“First they came for the socialists, and I did not speak out—because I was not a socialist.
Then they came for the trade unionists, and I did not speak out— because I was not a trade unionist.
Then they came for the Jews, and I did not speak out—because I was not a Jew.
Then they came for me—and there was no one left to speak for me.”
Martin Niemöller,
US Holocaust Memorial Museum

Ao ler o editorial do director do Público, Manuel Carvalho, no dia 6 de Julho, “A propósito do texto de Maria de Fátima Bonifácio”, senti, o que Henrique Monteiro referia no Expresso, há umas semanas, a propósito do New York Times ter retirado o cartoon de António no qual Trump surgia guiado por um cão com o rosto do primeiro-ministro israelita Benjamin Netanyahu, uma enorme desilusão.

A liberdade de expressão tem como desiderato permitir que, numa sociedade plural e democrática, se façam ouvir opiniões distintas e divergentes, desde que respeitados os limites impostos pelos direitos de outrem, a segurança nacional e a defesa da ordem.

Ora, é natural que as diferentes ideias em torno de determinado assunto possam granjear o apoio da maioria ou, simplesmente, ser objecto do repúdio dessa mesma maioria.

Mas não me parece razoável, nem sadio que a rejeição ou crítica generalizada de  determinada opinião justifique o seu silenciamento ou retratação por parte da imprensa que se diz  livre, como sucedeu no New York Times ou, mais recentemente, no Público, jornais que sempre considerei  exemplos de uma imprensa corajosa e independente.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Esta subserviência da imprensa ao politicamente correcto, ditado por uma maioria, essencialmente, produzida pelas redes sociais, tem por efeito imediato coarctar a possibilidade de pensar de modo diferente, reprimir as vozes dissidentes e impor o pensamento dominante, asfixiando o debate de ideias, subjacente à maturidade da democracia.

Numa sociedade que defende os valores da democracia e da liberdade, esta censura dos que, contra a maioria, exprimem as suas opiniões, seja por via de cartoons, seja por via de artigos de opinião ou de programas televisivos ou radiofónicos, é merecedora de uma profunda preocupação.

Na verdade, um dos grandes feitos da cultura ocidental, para o qual a imprensa teve um contributo indelével, consiste, exactamente, na coexistência saudável e ordeira das mais variadas mundividências.

É nesta geometria variável que reside a força da democracia, a qual, de forma elástica, consegue integrar fenómenos como Trump ou Bolsonaro, preservando, de forma tenaz, os seus alicerces, instituições e, naturalmente, valores.

Cabe à imprensa, em especial, em tempos marcados pelo aparecimento de movimentos extremistas, como os que vivemos, preservar a robustez da liberdade de expressão.

É, por isso, desolador assistir a uma imprensa vergada, obedientemente, perante as pressões da opinião pública, numa absoluta negação da pluralidade, valor intrínseco à cultura ocidental a que pertencemos.

Adaptando as conhecidas palavras de Martin Niemöller, primeiro quiseram censurar os cartoons sobre Maomé pelo jornal dinamarquês Jyllands-Posten, depois retiraram o cartoon de António e a seguir retratam-se, encavacados, da publicação do artigo da Maria de Fátima Bonifácio.

Nós, entretanto, assistimos impávidos, porque não é nada connosco…até ao dia em que, divergindo da maioria, também nós somos cobardemente silenciados.

Advogada/Docente universitária