Há um equívoco perigoso na direita portuguesa. Esta semana, perante a mini-crise no Parlamento, as almas mais precipitadas, como Rui Rocha, convenceram-se de que André Ventura é “uma criança grande” que, num momento de imprevisível capricho, decidiu fazer “uma birra” quando chegou a altura de eleger (ou não eleger) o presidente da Assembleia da República. Perdida entre a fúria e a impotência, esta direita acredita que o Chega quer apenas provocar o “caos”, como se fosse o portador das dez pragas do Egito, para assim ter o combustível que lhe permite ser um bem sucedido “partido de protesto”.

Está tudo errado nisto.

O primeiro erro é este: aquilo que aconteceu no Palácio de São Bento não foi um exercício de descontrolo provocado por uma pirraça infantil — foi, pelo contrário, a execução de um plano racional e, como se viu, eficaz. Desde que Luís Montenegro foi indigitado como primeiro-ministro, André Ventura percebeu que estava a ser conduzido, de forma lenta mas irresistível, para uma armadilha. Como confessou numa entrevista ao Observador no começo da semana, ele sabe que, se a AD deixasse a concretização dos apoios a polícias, médicos e professores para o Orçamento de outubro, o Chega “ficaria numa situação difícil”. Como é que André Ventura poderia votar contra um Orçamento que desse dinheiro às profissões mais descontentes e, ao mesmo tempo, por exemplo, descesse os impostos? Obviamente, não poderia. E, não podendo, ficaria atrelado ao governo da AD, como se fosse um animal amestrado. Por isso, era urgente antecipar o confronto: a não aprovação de um Orçamento do Estado generoso deixaria polícias, médicos e professores furibundos; já a não eleição de um presidente do Parlamento deixaria professores, médicos e polícias a oscilar entre o desinteresse e a diversão. Ao aplicar o garrote de forma preventiva em Luís Montenegro, André Ventura tentou assustar o PSD e, ao mesmo tempo, colocar na cabeça dos eleitores a ideia de um precedente para um eventual chumbo futuro que seja mais doloroso.

O segundo erro da direita que combate o Chega é pensar que André Ventura provoca o “caos” por inclinação partidária ou por gosto pessoal. Não se trata de uma coisa nem da outra. Para Ventura, o “caos” é, simplesmente, um método. Neste momento, é um método eficaz, porque provoca choque e pavor nos adversários. Mas, como já se percebeu em vários momentos, o líder do Chega trocará o “caos” pela concórdia sempre que pensar que esse é o expediente mais seguro para submeter um adversário.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

O terceiro e mais grave erro é achar que André Ventura quer estar à frente de um partido de protesto. Em momentos de maior candura, o líder do Chega já admitiu, publicamente, que não é nada disso: ele quer estar à frente de um partido de poder. E, em dadas alturas, insinuou até qual é o seu modelo de líder político. Não é Trump, nem é Bolsonaro. Eles optaram por impor o seu radicalismo à direita moderada, acabando com ela — e, por isso, passaram o seu tempo no poder em permanente combate, forçados a espreitar por trás do ombro sempre que saíam à rua e obrigados a olhar para debaixo da cama de cada vez que se queriam deitar, em busca de inimigos reais ou imaginários. Nada disso é confortável, como se imagina: e tudo isso é efémero, como se viu.

É por essa razão que o modelo político de André Ventura é outro: Giorgia Meloni. Ao contrário dos líderes da direita radical noutros países, a primeira-ministra italiana não acabou com a direita moderada — fez mais, e pior, do que isso: tornou-se a líder da direita moderada. O partido de Meloni, Irmãos de Itália, como se explica muito bem aqui, veio indiscutivelmente do fascismo, mas domesticou o Forza Italia, dentro do país, e, fora do país, seduziu o Partido Popular Europeu de Ursula Von Der Leyen. Até Joe Biden, imagina-se que para pasmo dos ingénuos, a considera uma “amiga”.

É isto que André Ventura quer ser quando for grande. Para ele, o destino de horror seria ficar reduzido ao papel de líder carismático de um partido radical: adorado por poucos e odiado por todos os outros.

O problema momentâneo de André Ventura é que ainda não sabe bem qual é o melhor caminho para o poder. O líder do Chega oscila entre a aplicação do extremismo ou o uso da moderação. Já tentou as duas e nenhuma se revelou suficientemente rápida. Apesar de tudo, tem tempo porque, como se vê, os líderes da restante direita ainda não perceberam quais são os seus verdadeiros planos: acreditam que André Ventura quer destruir o sistema quando, na verdade, quer apenas tomar conta dele — e tomar conta deles.