A menos de um mês de se comemorar o cinquentenário do 25 Abril, são hoje empossados os 17 ministros escolhidos, em rigoroso sigilo, por Luís Montenegro para integrarem o XXIV Governo Constitucional.

Em contraste com a turbulenta reabertura do Parlamento, que içou Aguiar Branco ao lugar de segunda figura do Estado, à quarta tentativa – com muito barulho de permeio -, a formação do novo elenco executivo decorreu sem incidentes nem indiscrições, mantida rigorosamente fora da esfera mediática.

Para quem tenha memória curta, recorde-se o “toto-ministro” que, ilustrou, vezes sem conta, a comunicação social, lesta em palpites e sempre ávida de contornar formalismos, havendo situações em que os candidatos eram apregoados na praça publica, antes mesmo da lista chegar a Belém, às mãos do Presidente.

Aliás, há dois anos, por esta altura, Marcelo Rebelo de Sousa decidiu mesmo cancelar a audiência com António Costa por ter sabido da composição do governo pela comunicação social, algo então comentado pelo primeiro ministro, com soberano desassombro, ao dizer que “se houve uma fuga é lamentável” e os jornalistas estarão “de parabéns” por isso.

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A “fuga” sobre o elenco de governantes, indiciaria, afinal, a balbúrdia e o desnorte que se seguiriam, ditando o colapso prematuro do executivo.

Pelo menos na recuperação de regras princípio, fundamentais à imagem e ao regular funcionamento das instituições, Luís Montenegro já marcou pontos.

É um governo que precisa de articular  saber técnico com saber político, e dispor, adicionalmente, de uma blindagem apropriada para um previsível e vigoroso confronto com as oposições, à esquerda e à direita, que não irão poupá-lo.

São várias as incógnitas que se acumulam, portanto, no horizonte deste governo. A menos má é atribuir-lhe, à partida, um tempo de vida não superior a dois anos, até Aguiar Branco renunciar ao mandato de presidente da Assembleia da República para ser “rendido” por um socialista – Francisco Assis, ou outro – nos termos do acordo celebrado entre os líderes de ambos os partidos.

A hipótese de a AD cumprir meia legislatura não é despicienda para o PS, e até pode ser útil para se reorganizar internamente, em função da nova liderança de Pedro Nuno Santos.

Em contrapartida, confia-se, talvez, que Luís Montenegro não “tire o sono” à legião de “boys” e “girls” enquistados no aparelho de Estado, como judiciosamente lhe foi recomendado, em editorial, no último “Expresso”, no qual se propõe que mexa “o menos possível nos cargos dirigentes dos ministérios” e resista “às demissões e reversões” (…) aproveitando no Estado quem sabe meter a máquina a rolar”. Recado dado.

Neste cenário, haveria, também, folga para preparar as listas e afinar estratégias para as próximas eleições Europeias, em junho, que tanto Montenegro como Pedro Nuno não querem perder nem saírem enfraquecidos a favor do Chega.

Por isso, se é certo que a abstenção nas Europeias costuma ser elevada – até porque os eleitores portugueses, embora sensíveis ao valor material dos fundos, têm uma relação distanciada com o que se passa em Bruxelas ou Estrasburgo -, já o caso poderá mudar de figura se estas eleições forem vistas como outra “prova de fogo” para as lideranças do PSD e do PS.

Antes, em maio, haverá, ainda, novas eleições regionais na Madeira, um “protectorado” social-democrata tradicional, que há muito os socialistas locais ambicionam, e, agora, com a concorrência do Chega, que se “estreou” na região com quatro deputados eleitos.

A repetição das regionais madeirenses – depois de a AD ter ficado a um mandato da maioria absoluta -, não deixará de ser vista como outro teste à coligação e ao PS, com inevitáveis reflexos no continente.

Parece, pois, razoável admitir que, em função das sucessivas consultas eleitorais previstas, convirá ao PS não agitar muito as ondas, para ter uma certa “folga” na preparação dos embates que se seguem, enquanto o Chega apostará em mais ruido.

Fora desta equação fica a extrema esquerda do PCP e do Bloco, que alinhavam outras contas perante o fantasma da extinção, e a agravante de terem agora o Livre a aproveitar-se das suas fraquezas.

