Esta semana, Howard Stern, o apresentador radiofónico, chamou “fucking asshole” ao tenista Novak Djokovic e sugeriu que este fosse banido das competições. Porquê? Porque Djokovic recusa a vacina da Covid. Na semana anterior, Stern criticara Oprah Winfrey por organizar festas durante a pandemia: “Estão todos a apanhar Covid. Todos estão doentes. Há pessoas com 40 graus de febre. Não quero ter febre de 40 graus, não quero adoecer, por isso vivo fechado. Mas todos andam por aí à solta. A Oprah recebe amigos em jantares.

Para quem não conhece, noto que Stern fez uma carreira de décadas a expensas da afronta e do deboche. Durante anos, o programa dele na rádio de sinal aberto foi regular e pesadamente multado por “obscenidade”, leia-se graçolas alusivas a tabus sexuais e demais ingredientes de “escândalos”. Nos tempos que correm, pelos vistos, Stern está em clausura permanente, a denunciar à distância os infractores das “regras” e dos “conselhos” das autoridades de saúde. Seria fácil concluir que o homem envelheceu, ou enlouqueceu – e ambas as conclusões são provavelmente verdadeiras. O problema é que a velhice e a loucura de Stern não são caso único entre as figuras da dita “contracultura”. São o padrão.

De Hollywood, o maior antro de choninhas “virtuosos” do planeta, não vale a pena falar. Já a imprensa musical anglo-saxónica, que continua a enaltecer os hábitos desregrados dos artistas pop, adoptou sem qualquer hesitação os protocolos de “combate” (desculpem) à Covid e de combate aos infiéis do culto. As raríssimas personalidades do meio que ousam revoltar-se contra os abusos das restrições, das segregações e dos confinamentos são tratadas abaixo de violadores de criancinhas (bastante abaixo, aliás, sobretudo se tivermos em conta os esforços da cultura “woke” para reabilitar a pedofilia). Eric Clapton e o até aqui consensualmente reverenciado Van Morrison são os novos párias, vítimas de insultos e, claro, de “cancelamentos”. Uma canção “conspiracionista” de Ian Brown, antigo cantor dos Stone Roses, foi removida do Spotify. (Sendo negro, o “rapper” Busta Rhymes é livre de afirmar “Fuck your mask!” e merecer apenas uma “contextualização” paciente da parte dos “media”). Ou seja, é perfeitamente tolerável, e louvável, que um “rocker” se vanglorie na capa de uma revista da ocasião em que deglutiu 17 linhas de cocaína, nove “groupies” e uma mobília de suite hoteleira. O que o “rocker” não pode é esquecer-se de alertar para a importância da “terceira dose”. E de deixar um aviso: proteja-se a si e aos outros. A irreverência tem limites, e os limites são a ausência de vacina, de máscara e de “distanciamento social”.

Não fora o aroma a Orwell, e à demência institucionalizada do estalinismo, tudo isto teria certa graça. É certamente engraçado ver Marilyn Manson, cançonetista famoso por ligações ao “satanismo” (?) e pelo boato de que teria extraído duas costelas para praticar sexo oral com ele próprio, conceder entrevistas onde descreve a sua mansa rotina nos confinamentos, que cumpre religiosamente – ou satanicamente, não sei. E é engraçado ver comunistas empedernidos, passe a redundância, aconselhar, ou exigir, que sejamos vacinados por ícones do capitalismo do calibre da Pfizer ou da Johnson & Johnson. Tom Morello, guitarrista dos Rage Against the Machine, é um exemplo divertido. Morello, que venera os terroristas e guerrilheiros da praxe, defende o uso da violência – armada, se necessário for – para demolir o “sistema”. Em simultâneo, adopta e publicita sem hesitação ou ironia os mandamentos do “sistema” para “prevenir” o contágio pelo bicho.

Que bicho mordeu a esta gente? Faço uma ideia ou duas. É evidente que, por hipocondria, oportunismo, instinto totalitário ou gozo discriminatório, os “rebeldes” de ontem alinham escrupulosamente com o poder de hoje, do qual são propagandistas zelosos. É possível, e até provável, que a alegada “rebeldia” nunca tivesse passado de truque promocional. E é possível, e quase garantido, que a troca da “rebeldia” pela aceitação entusiástica das imposições governamentais seja mais um truque, capaz de lhes assegurar a manutenção da popularidade. A questão é exactamente essa: o que há na Covid que removeu o charme do “outsider” e o transformou num anacronismo consensualmente deplorável? Sobre isto não faço ideia nenhuma. Só sei que não gosto.

Por acaso, também não gosto de qualquer das figuras que refiro acima. Mas gosto ainda menos de um mundo sem lugar para a divergência ou a excentricidade, a provocação ou a mera dúvida, principalmente quando se opõem ao maior ataque à liberdade que o Ocidente conheceu desde há décadas. Para cúmulo, nos ataques anteriores o Ocidente unia-se para resistir-lhes. Agora une-se para legitimar os ataques – e, imagine-se, criá-los. A unanimidade é triste. E cega. E perigosa. Enquanto pretexto, a Covid sumirá não tarda. Infelizmente, o seu legado de trevas vai reaparecer a cada brecha: a supressão da dissidência não é reversível a breve prazo. A “contracultura” morreu. E a “cultura” mete medo, nos dois sentidos da expressão.

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