O unanimismo estabelecido à volta da reeleição do Professor Marcelo Rebelo de Sousa no seio da nomenclatura e dos media do regime é de tal ordem que aqueles que se atrevem a colocar este tema na agenda política são apelidados de diletantes políticos, na versão mais benévola, chegando mesmo a serem mimados com o epíteto de “tolos da política”!

Sem prejuízo de podermos concordar que a reeleição do actual Presidente da República é altamente provável, causa-nos, todavia, uma enorme estranheza esta narrativa criada e repetida até ao vómito de que a eleição do Professor Marcelo é um facto consumado e que nem sequer merece a pena avaliá-lo e perder algum tempo na sua análise.

No entanto, e ao contrário daquilo que é a voz corrente, quer-nos parecer que nunca as eleições presidenciais foram tão importantes para o redesenho do mapa político-partidário português num futuro próximo.

Convém que nos detenhamos um pouco sobre o panorama político que está criado à volta desta eleição:

  1. As candidaturas já anunciadas, ou tacitamente assumidas, incluem o Professor Marcelo, o Dr. André Ventura e o Dr. Tiago Mayan Gonçalves, apoiado pela Iniciativa Liberal (IL). Acrescem a estas as candidaturas habituais de marcação dos espaços políticos próprios do PCP e do Bloco de Esquerda. A candidatura da Dra Ana Gomes, embora possível, perde espaço de manobra a cada dia que passa, em que os alinhamentos políticos se vão fazendo de forma progressiva. A ver vamos;
  2. Do quadro traçado no ponto anterior resulta que o arco dos partidos moderados do regime, PS, PSD, CDS e IL, têm neste momento apenas dois candidatos em perspectiva;
  3. A ausência de uma candidatura forte à direita do PS deixa espaço livre ao populismo do Dr. André Ventura, podendo este candidato atingir um resultado eleitoral politicamente muito relevante, não sendo de espantar números na ordem dos 15%, ou mesmo superiores;
  4. A confirmar-se este cenário, que neste momento se afigura como bastante verosímil, André Ventura assumir-se-á no dia imediatamente a seguir às eleições presidenciais como o líder informal do espaço político à direita do PS, podendo o Chega atirar definitivamente o CDS, que já se encontra em estado comatoso, para o estaleiro da política portuguesa, obliterar ou tornar irrelevante o IL e amplificar, de forma muito expressiva, as tensões cada vez mais ruidosas dentro do já esfrangalhado PSD;
  5. Neste cenário, reforçar-se-ão as dificuldades crescentes de Rui Rio como líder da oposição, matéria para qual o próprio tem contribuído, diga-se em abono da verdade, de forma generosa e cada vez mais eficaz! Se mais exemplos não houvesse, bastaria trazer à liça a ideia peregrina, e politicamente letal, de ser o líder da oposição a propor ao Governo que não se mace em explicar quinzenalmente ao Parlamento e aos portugueses a sua acção governativa global e que, ao invés, o faça apenas de dois em dois meses! Creio que António Costa nem nas suas noites mais felizes, sonharia com este brinde que lhe foi oferecido de mão beijada pelo líder da oposição! Quando se fizer a próxima revisão ao anedotário da política nacional, esta iniciativa de Rui Rio e do PSD estará, seguramente, na primeira página!
  6. Em suma, e a manter-se este cenário de candidaturas e respectivos posicionamentos, André Ventura tem terreno disponível para cavalgar a onda populista e radical à direita do PS, o que reforçará e espicaçará ainda mais o radicalismo já habitual e matricial da extrema-esquerda. Desta forma, amplificar-se-á significativamente um movimento de radicalização do sistema político português, encostando o eleitorado mais aos extremos, com prejuízo óbvio do arco político da moderação, onde, apesar de tudo, se ancoraram ideias essenciais e centrais para o nosso desenvolvimento, como a Europa, a NATO e o nosso modelo de democracia liberal, do tipo ocidental.

Feito o devido enquadramento das candidaturas em presença, convém referir que o candidato Marcelo Rebelo de Sousa, para além da marca dos afectos que é seguramente merecedora do nosso aplauso, apresenta enormes fragilidades, nunca assumidas pela narrativa abonatória construída pela comunicação social do regime, e que importam destacar, nomeadamente:

