O socialismo está vivo apesar de já de ter morrido inúmeras vezes. Terá sete vidas como os gatos, ou então nem isso, a sua continuação advém simplesmente da vontade inata no ser humano de mandar na vida dos outros. O pôr e dispor da vida de terceiros é normalmente acompanhada de excelentes intenções (ninguém diz que quer controlar o próximo, há sempre algures um auto-proclamado bom samaritano convencido das suas intrínsecas qualidades que apenas, como boa pessoa que é, pretende transmitir aos outros que, normalmente e por defeito, não compreendem as suas boas intenções). É assim que o socialismo está vivo apesar de ter sido experimentado, ter falhado e declarado morto vezes sem conta.

Foi desta forma que depois de conduzir o Estado português à bancarrota em 2011, o PS conseguiu regressar ao governo em 2015 e se prepara para vencer em 2019, deixando a direita, que receia afirmar-se como não socialista, de rastos. É preciso esclarecer que, ao contrário do que muitos socialistas que eventualmente estejam a ler esta crónica já estão a pensar, o pôr e dispor da vida dos outros nada tem que ver com o Estado social. Aliás, o Estado social, as políticas sociais de apoio aos mais desfavorecidos, tem muito pouco a ver com o socialismo, menos ainda com o socialcomunismo que nos governa. Não me vou deter na degradação do SNS (incomparável com os tempos da austeridade), nem dos transportes públicos, do mau estado das estradas, do atraso no pagamento das pensões, do mal-estar generalizado entre os devidamente adormecidos, dormentes, comportamento próprio de quem espera o pior, mas com a esperança de escapar ileso. Não vale a pena deter-me nestes e noutros exemplos para concluir o que se sabe: que o Estado social nada tem que ver com o socialismo. Nem histórica nem factualmente. Nada.

Então por que motivo é que o socialismo resiste ainda e sempre à morte ocorrida vezes em conta? Porque, da mesma forma que é inato ao ser humano meter-se na vida dos outros, é também normal que deseje protecção. E não nos podemos esquecer que entre os que mais gostam de ser protegidos os Portugueses surgem nos primeiros lugares. A protecção é para muitos o melhor que podem desejar nem que tal implique o tédio, a rotina de fazerem sempre e sempre a mesma coisa até que o caixão os leve. Viver seguro nem que isso implique uma morte espiritual. É claro que, da mesma forma que o Estado social não tem a ver com socialismo, sentir-se seguro aqui nada tem que ver com segurança física. Não é da segurança nas ruas e da inexistência de atentados a que me refiro, para não esquecer a insegurança que sentimos com os incêndios. A segurança física vale ouro e, já agora, também nada tem que ver com socialismo. Aquilo a que me refiro é a garantia do emprego para a vida. E isso o socialismo já assegura nem que a troco da insegurança dos que ficam de fora. Dos que não trabalham no Estado, ou nas grandes empresas (ditas estratégicas). É esta segurança no emprego que está por trás da ideia de que o desemprego jovem se combate com o fim dos contratos a prazo e que a liberdade de mudar de emprego seja encarada como precariedade.

O socialismo é protecção de um sector da sociedade contra os que ficam de fora e mais ainda. É ordem e o desejo de que o socialismo sobreviva a todo o custo. Quanto à ordem não percebo a surpresa manifestada com a reacção à greve dos motoristas de matérias perigosas da parte de um governo socialista que tem o apoio de forças comunistas. O desejo de ordem é naturalíssimo entre os que querem segurança. Foi assim com Salazar, como assim está a ser com o socialcomunismo. A segurança que advém do emprego certo e da ordem pública implica que o exercício do direitos à greves e às manifestações e às críticas e às exigências e a qualquer outro tipo de descontentamento só possam ser exercidos pelos sectores autorizados. Pelos sectores controlados por quem troca direitos inalianáveis, próprios de um Estado de Direito, por umas ajudas de custo, uns minutos para almoço, um subsídio que compense um risco aparente, por algo que os que estão de fora possam pagar e que faça com que os que estão por dentro se calem. É a chamada ordem por decreto.

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Claro que nada disto funciona ad aeternum. Um dia o socialismo morre outra vez como morreu já tantas outras vezes. É neste momento que o seu espírito de sobrevivência desperta. Para que volte a renascer, qual fénix, o socialismo não pode ser responsabilizado pelos seus falhanços. Tal como sucede com a culpa, a responsabilidade do seu fracasso terá de ser de outro que não dele. Ora vejamos: durante os últimos quatro anos, algumas pessoas chamaram a atenção para o facto de o governo viver unicamente dos frutos da governação anterior e do bem-estar da economia mundial. O governo foi alertado que os benefícios da governação anterior não se manteriam se as reformas não continuassem e que depois da expansão económica viria uma recessão. Houve mesmo quem chamasse a atenção que o crescimento económico nos EUA e na Europa era pernicioso, pois a dívida continuava e, em alguns casos (como em Portugal), se agravava. O governo de António Costa preferiu ignorar estes avisos. Preferiu o caminho mais fácil que é o de deixar as coisas correrem. Foi andando, empurrou com a barriga, gozou com a história do Diabo, como quiserem. O certo é que nada fez.

Na semana passada surgiram novos avisos para uma possível recessão nos EUA e na Alemanha. A guerra comercial entre os EUA e a China, o endividamento das economias (a chinesa, incluída) são alguns dos motivos de preocupação. Tal como em 2011 o nosso país não está minimamente preparado. O défice pode ser baixo relativamente ao PIB, mas a dívida é hoje muito maior. Não há margem para medidas semelhantes às de 2008 e 2009. O mercado de trabalho continua estagnado. Tirando a abertura de uns restaurantes, hotéis e alojamentos locais, pouco mais aconteceu neste jardim à beira-mar plantado. E é assim que por cá o socialismo vai falhar e morrer novamente, mas a culpa ficará com outro qualquer. Enquanto isso e depois, a rotina continua e António Costa poderá dormir descansado até ao fim dos seus dias. Assim seja.

André Abrantes Amaral é advogado