O sucesso inicial da Política Agrícola Comum (PAC) permitiu que a generalidade da população da União Europeia (UE), tivesse à sua disposição alimentos seguros a preços acessíveis, vivendo com o conceito, quase adquirido, de “segurança alimentar”.

Na verdade, nem nas crises anteriores, como a pandemia do Covid 19, as secas meteorológicas ou a escalada dos preços da energia, abalaram a estabilidade alimentar em quase todas as regiões da Europa. Porém, a presente guerra entre a Rússia a Ucrânia evidencia uma consequência dramática no sistema alimentar mundial. A impossibilidade de continuar os normais abastecimentos de cereais, de oleaginosas, e muitos outros fatores de produção provenientes destes países, irão originar ruturas provisórias no aprovisionamento colocando-se, talvez, o maior desafio na alimentação da União Europeia desde o final da II Grande Guerra.

Acredito, contudo, que estes infelizes acontecimentos poderão devolver a devida valorização da Política Agrícola Comum (PAC) e, acima de tudo, a uma reavaliação do caminho que se deseja para esta no futuro.

Não deverá o princípio da produção de alimentos seguros, para toda a população, continuar a ser uma prioridade?

Não será este garante da produção que nos permite manter a soberania e a segurança alimentar na Europa?

Não será a segurança alimentar um requisito para a paz?

O desafio de alimentar toda uma população europeia em segurança tornou-se assim uma encruzilhada. Não podemos continuar a confundir uma Política Agrícola Comum com uma estratégia ambiental, correndo o risco de não garantirmos uma coesão política europeia que nos assegure uma estratégia de estabilidade alimentar e, por outro lado, não atingirmos a eficácia ecológica desejada.

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E por essa razão é necessário, mais do que nunca, bom senso e maturidade da União Europeia.

Esta guerra, no perímetro Europeu, colocou de forma clara as condicionantes e estrangulamentos que existem no abastecimento alimentar na União Europeia e em particular no nosso país.

Portugal, sem opções de abastecimento no espaço Europeu, terá de recorrer a mercados terceiros, normalmente não utilizados devido aos custos de transporte e às limitações colocadas nas importações aos Organismos Geneticamente Modificados (OGM) ou Limites Máximo de Resíduos (LMR).

O resultado de todas estas dificuldades acrescidas na produção e transformação traduz-se, naturalmente, na diminuição da oferta e no aumento significativo de custos e que, sem políticas públicas que os mitiguem, serão imputados aos consumidores. Um contexto global frágil, onde se espera uma distribuição solidária, colaborante e consciente da débil situação que a produção alimentar está a atravessar.

Perante tudo isto urge a adoção de medidas políticas no cenário interno e, sobretudo, ao nível da União Europeia.

O Governo da República tem possibilidade de utilizar diversos instrumentos que lhe permitem atenuar os custos aos produtores, em especial na comparticipação sobre aquisição dos fatores de produção, mais particularmente na eletricidade e gasóleo. É imperativo a criação de uma linha de subvenções a todo o setor da produção alimentar para aquisição de fatores de produção, à luz do que já anteriormente tinha sido instituído, em 2012, para os ruminantes.

Por outro lado, ao nível Europeu, a Comissão pode, e deve, agilizar a aquisição conjunta (conforme aconteceu com as vacinas COVID 19) de cereais e fertilizantes, garantindo dessa forma que nenhum Estado-Membro fica para trás e que o mercado destes produtos não evolui de uma forma especulativa, colocando em dificuldades quem tem menor poder de compra. É, também, inevitável, uma política europeia, excecional, de financiamento ao setor alimentar que permita apoios claros para a operação dos produtores.

A complexa situação com que a Europa se depara nos dias de hoje, situação única ao fim de muitas décadas, deve ser fator suficiente para recentrar a sua atenção na segurança e soberania alimentar. Manter o foco inflexível nas estratégias verdes, nomeadamente no “Fit 55” ou o “Farm to Fork”, é fechar os olhos à debilidade da situação de muitos Estados-Membros. A manutenção do quadro de aplicação destes mecanismos, sem que sejam revistos, na emaranhada situação que a UE se encontra, só trará mais assimetrias entre povos e discrepâncias entre classes sociais.

Sem ações concretas, que se traduzam objetivamente na manutenção da qualidade de vida que hoje os países da União Europeia apresentam, corremos o risco de assistirmos a projetos políticos nacionais e europeus que, quando mais se exigia envergarem pela defesa dos valores da solidariedade interna, arriscam-se a deixar as suas populações ficar para trás.