A Suécia e a Finlândia, países com uma longa história de não alinhamento militar, manifestaram a intenção de apresentarem conjuntamente em Junho o pedido formal de adesão à NATO. Apesar da colaboração que estes dois países têm com esta coligação militar, o facto é que, até há bem pouco tempo, estavam ambos longe de quererem tornar-se seus membros de pleno direito. A invasão da Ucrânia por Putin mudou por completo a estratégia de neutralidade destes estados nórdicos. Mais, a partir de 24 de Fevereiro, com a invasão de um país soberano em grande escala, até então uma hipótese apenas académica, o equilíbrio europeu de segurança, tal como o conhecíamos após a Guerra Fria, desapareceu. A confiança na Rússia de Putin, já abalada com a anexação da Crimeia em 2014, idem.

É inequívoco que a chegada destes países nórdicos à NATO fortaleceria a estrutura europeia de defesa, aumentando as capacidades de projecção de força da aliança, dotando-a de meios e acesso estratégico sólido à região norte da Europa. Os cinco países nórdicos alcançariam assim uma potencial unidade de acção, numa comunidade de defesa que dá garantias de defesa mútua, bem como de profundidade estratégica, aumentando a segurança e a capacidade de defender, não só o norte da Europa, como também a zona transatlântica e o acesso ao Ártico e todos os estados do mar Báltico, com a ilha de Gotland a servir de base avançada para esta defesa.

Factos interessantes emergem deste contexto, como, por exemplo, a narrativa segundo a qual Vladimir Putin é um bom estrategista e que a Rússia estava devidamente preparada para a intervenção militar que está a realizar. Os clamorosos falhanços militares, como a derrota na batalha de Kiev, a eliminação da pérola da esquadra do Mar Negro, o Moskva, os erros logísticos e as inacreditáveis falhas no sistema de comunicações “Era” – um sistema de comunicação militar criptografado, introduzido pelo Kremlin no ano passado e que prometia funcionar “em quaisquer condições” de combate – desmentem esta narrativa. Porém, mais do que estes factos, é a atitude do líder russo e da sua entourage que está a contribuir para o reforço de uma NATO que estava em perda, criando um consenso de legitimidade dentro desta organização, promovendo uma união de acção entre a NATO, a UE, os países que a compõem e muitos outros no Mundo, com um relevante apoio popular em todos eles à causa ucraniana, numa unanimidade mundial que não era percebida desde os ataques de 11 de Setembro de 2001.

Assim, questiono: vai a NATO expandir-se ainda mais? A questão está mal colocada, pois a NATO não se expande por vontade dos seus membros, mas sim quando os países não-membros solicitam a adesão. O artigo 10.º desta organização estabelece que a adesão está aberta a qualquer “Estado europeu em condições de promover os princípios deste Tratado e de contribuir para a segurança do Atlântico Norte”. É isso que a Suécia e a Finlândia se preparam para fazer e foi isso que aconteceu ao longo da história da Aliança. Alemanha, Turquia ou Espanha não estão entre os fundadores da NATO e solicitaram a sua adesão, sendo agora membros de pleno direito. Com o fim da guerra fria, os países do antigo Bloco de Leste entraram quase todos por sua iniciativa.

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Sobre este último assunto é muito interessante recuperar os factos, não as narrativas das bases da NATO e do intervencionismo do Ocidente na Rússia e nos países “da sua orbita” como factores responsáveis pela situação actual na Ucrânia. Por exemplo, num artigo de 2019, o ex-ministro das Relações Exteriores da Rússia, Andrei Kozyrev, clarifica com factos relevantes, pois foi protagonista desses mesmos factos, a forma como a Polónia, a República Checa e a Hungria se sentiram legitimadas para solicitar a adesão à organização de defesa do atlântico norte. Neste artigo* de Maio de 2019 Kozyrev é inequívoco ao afirmar que a expansão da NATO para Leste resultou da inabilidade política do então presidente Yeltsin (de quem foi ministro) e da pressão dos Estados do antigo bloco de Leste/ ex-soviéticos em se juntarem rapidamente a esta organização. De facto, havia o temor (hoje justificado) de um retrocesso em todo o processo de desagregação do império soviético e não a pressão do Ocidente em tê-los a bordo.

Deste modo, que fique claro que a expansão da NATO não justifica a guerra na Ucrânia. A justificação para a guerra foi e é a incapacidade de Putin em perceber que a Ucrânia, independentemente de suas raízes culturais e até étnicas, construiu uma identidade distinta da russa, dos quais o movimento de independência de 1991, e as revoluções de 2004–05 e de 2013–14 são exemplo. Nesta guerra, a Ucrânia demonstrou para sempre que tem uma identidade própria e única. Entre russófonos inclusive. Os ucranianos, para além de lutarem e morreram pelo seu país, fortaleceram-se perante a adversidade criada por Putin. Actualmente, a grande diferença entre a Ucrânia e a Rússia é que os ucranianos são hoje, mais do que nunca, cidadãos de seu país, enquanto os russos são súbditos do seu aspirante a imperador.

* Kozyrev, Andrei, Capitulo 19 – “Russia and NATO Enlargement: An Insider’s Account” em “Open Door: NATO and Euro-Atlantic Security After the Cold War”,  Foreign Policy Institute (May 28, 2019)