo socialista cessante.

Talvez por ter interiorizado que o governo é de “combate”, Luís Montenegro rodeou-se de um elenco de ministros e de “ajudantes” quase tão numeroso como os últimos de António Costa, indiferente a uma das “bandeiras” do Chega, defensor da redução de pastas e de gabinetes.

O quadro é deveras desafiante para a coligação minoritária, até porque o inquilino de Belém resolveu enredar-se no sarilho das “gémeas brasileiras”, por interposto filho, e o tema que parecia adormecido, reapareceu em força graças ao relatório do IGAS, entretanto concluído e divulgado para consolo mediático.

Perante este cenário instável, ou Montenegro arrefece as expectativas para não decidir sob pressão, ou assistiremos à multiplicação de protestos de rua, aliás, já prometidos por Mariana Mortágua, a propósito do 25 de Abril, nos outdoors com assinatura do Bloco.

Há muito que se sabe – mas não se quer reconhecer – que a maioria das redacções, mesmo dos media ditos de referência, é influenciada por gente de esquerda, entre jornalistas e comentadores, designadamente, por aqueles que desfrutam de lugar cativo nas televisões.

A quem duvide, basta que siga, doravante, mais atentamente, o escrutínio mediático que já começou, bem diferente do “jornalismo pé de microfone” que poupou, sistematicamente, com raras perguntas incómodas, os governantes e dirigentes socialistas.

Agora, sim, Pacheco Pereira tem razão e não em janeiro quando identificou, num artigo no Público, o que designou como “o continuo político-mediático“ que “muda o carácter daquilo a que chamávamos jornalismo”.

Ora Pacheco Pereira antecipou, nessa altura, premonitório, uma realidade que só agora se verifica, contaminando, com poucas excepções, o terreno mediatizado.

Os “analistas” municiaram-se já de “artilharia pesada” para “encostar à parede” o novo governo. E a AD e o primeiro ministro terão de habituar-se a esse escrutínio permanente e implacável, que vigiará todos os passos e declarações de ministros e deputados, valorizando ainda tudo o que for mais tonitruante, vindo de Pedro Nuno Santos ou de André Ventura, mais próximos nos objectivos  do que se pensa.

Percebeu-se logo nos primeiros dias de governação que Pedro Nuno iria “brindar” Montenegro com palavras fortes para consumo interno e mediático. “Chantagem” e tendência para a “vitimização, lamentação e queixume” foram os “mimos” já atribuídos por Pedro Nuno ao seu adversário, com farto eco nos jornais e televisões.

E tudo isto porque Montenegro ousou chamar o PS à responsabilidade no discurso de posse, convidando os socialistas, a não se comportarem como “forças de bloqueio”, o que apenas contribuiria para alegria e conforto do Chega, além das franjas de esquerda.

E não errou o alvo. Pedro Nuno nem compareceu à cerimónia de posse, um acto feio e descabido, que tentou contornar de uma forma arrogante – com um “não pude estar presente, ponto final” -, falhando a investidura de um governo democraticamente eleito.

Nessa atitude típica de um radicalismo infantil, Pedro Nuno colou-se às ausências dos líderes do PCP, Bloco e Livre, mais parecendo estar tudo combinado entre todos. Não lhe ficou bem.

Em contrapartida, apressou-se a enviar uma carta ao primeiro ministro, com ampla divulgação nos media, na qual manifestou a sua disponibilidade para “um amplo consenso político e partidário”, que permita “a valorização das carreiras e dos salários dos trabalhadores da Administração Pública, em especial dos profissionais de saúde (de todos, não apenas dos médicos), das forças de segurança, dos oficiais de justiça e dos professores”.

Fora do governo socialista, que adiou e deixou em “banho maria”, sem resolver, estas benfeitorias na administração publica, Pedro Nuno tomou a dianteira para pressionar o governo, numa linha de elementar de raciocínio: se o assunto não for decidido no curto prazo fixado, a culpa é da AD. Se for solucionado, a contento das reivindicações, o mérito caberá a Pedro Nuno e ao renovado PS.

Convenhamos que não está mal pensado para quem fez profissão de fé ao enfatizar que “o trabalho do PS não é suportar ou ser bengala do PSD”. Ficou à vista.

Ao dar este passo, Pedro Nuno procura desmentir as suas posições extremadas, que lhe têm trazido dissabores e que estão longe de serem consensuais no partido.

José Luís Carneiro, por exemplo, que disputou com ele a liderança, e que averbou um resultado promissor nas eleições internas de quase 40%, tem vindo a insistir na ideia – defendida, aliás, durante a campanha -, de que não adianta ao PS “demonizar” um eventual acordo com o governo, designadamente, em matérias sensíveis e fundamentais como a Justiça.

Carneiro corre em “pista própria” e é um assumido defensor de “pontes” com o PSD, perfilando-se como sério candidato a render Pedro Nuno, se este tropeçar na liderança.

Mas não é o único socialista a pensar pela sua cabeça. Luísa Salgueiro, presidente da Associação Nacional de Municípios, que foi apoiante de Pedro Nuno nas eleições internas, distanciou-se do líder ao preconizar um “equilíbrio negocial” com a AD em matéria orçamental, “sem exageros e sem extremismos ideológicos“, evitando “uma atitude de costas voltadas”, por entender ter sido essa a opção dos portugueses e o seu sentido de voto.

Observa-se, portanto, que sobram as dúvidas no PS sobre o radicalismo de Pedro Nuno, e se essa sua sobranceria será o melhor caminho para trazer de volta o meio milhão de eleitores perdidos, que fizeram tombar a votação no partido de 41% para 28%.

Francisco Assis, outro moderado que, para surpresa de muitos, optou por apoiar Pedro Nuno – algo visto como contranatura -, já previa, antes das Legislativas, a “reconfiguração radical do sistema partidário” e preconizava, com pontaria, que após as eleições “podemos estar de novo confrontados com uma situação em que tenha de haver um diálogo muito maior entre o PS e o PSD e o CDS”. Não se enganou.

Recorde-se que Assis, pragmático, esteve na Universidade de Verão do PSD, a convite de Montenegro, onde já sustentou perante os jovens social democratas, que é preciso que os dois principais partidos (PS e PSD) “assumam a responsabilidade” e o diálogo em assuntos estruturais para o país, que “não se hostilizem” entre si e que “nalguns momentos se entendam mesmo”.

Outro “peso pesado” do PS, e ex-ministro das Fianças, que se gaba das “contas certas” e dos “excedentes orçamentais”, também não ficou parado. E enquanto afeiçoa, ao que consta, o regresso ao comentário político, em reforço da sua nunca desmentida ambição de liderar o partido, Fernando Medina, desdobrou-se em entrevistas e noutras intervenções avulsas, nas quais defendeu o seu “legado” para marcar o terreno que sente pertencer-lhe.

Finalmente, Sérgio Sousa Pinto, outro “moderado” e crítico da “geringonça”, que alinhou ao lado de Pedro Nuno, descobriu nele maravilhas a ponto de tê-lo considerado, não “o radical esquerdista”, mas “uma ilha de dignidade”.

Sousa Pinto deve andar distraído há algum tempo, ou precisa de um desenho – arte em que revelou qualidades na bancada parlamentar – para perceber o que é “um homem moderado e dialogante”, que vislumbra em Pedro Nuno…

Em resumo: se perder as próximas Europeias, Pedro Nuno terá de enfrentar uma quase garantida contestação interna… e talvez lhe faça bem. O futuro político próximo, seja o tempo do governo ou das oposições, vai à boleia da incerteza…