Recordo-me de uma historia relatada por Mia Couto em 2014. A propósito dos políticos, e das suas promessas, a determinada altura, Mia Couto relatou que assistiu numa aldeia de Moçambique a um político a fazer o seu primeiro discurso para aquelas pessoas aquando do inicio da democracia naquele país africano…depois de muitas promessas, e resumindo o seu discurso, o lema era muito simples “eu venho salvar-vos” dizia o político.

No final do discurso, um velho camponês mostrando-se grato pela disponibilidade manifestada pelo “salvador”, disse que aquele discurso lhe lembrava a historia do macaco e do peixe, sendo que, curiosamente só o político e o próprio Mia Couto desconheciam a historia…tendo o político a infelicidade de pedir para a historia lhe ser contada. E o velho camponês lá começou: “Um macaco passeava-se à beira de um rio, quando viu um peixe dentro de água. Como não conhecia aquele animal, pensou que estaria a afogar-se. Conseguindo apanhá-lo, ficou muito contente e satisfeito quando o viu aos saltos e pulos, preso nos seus dedos, achando que aqueles pulos e saltos eram sinais de uma grande alegria por ter sido salvo.

Passado pouco tempo, o peixe parou de se mexer e o macaco apercebeu-se que estava morto, e muito ciente e até desgostoso comentou consigo próprio– “olha que pena eu não ter chegado mais cedo!”

A política deve ser serviço, mas serviço com conhecimento, senão arriscamo-nos a fazer como o macaco e salvar aqueles que não precisam de ser salvos. Acredito que o político em questão não percebeu o alcance da historia do velho aldeão, pois o seu discurso era todo ele baseado na percepção de que era ele o único dono da verdade.

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Somos na realidade um povo que vive de percepções. Nestes últimos tempos, assistimos a um agudizar da diferença entre a realidade e a percepção.

Percepção de David contra Golias

Por muito grande que sejamos, sentimo-nos sempre pequenos. Independentemente do feito alcançado. Sentimo-nos na pele de David quando ganhamos o Europeu de Futebol em 2016 contra o Golias que era a poderosa França. Até o país parou para receber os jogadores que cometeram tal feito, mas depois à primeira derrota tudo muda e logo exigimos a cabeça do treinador e jogadores. Logo o David torna-se num Cristo prestes a ser crucificado pela turba que antes festejava os seus feitos.

Só conseguimos ser grandes quando com humildade constatamos que os outros também o são e por vezes até são maiores que nós. Quando nos percepcionamos como grandes, perdemos a humildade dos vencedores e ganhamos a confiança dos fanfarrões e isso, por vezes e quase sempre, nunca produz bons resultados.

Percepção do progenitor perfeito

Somos de facto pais preocupados no que concerne ao desempenho académico dos nossos filhos. Exigimos-lhes boas notas, sem lhes conseguir explicar a utilidade do uso da flauta e a interpretação do hino da alegria com esse instrumento na idade adulta.

Estranho é exigirmos um comportamento que grande parte de nós nunca teve.

Queremos ser os pais perfeitos que educam um Einstein na escola, um CR7 no desporto e um menino exemplar em casa. Mas os miúdos nunca são perfeitos, a não ser para os respectivos pais. Os miúdos são miúdos, com disparates fruto da idade, do meio onde estão inseridos, mas sempre com os valores dos pais, e se o pai é o fura filas da Ponte 25 de Abril, que vai na faixa da direita e entra na fila daqueles que ele considera “seres menores”, o miúdo nunca vai perceber o respeito pelo próximo. Temos de ter a esperança que existam pais que transmitam aos filhos que mais importante que ser primeiro, é ser melhor. O sucesso é sempre ele efémero, a forma como se luta para o atingir é aquilo que distingue os bons dos maus.

Percepção do marido ou mulher ideal

Em casa exigimos aos nossos cônjuges que as vidas sejam perfeitas, sem ter em conta as incompatibilidades que existem, e que as escondemos por medo da mudança, do confronto, optando pela criação de rotinas que assentam na partilha das tarefas domésticas até ao dia em que constatamos que dentro de tudo o que temos, não temos o que nos preenche, mas mesmo assim continuamos por vezes a exigir o que não tem de existir.

Partilhamos contas e preocupações rotineiras, partilhamos os bens e por vezes esquecemo-nos de partilhar o que sentimos, e é o sentir que faz sentido.

Queremos acreditar que o para sempre é a regra, quando na verdade é a excepção. E a excepção dá muito trabalho, quando a regra devia ser o sentir.

Percepção do negociador espertalhão

Quando compramos um carro, exigimos que nos vendam uma viatura que seja um Rolls-Royce em termos de conforto com as prestações desportivas de um Ferrari, mas com o consumo de um Corsa. Exigimos que o negócio que fazemos seja o melhor aos olhos do vizinho, mesmo que o vizinho nem carta tenha.

Exigimos o melhor negócio, mesmo sabendo que o melhor negócio nunca será o que fizermos.

Queremos acreditar que somos mais espertos do que o comprador anterior, quando nem sabemos o que ele negociou.

Percepção da importância que queremos ter

No trabalho somos exigentes com o reconhecimento que achamos dever ter, clamando que trabalhamos até as 2 da manhã, tentando vender a ilusão de que fazemos sempre mais que os outros. Exigimos reconhecimento mesmo sabendo que o colega do lado, sem o aparato da publicidade do que fez, produz o mesmo ou até mais sem o alarido de quem se quer destacar. Já dizia S. Francisco de Sales que “O que faz bem não faz barulho e o que faz barulho não faz bem!”

No trabalho a percepção vale muito mais do que a realidade. Só muitas poucas vezes, e com boas lideranças é que se elimina o que se percepciona em detrimento do que efectivamente é real. Um pouco como aquele que apregoa a esmola que dá…em detrimento daquele que doa o que tem sem ninguém saber.

Percepção da esperteza saloia

Na política muitos são exigentes com quem os representa, exigindo uma lealdade e transparência que depois não a têm. São os “espertos” da vida. Com uma moral assente no que papagueiam e não no que trabalham. Que procuram através de expedientes, como coligações negativas, pseudo-acordos de poder antinaturais, ou até mesmo na “manipulação” de actos eleitorais de onde saem derrotados querendo ser vencedores.

São os reis do esquema. São os poucochinhos da política.

Normalmente os “espertos” são aqueles que só aparecem para a foto, para o evento. Nunca estão quando é preciso. São aqueles para quem ser administrador do condomínio justifica fazer cartões de visita. São os que assinam “Dr.” no nome próprio. São aqueles que enchem o Linkedin de cargos e carguinhos, mostrando uma capacidade hercúlea de valorar o ser membro do Conselho Fiscal do grupo de cantares do grilo transmontano.

São eles que afastam os bons da política.

São por eles que muitos dos bons se afastam, por isso se torna importante ter a resiliência para combater os que sem pensamento político fazem politiquice. Os que sem ideias se baseiam na esperteza para tentar disfarçar a falta de competência.

Quando se está contra alguma coisa nunca se constrói nada. Vimos isso com a Gerigonça contra o PSD. O País perdeu. Não se tentou construir nada, mas sim destruir o que tinha sido feito.

Precisamos menos de percepções e mais de conhecimentos. Precisamos de acreditar que para além das percepções existe uma realidade que devia ser muito mais importante do que o que é percepcionado.