Além da subida do CH, o que ressalta dos resultados eleitorais é a vitória sofrida da AD. Para ganhar ao PS, o PSD fez de tudo: salvou o CDS, resgatou uma sigla de boa memória, foi buscar o PPM, que nada tem a ver com o de Gonçalo Ribeiro Telles, e apelou ao voto útil para esvaziar (sem sucesso) a Iniciativa Liberal. No meio, esqueceu-se que existia um partido ADN e não teve em conta que o eleitorado se podia enganar no momento de colocar a cruz no boletim de voto. Ao negligenciar o óbvio, Luís Montenegro perdeu mais votos para o ADN que o CDS lhe trouxe para a AD. Montenegro foi tão generoso que se prejudicou a si mesmo para ajudar os democratas-cristãos, dar tempo de antena aos monárquicos e permitir o financiamento público de um partido com ideias, no mínimo, estranhas. Por nostalgia, para salvar o CDS e incluir o PPM, o erro de Montenegro impediu que uma coligação PSD/IL fosse maior que a esquerda unida. O ter ganho, foi uma sorte. Se dos diabos ou do acaso, o tempo dirá.

Outro erro de palmatória foi o do PS que alimentou o CH para prejudicar o PSD. No princípio a táctica funcionou: o partido de André Ventura destruiu o CDS e travou o crescimento dos sociais-democratas. Acontece que o fenómeno CH não é único na Europa e o seu objectivo é ser governo. Mais: à semelhança do que sucede no continente europeu, partidos populistas como o CH destroem partidos socialistas como o PS. Some-se o facto de o PSD ter um núcleo de eleitorado fixo, na ordem dos 27% a 29%, e não descer daí. Ou seja, a partir de um certo momento, para crescer, o CH precisa ir atrás do eleitorado do PS, como tive oportunidade de referir no ‘E o vencedor é’, da rádio Observador de 2 de Dezembro último (a partir do minuto 9).

Foi isso, aliás, o que Ventura fez nesta campanha quando apontou a tudo o que podia: pensionistas, militares, polícias, professores. Tal como o Pedro Nuno Santos, André Ventura defendeu a importância estratégica da TAP nacionalizada, da CGD e da RTP. Tal como os partidos de extrema-esquerda, atacou os lucros da banca, prometeu combater a corrupção e a economia paralela sem dizer como. Nestas eleições, o CH foi um partido estatista que vê no Estado a solução para tudo porque é isso que a maioria do eleitorado está habituado a ouvir. André Ventura não quer mudar o país nem limpar Portugal. Tal como António Costa, conhece demasiado bem o país em que vive para saber que, se quiser ser governo, o que tem de fazer é gerir a estagnação com os fundos de Bruxelas. Como escrevi aqui, n’Observador, em 12 de Fevereiro de 2023, “Caso André Ventura afaste o PS da governação, daqui a 30 anos Portugal continuará a sofrer com um Estado pesado, ineficiente, uma carga fiscal avassaladora, empresas e cidadãos descapitalizados e dependentes do poder político que distribui fundos de Bruxelas para garantir o voto. Um país de serviços públicos que exporta cidadãos.”

Nesse mesmo texto expliquei por que motivo a IL não devia aceitar fazer parte de um governo com o CH. A mais-valia do partido de Ventura nesse governo, “seria nenhuma, pois o Chega é o PS com outras cores. Um estatismo de direita, mas na mesma estatista, igualmente despesista, na mesma ineficiente, na mesma uma perda de tempo e de oportunidade. Precisamente o que vimos e suportámos desde 1995. Algo que não nos podemos dar ao luxo de repetir.”

Esse foi o terceiro erro desta campanha: o dos comentadores que continuaram a ver no partido de Ventura algo muito diferente do PS. Essa confusão nasceu nas eleições de 2022 com aquisição de relevância política por parte de dois partidos (IL e CH) que não pediam licença à esquerda para falar, a IL de economia e o CH de identidade. Foi este corte que provocou a impressão que o CH era de extrema-direita com um discurso de direita em questões de identidade. Sucede que, e como Ventura percebeu muito bem, a maioria do eleitorado do PS virou à direita nessa matéria de identidade, mas manteve-se à esquerda na economia. O eleitorado socialista (foi o comunista) é conservador, teme a imigração, os estrangeiros, mas também quer segurança nos empregos, manter o nível dos salários, ter acesso gratuito à saúde e à educação. É um eleitorado que não quer escolher, mas sim bem-estar, paz e sossego. Ventura sabe isso e o seu próximo passo vai ser aliciar os funcionários públicos. Se o conseguir, o PS fica em maus lençóis. Se assim for, é caso para deixar a   pergunta: quanto vale a sede do Largo do Rato?

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