Há uma coisa que a direita devia meter na cabeça de uma vez por todas: o PS é um adversário formidável. Uso a palavra no sentido do dicionário, ou seja: é um adversário “tremendo”, que deve “infundir respeito”, “provocar medo” e “inspirar terror”. As razões para isso deviam ser evidentes para qualquer político portador de uma literacia básica. O PS pode ter muitos defeitos — e tem, de facto, muitíssimos. Mas a ligação profunda dos socialistas com os eleitores vem de antes do 25 de Abril, solidificou-se no processo revolucionário, sedimentou-se com a adesão à Europa e manteve-se com a modernização da nossa economia. A esta altura, já devia ter ficado claro que a mera passagem do tempo não é suficiente para, só por si, varrer o PS do governo.

Nos últimos cinquenta anos, vários líderes políticos cometeram o erro infeliz de subestimar o PS. A poucos dias das primeiras eleições em democracia, por exemplo, o então primeiro-ministro Vasco Gonçalves, o nosso émulo de Lenine, chamou Mário Soares à parte e confidenciou-lhe que tivera acesso a sondagens que mostravam, sem margem para dúvidas ou hesitações, que o partido mais votado seria o MDP/CDE, que era um mero satélite dos comunistas; o segundo seria o PCP; e o terceiro, coitadinho, seria o PS. Na realidade, os socialistas ficaram em primeiro lugar, os comunistas em terceiro e o MDP/CDE, com a sua camuflada dependência do PCP, teve escassos 4,1% dos votos (que, ainda por cima, se evaporariam pouco depois).

Passado um ano, nas legislativas de 1976, foi o PSD a achar que os socialistas tinham mais fraquezas do que forças. Segundo as previsões instintivas de Francisco Sá Carneiro, os social-democratas ficariam em primeiro lugar, com 35% a 40% dos votos, e o PS teria menos 10 pontos percentuais. Aconteceu exatamente o contrário: o PS teve 34,8% e o PPD ficou 10 pontos percentuais abaixo, com 24,3%. Enquanto os votos eram contados, várias pessoas que sabiam ler a geografia eleitoral explicaram a Sá Carneiro, com didatismo e paciência, o que ia acontecer naquela noite — mas ele continuou firmemente alheado da realidade, numa euforia incompreensível. Numa conferência de imprensa inicial, o líder do PSD manteve este apego à irracionalidade. Quando finalmente se confrontou com o resultado final, Sá Carneiro confessou aos mais próximos que estava “decepcionadíssimo”.

Ao longo destes 50 anos, outros líderes do PSD viriam a ficar várias outras vezes “decepcionadíssimos”. Mas por culpa própria: verdadeiramente, os social-democratas nunca perceberam a força do PS. Hoje, o mantra à direita é o de que o PS só sobrevive porque mantém cativos os reformados, com a promessa de pensões miseráveis, mas seguras; porque mantém cativos os desprotegidos, com subsídios baixos, mas seguros; e porque mantém cativos os funcionários públicos, com a promessa de salários medianos, mas seguros.

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Realmente, é forçoso reconhecer que o sentimento que o PS mais inspira nos eleitores é o de segurança. Mas não é apenas a segurança dos dependentes, dos mais pobres e dos acomodados. Mário Soares gostava de contar uma história que explica o poder do PS na sociedade portuguesa. No livro-entrevista de Maria João Avillez sobre a vida do fundador do PS, Soares recordou o momento em que teve uma epifania: “Estou a lembrar-me de uma reflexão que fiz um dia com a Maria de Jesus, no mais aceso do Verão Quente. Estava muito calor, era domingo, decidimos ir passear até Nafarros. Fui a guiar. ‘Vamos pela costa, ver o mar’, sugeri à minha mulher. Fomos os dois, devagar, por ali fora. Perto do mar, começámos a ver cachos e cachos de automóveis e, na areia, uma multidão de pessoas. As praias e os parques de automóveis estavam literalmente a abarrotar! ‘Como é possível — pensei — com esta classe média tão forte, com toda esta gente nas praias, que se venha a dar aqui um golpe comunista?’ Não era.”

Mário Soares percebeu tudo. De facto, os reformados acham que o PS vai manter as pensões; os mais desprotegidos acham que o PS vai manter os subsídios; e os funcionários públicos acham que o PS vai manter os salários. Mas há mais: apertados pela revolução, aqueles automobilistas veraneantes queriam manter a possibilidade de poderem pegar no seu carro a um domingo para irem tranquilamente a uma praia em Nafarros. E quem lhes deu a segurança de que isso iria continuar a acontecer foi o PS de Mário Soares.

Por tudo isso, ao longo dos 50 anos da democracia portuguesa, o PS tem sido o partido da segurança. Já o PSD tem alternado entre duas caraterísticas: quando as coisas correm bem, como com Cavaco Silva, é o partido da mudança; quando as coisas correm mal, como com Passos Coelho, é o partido dos cortes.

Para ganhar as próximas eleições, o PSD precisa que se deem dois movimentos em simultâneo na cabeça dos eleitores. Em relação ao PSD, é preciso que os portugueses se convençam de que vem aí a mudança e não os cortes. Em relação ao PS, é preciso que os portugueses se convençam de que a segurança vai ser substituída pelo aventureirismo e pelo radicalismo.

Luís Montenegro deve ter a noção clara de que é difícil fazer qualquer uma destas coisas isoladamente. Fazer as duas em conjunto, é dificílimo. De qualquer forma, a primeira coisa que tem de fazer é deitar fora as ilusões. O cemitério da política está cheio de líderes partidários que se convenceram de que o PS era um adversário fácil de bater.