Ao contrário do BE, o PCP ainda controla uma significativa força sindical, que não hesitará em usar se sentir o “chão a fugir-lhe debaixo dos pés”

Ao novo governo caberá, portanto, gerir as expectativas, amplificadas por uma persistente campanha, baseada nos “excedentes orçamentais”, como se herdasse uma formidável “almofada” financeira, suficiente para abranger todas as reivindicações corporativas que António Costa foi mantendo em “lume brando”.

Será esse o primeiro grande desafio que se coloca à coligação, e à resistência dos seus ministros.

Se correr bem, a AD poderá surpreender com uma longevidade que ninguém, de momento, ousa prever, embora fosse a melhor alternativa para Pedro Nuno “arrumar a casa”.

Nas despedidas, António Costa inventou pretextos para conferências de imprensa e visitas forçadas, com o mal disfarçado propósito de elogiar o seu governo.

Entretanto, o Parlamento acolhia os recém-eleitos – e entre estes, os deputados estreantes, empenhados em conhecer as suas liturgias -, enquanto as televisões se desdobravam em animados painéis de comentadores, cada vez mais parecidos com os “treinadores de bancada” das andanças futebolísticas.

No dia seguinte a ser conhecida a composição do governo, foi sintomático que mais do que um jornal titulasse na primeira página que se tratava de “Um governo de combate”. A coincidência não foi acidental.

De facto, não faltarão as razões para ser um “governo de combate” perante o que lhe vai ser imposto no curto prazo,

À pala das “contas certas” – e da demagogia do “excedente orçamental”  -, a maioria socialista deixou o País num estado lastimoso, desde a Saúde, à Educação, à Justiça ou à Segurança e à Defesa.

Assistiu-se à degradação constante da administração pública, sujeita a medidas erráticas e a prioridades obtusas que afectaram gravemente o seu funcionamento.

O PS empenhou-se a fundo na captura do Estado e desprezou a vida das pessoas, aliciadas com “rebuçados” para mitigar a sua pobreza e  frustração.

Sem oposição digna desse nome, e com um volume de fundos europeus único, António Costa e o seu núcleo político duro, lograram desbaratar as potencialidades de uma maioria que lhes “caiu no regaço”, sem acautelar as reformas de que o país carecia.

Em lugar do “combate” por melhores condições de vida dos portugueses, o governo cessante “arrastou os pés“– e disso sabe Pedro Nuno Santos -,   corroído por uma insólita sucessão de “casos e casinhos”, consentindo ainda um visível recuo na competitividade e na inovação.

Nestes oito anos de governação, entre a “geringonça” e a soberba, o PS conseguiu a proeza de fazer “marcha atrás” com danos para a Fazenda, quer ao desencadear as famosas reversões, ditadas por compromissos ideológicos, quer ao repor as 35 horas na função pública, alegando não incorrer no aumento da despesa. Foi uma fantasia e a receita para o desastre, como cedo se confirmou.

A reanimação da esperança deve ser, por isso, o primeiro desafio do novo governo.  Tarefa complexa, com sectores profissionais nervosos, apostados em não dar tréguas, fixando prazos irrealistas com cadernos reivindicativos exigentes.

O terreno está “armadilhado” com a rábula dos “cofres cheios”, o que serve apenas de enquadramento para que as corporações de interesses não queiram conceder moratórias.

Ou seja: polícias, militares, professores, oficiais de justiça, guardas prisionais, profissionais de saúde, e outros, vão pretender que Montenegro decida em contrarrelógio o que o poder socialista “empurrou com a barriga” e deixou por resolver.  O capital de queixa acumulado e as promessas eleitorais vão sentar-se à mesa, sem margem para grande flexibilidade negocial.

Como pano de fundo, estará o tripartidarismo lançado como mote por Ventura, faltando apurar se será um fenómeno transitório ou se veio para ficar. E essa dúvida constituirá, talvez, ironicamente, o “seguro de vida” de Montenegro e do seu governo.

Em boa verdade, a ninguém apetece a ruptura no imediato. Os instalados, incluindo jornalistas e intelectuais de relevo, entretém-se a anatemizar a extrema direita e os seus eleitores, ao contrário do que nunca fizeram com o activismo radical bem-sucedido à esquerda.

Mas é destes influencers que vive a “bolha” mediática. A “futebolização” da política não poderá, contudo, transformar a governação num jogo da “Liga dos Últimos”, à qual o País desceu, embora mereça pertencer e disputar outro campeonato europeu….