Aproveitando o feriado nacional do Dia do Presidente (President’s Day), este ano comemorado a 21 de Fevereiro, juntei-me em casa do meu amigo Giuseppe Cataldo para conversarmos sobre o Telescópio Espacial James Webb (JWST na sigla inglesa). Numa altura em que o mundo assiste atónito a (mais) um conflito armado, o JWST vem-nos lembrar quão vital é a cooperação entre as nações para um fim que a todos beneficie. Para que se saiba, este grande projecto não teria sido possível sem a colaboração de três importantes organizações: a NASA (National Aeronautics and Space Administration), a ESA (European Space Agency) e a CSA (Canadian Space Agency).

A razão do encontro foi simples: o lançamento do JWST a partir da Guiana Francesa ocorrido há dois meses (25 de Dezembro) e o facto de Giuseppe Cataldo ser um dos engenheiros da NASA que participou na preparação desta missão, que levou anos a concretizar-se. Para um leigo na matéria como eu, nada melhor que ouvir directamente de quem pode falar com propriedade sobre este tópico fascinante. O texto que hoje aqui trago é reflexo dessa conversa.

O JWST foi lançado ao espaço para cumprir essencialmente quatro objectivos, todos eles interligados. Primeiro, detectar a radiação emitida pelas primeiras estrelas que se formaram no universo, há cerca de 13.4 biliões de anos. Isto é um avanço considerável em relação ao Telescópio Espacial Hubble (HST), que “só” conseguiu chegar aos 13 biliões de anos, altura em que se estima se terem formado as primeiras galáxias. Ainda assim, entre os 13.4 biliões de anos e aquilo que se considera ter sido o início do universo (13.8 biliões de anos), ficam a faltar 400 milhões de anos. O JWST não conseguirá detectar radiação referente a este período simplesmente porque esta não estava a ser emitida. Esta foi uma fase em que a matéria e a luz estavam como que fundidas, tornando o universo opaco. A luz só começa a viajar pelo universo ao fim dos primeiros 400 milhões de anos, quando se separa da matéria. Dito assim parece simples, mas nem quero imaginar a investigação que foi precisa para aqui se chegar.

Felizmente, o estudo dos primeiros 400 milhões de anos tem sido possível por outra via, neste caso através da medição das chamadas ondas gravitacionais, uma espécie de ondulações na curvatura do espaço-tempo que se propagam pelo universo. As primeiras ondas foram geradas imediatamente com a explosão inicial (aquilo a que chamamos Big Bang). Einstein já havia previsto, em 1916, a existência destas ondas na sua teoria da relatividade geral, mas só em 2015 se provou a sua existência. Há uma racionalidade no universo que permite à mente humana conhecê-lo antes sequer de se chegar à evidência.

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O segundo objectivo é o estudo da formação e evolução das galáxias. As actuais galáxias podem assumir formas bem definidas como uma elipse ou espiral, mas as primeiras que se formaram eram tudo menos regulares. O estudo comparativo entre umas e outras permitirá perceber melhor a razão das diferenças. O terceiro objectivo é o estudo da formação e evolução dos sistemas solares. Já lá vai o tempo em que pensávamos que o nosso sistema solar era o único existente, para não dizer o centro do universo. Na verdade, há milhões de sistemas solares como o nosso. Finalmente, o quarto objectivo prende-se com a caracterização dos cerca de 5000 exo-planetas (assim chamados por se situarem fora do nosso sistema solar) que foram sendo descobertos ao longo dos anos. O JWST será o primeiro telescópio a fotografar estes planetas.

À boa maneira americana, o JWST começou a ser pensado com muita antecedência. A história parece mesmo ser verdadeira, mas conta-se que o primeiro rascunho do formato do telescópio foi feito num guardanapo pela mão do físico e cosmólogo John Mather, prémio Nobel da física em 2006 e colega de Giuseppe Cataldo na NASA. O episódio passou-se em 1989, uns meses antes do lançamento do Hubble, precisamente num encontro de cientistas onde se discutiam os próximos passos. Um rascunho é sempre um rascunho, mas o que Mather imaginou parece não ter fugido muito da realidade. Há mentes assim, brilhantes.

A grande diferença do JWST para o seu antecessor é que enquanto este detecta a chamada radiação visível (trocado por miúdos, isto significa que o Hubble “vê” como nós, humanos, vemos), aquele já é capaz de detectar radiação infravermelha. A vantagem aqui é que a radiação infravermelha consegue penetrar as regiões de poeira e gás cósmico sem ser absorvida pelas mesmas (o mesmo não acontece com a radiação visível). No entanto, para ser capaz de detectar esta radiação, o JWST tem de operar a muito baixas temperaturas, daí ter sido colocado a 1.5 milhões de Km da Terra, no sentido oposto ao Sol (o Hubble situa-se a 570 Km da Terra). Para além disso, foi equipado com um escudo solar com cinco camadas. É como estar voltado de costas para o Sol com cinco guarda-chuvas na cabeça.

A história já vai longa, mas também longo, muito longo, foi o caminho para aqui chegarmos (13.8 biliões de anos é quase inconcebível para a mente humana, mas tudo aponta nesse sentido). Há quem, obstinada e obcecadamente, veja em tudo isto uma forma de “desaprovar” a existência de Deus. Só que, da mesma maneira que o JWST não está agora em órbita por acaso, também nós não “somos todos poeira das estrelas”, para usar a conhecida expressão do (in)suspeito Carl Sagan. O homem moderno parece muitas vezes incapaz de ir além do que a ciência empírica demonstra. Diria até que parece ter receio (ou, quem sabe, falta de coragem), de se colocar a si próprio as questões fundacionais, como de onde vimos, para onde vamos e qual a razão de tudo isto. É bom também não esperar que a ciência “prove” a existência de Deus. Quem assim pensa está a reduzir o Transcendente a uma equação matemática ou a um tubo de ensaio. A melhor atitude é mesmo continuarmo-nos a deixar maravilhar por todo o caminho que a ciência vai desbravando e pensar que não estamos aqui por acaso, mas que há um propósito e sentido para as nossas vidas. Se não for assim, somos a mais miserável das criaturas.