Cultura woke? Ditadura woke? Religião woke? Desde as eleições de 10 de Março, e após o descrédito que os resultados trouxeram ao jornalismo, as televisões discutem se existe ou não uma cultura woke em Portugal. Os comentadores e os principais intérpretes da esquerda dizem que não existe; é uma invenção da direita. O debate ferveu com a decisão do primeiro-ministro Luís Montenegro de reverter o logotipo do governo. Houve quem se exaltasse, Ricardo Costa, director de informação da SIC, acusou o primeiro-ministro de “alinhar nas guerras culturais que ameaçam as democracias na Europa”.

Não é verdade. Quem alinhou nessas guerras culturais foi António Costa, quando decidiu mexer em símbolos estabilizados há séculos e aceites pacificamente pelas pessoas. Costa decidiu removê-los com o propósito específico de tornar o logotipo “mais inclusivo”; linguagem e motivação woke. Como se o brasão ou as armas nacionais excluíssem alguém. De resto, que se saiba ninguém lhe pediu, nenhum grupo ou sector da sociedade manifestou em público desconforto com estes símbolos – as tais “quinas e castelos” que Ricardo Costa, na televisão, ridicularizou. Portanto, o gesto de António Costa foi uma ofensa espontânea aos símbolos nacionais. Esperava-se que as pessoas não reagissem? Luís Montenegro reverteu à primeira ordem, como tinha prometido. Não é um assunto secundário nem um gesto de lana caprina, como se vê pelas reacções de um lado e do outro. As pessoas dão importância aos símbolos.

Agora a esquerda em peso diz que a cultura woke não existe em Portugal, nem cancelamentos, nem falsificações dos livros, nem falsificações da história, nem nenhuma das suas indignas e estrondosas materializações. Existirá nos EUA, em Inglaterra, talvez em certas partes da Europa rica. Mas aqui, nada. É pura invenção da direita. Ou, como disseram em Novembro de 2022 os directores de informação dos nossos caríssimos canais televisivos, na entrevista conjunta que deram a Maria João Avillez, é uma invenção saída da cabeça “paranóica” dos “colunistas do Observador”.

Ai sim? Só existe no Observador? Também não é verdade. Na próxima semana, a Assembleia Municipal de Lisboa vai discutir um Voto de Repúdio, apresentado pelo PSD, contra o activismo do princípio de Março na FCSH da Universidade Nova, em cujos muros os activistas escreveram que “faculdade progressista não paga salário a fascista”, e acrescentaram os nomes dos dois professores “fascistas” que eles queriam despedir. Mas a Assembleia Municipal de Lisboa já discutiu e aprovou dúzias de documentos contra o vandalismo woke, na versão do clima, das mulheres, da “racialização”, da “descolonização da linguagem”, dos assuntos LGBT, e todo o sortido de idiotias que o activismo acrescenta cada semana. Discutiu e votou contra o “revisionismo literário”, que é a falsificação dos livros. Discutiu e votou contra quando os activistas interromperam o trânsito com as próprias costas, repousadas no asfalto durante as horas de ponta, nos acessos ao trabalho das pessoas. Discutiu e votou contra quando entupiram com cimento os buracos do Campo de Golf do Lumiar, porque era um “desporto de ricos”; e quando vandalizaram com tinta encarnada a fachada dos Paços do Concelho, a favor da Palestina; e quando vandalizaram e agrediram funcionários e clientes do Finalmente, o bar gay mais antigo de Lisboa, por ter feito uma festa gay organizada pela Embaixada de Israel; e quando impediram o Prof. Jaime Nogueira Pinto de falar numa conferência, ou, mais recentemente, de debater com Pacheco Pereira sobre banda desenhada numa pequena feira do livro organizada pela Junta de Freguesia de Arroios.

Tudo isto aconteceu na Assembleia Municipal de Lisboa ao longo dos últimos dois anos. Quem manda no jornalismo devia dar atenção ao que se passa nos órgãos da democracia, pelo menos os que reúnem em Lisboa, ao lado das redacções onde os senhores directores passam os dias ao telefone. Porque ali não há politólogos e palpites, há políticos eleitos e documentos oficiais. Talvez os directores de informação compreendessem que o país, mesmo visto a partir de Lisboa, é muito diferente do que eles vêem nos estúdios da televisão.

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