A história da história já se estende por demasia, mas merece algum contexto para situar o leitor. Na semana passada, Francisco Louçã contou-nos a história, do género ficcional, de um hospital ganancioso, detido por uma fundação que “faz negócio com a saúde”, que teima em não abrir até o Estado lhe dar “clientes”. Mais grave ainda, o hospital nem sequer respondeu ao pedido de colaboração do Ministério da Saúde, enviado em Novembro último, para apoiar o SNS no combate à pandemia.

Preparei uma resposta. Fi-lo, não para defender aqueles que Louçã visava na sua invectiva (desde ex-autarcas do PSD, ex-deputados do CDS e até candidatos presidenciais da IL), mas porque não me parece razoável que um Conselheiro de Estado use um hospital do sector social como arma de guerrilha ideológica.

Não foi difícil desmontar a historiúncula. Aquilo que o dr. Louçã vendia como uma negociata da iniciativa privada é, na verdade, um hospital do sector social, gerido por uma IPSS que não tem fins lucrativos. A ausência de resposta por parte do hospital foi ainda mais fácil de rebater: há provas documentais de várias tentativas de contactar o Ministério da Saúde, prévias a Novembro de 2020, que não obtiveram qualquer resposta. A primeira é de Fevereiro de 2020, a segunda de 25 de Março de 2020 e a terceira de 24 de Agosto de 2020. Houve outra em Novembro de 2020 e outras duas já em 2021. Nesses ofícios, fica clara a disponibilidade do hospital para, se necessário, ceder as suas instalações para usufruto do SNS no combate à pandemia. O Ministério da Saúde nunca respondeu.

Preparei a resposta e, dado que a crónica original foi publicada no Expresso, submeti-a para publicação no Expresso também, que simpaticamente acedeu ao pedido. Devo dizer que fiquei surpreso quando abro o artigo e vejo que está lá um comentário ao mesmo. Estranhei, porque o Expresso não permite comentários, evitando assim a maledicência gratuita que pulula nas caixas de comentários dos jornais.

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O comentário estava lá, mas não era anónimo. Era de Francisco Louçã. O Expresso achou por bem pedir um comentário ao dr. Louçã, colocando-o em apenso à minha crónica. Pese embora eu, enquanto autor, não ter sido avisado e ter ficado surpreendido com este novo critério editorial, reitero o meu agradecimento ao jornal, porque me dá oportunidade para, uma vez mais, desmontar o dr. Louçã, o que faço por graça e a título gracioso.

Diz então o dr. Louçã no seu comentário que sou um distinto cronista do Observador. Agradeço o elogio. Faço o que posso. Contudo, o elogio não é muito certeiro: colaboro ocasionalmente com o Observador, o que não faz de mim um cronista, muito menos distinto. Diz também que tenho alguma ligação não indicada à administração do Hospital Compaixão. Novamente falso. Não tenho nem nunca tive qualquer relação com o hospital, a fundação que o administra ou com o presidente da fundação. Os elementos que usei para refutar o dr. Louçã foram enviados a vários deputados de vários partidos. Aliás, Tiago Mayan Gonçalves não havia sido o primeiro a visitar o hospital e a estar ao corrente da história: antes dele, já Rui Rio e Francisco Rodrigues dos Santos o tinham feito. Também o BE poderia estar ao corrente da história, não fosse o preconceito ideológico para com o sector social e aquilo que intitula de “caridadezinha”, que mais não é do que a sociedade civil a compensar a inépcia do Estado.

De seguida, o dr Louçã desconta “o gongórico da fraseologia”. Muito lhe agradeço. Em boa verdade, o estilo não era gongórico, mas a fugir para o litúrgico. Pareceu-me adequado para endereçar um deão do cabido da esquerda radical portuguesa.

O melhor vem depois. O dr Louçã diz que eu próprio afirmo que o hospital respondeu depois do repto do Ministério da Saúde, que data de Novembro de 2020, confirmando, assim, os factos que ele indica. O problema é que eu digo justamente o contrário: como já referi supra, foram feitos três contactos por parte da administração do hospital antes de Novembro de 2020, que nunca obtiveram resposta por parte da tutela. Bem sei que factos e verdades são minudências na dialética revolucionária, mas pelo menos na cronologia temos de convergir.

Finalmente, o dr. Louçã afirma que “Lopes confirma que, sem o pagamento da mesada pelo Estado, o hospital não abre”. O Lopes pergunta então ao dr. Louçã, que é professor numa universidade pública, se continuaria a exercer a sua profissão se o seu empregador não lhe pagasse. Será suposto os médicos e enfermeiros deste hospital trabalharem pro bono? Este hospital, que não quer cobrar a quem lhe aparece à porta porque serve uma zona muito pobre de Portugal, é exactamente igual.

Perante tudo isto, fica a incredulidade pela forma como um Conselheiro de Estado lida com um tema tão sério como a saúde e o sector social. Ou talvez não. Perante o estado a que este Estado chegou, não é de estranhar que o dr. Louçã seja seu conselheiro.