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  • Pretendendo ser o candidato de todos, o Professor Marcelo corre o risco de não recolher o entusiasmo de ninguém, pois não vemos os militantes dos partidos que já anunciaram o seu apoio expresso ou tácito a este candidato a virem para a rua agitar as bandeirinhas ou a gritar vivas ao actual Presidente da República. Por maioria de razão, afinarão pelo mesmo diapasão os militantes do CDS, se este partido se fizer de morto e se se deixar ir na caravana silenciosa dos apoiantes de Marcelo para poder cantar vitória no final.
  • Com efeito, o contorcionismo político do actual Presidente da República, que tem feito os fretes todos para agradar ao Governo, ao PS e aos partidos da extrema-esquerda, tem gerado forte e legítima contestação no País e, em particular, naquela que é a sua família política de partida, a direita e o PSD. A este propósito importa aqui recordar que, ao mesmo tempo que os portugueses eram impedidos de celebrar a Páscoa com os seus familiares e não podiam deslocar-se para fora dos seus concelhos de residência; que estavam proibidos os casamentos e os portugueses não podiam despedir-se dos seus entes queridos nos funerais, autorizava- se a celebração do 1o de Maio com mais de 1000 pessoas, transportadas a magote dentro de autocarros provenientes de vários concelhos da periferia de Lisboa! Como cereja em cima do bolo, proíbem-se os festivais de verão, mas autoriza-se a festa do Avante, com o argumento de que se trata de um evento político e de esclarecimento das massas! Se isto não fosse trágico seria cómico! Ou seja, o Presidente da República permitiu e promoveu que o regime criasse cidadãos de primeira e de segunda categorias, sobretudo quando aquilo que estava em causa era a segurança sanitária do País e dos portugueses! Reeleição a quanto obrigas…
  • No início da pandemia, e quando o País mais precisava de liderança e acção dos seus governantes, o Presidente da República exilou-se voluntariamente em casa, cumprindo uma quarentena cujas razões objectivas ninguém percebeu! Embora possamos compreender, do ponto de vista humano, as inseguranças pessoais do Sr. Presidente da República, não se compreende esta atitude do Chefe de Estado que prejudicou enormemente o País e aumentou a sensação de medo e de ansiedade dos portugueses;
  • Acresce que o Professor Marcelo, percebendo a gravidade e os danos de imagem que lhe trouxeram a incompreensível quarentena, tentou ressuscitar do seu coma político auto-induzido pré-anunciando o estado de emergência, vendendo esta solução política ao País como se se tratasse de uma vacina legislativa contra o vírus! Mas se este primeiro Estado de emergência ainda se conseguiria entender à luz da incerteza e do desconhecimento do perfil de evolução da pandemia, já os segundo e terceiro estados de emergência, com a conivência e ratificação do Governo e Parlamento, nos pareceram de difícil compreensão, quando teria sido possível e desejável uma actuação mais selectiva sobre os grupos de risco, evitando a destruição de milhares de empresas e da economia, colocando em causa o sustento de centenas de milhares, ou mesmo de milhões, de portugueses, atirando para o desemprego, só em três meses, mais de 100.000 pessoas, sendo que os regimes de lay-off estão a adiar e a camuflar um número muitíssimo superior;
  • Pelo meio, e porque o folclore da pandemia foi profícuo em episódios trágicos e cómicos, o Professor Marcelo ainda teve tempo e imaginação para inventar “o milagre português” na luta contra o Covid-19, e de demitir ao vivo e em directo nas TVs o ministro das Finanças, com a conivência presencial do Sr. Primeiro Ministro! Era exactamente isso que precisávamos no meio de uma crise de dimensões dantescas e cujo alcance ainda não é possível perceber neste momento! Melhor do que isto, só mesmo acabarmos aquele glorioso dia, com o Sr. Presidente da República e o Sr. Primeiro Ministro a mendigarem ao ministro das Finanças para se aguentar mais umas semanitas no cargo, para o disparate que tinham acabado de consumar não parecer tão mal e tão grave, negociando em perda a sua ida para a cadeira dourada do Banco de Portugal… Valha-nos Deus!

Em síntese, quando o País mais precisava de liderança e condução política, teve um Presidente voluntariamente exilado em casa; quando o País mais precisava de nervo, equidade e sentido de justiça no tratamento da coisa pública, teve um Presidente gelatinoso e contorcionista a criar portugueses de primeira e de segunda categorias gerando cisões e tensões políticas e sociais prejudicando o necessário clima de coesão da sociedade portuguesa na luta contra a pandemia; quando os portugueses mais precisavam de firmeza e serenidade tiveram um Presidente inconstante e pouco ponderado que, na ânsia de tudo comentar diariamente, demitiu um ministro das Finanças em directo, agravando a crise e aumentando o medo e a ansiedade das pessoas perante o clima pandémico instalado; quando o País mais precisava de equilíbrio e sensatez tivemos um Presidente a manter o País em casa em sucessivos estados de emergência de utilidade mais do que discutível e que destruíram de forma brutal a nossa economia, pedindo de seguida lay-offs e o seu prolongamento a um País que não tem dinheiro para os pagar!

Andamos a apagar o fogo com gasolina! Julgo que hoje já é claro que, infelizmente, morreram, e sobretudo vão morrer, muito mais portugueses da cura do que da doença!

Face ao acima descrito, julgo que nos assiste o direito e a legitimidade de perguntar porque é que os nossos governantes e, sobretudo, os media do regime, insistem na narrativa de que o Professor Marcelo fez um excelente mandato e que, por consequência, está automaticamente eleito!

Estamos em crer que, no meio de muitas outras razões, temos a preguiça e a ignorância de muitos jornalistas para avaliarem com rigor o mandato do Professor Marcelo; as suas convicções político-ideológicas pessoais, que os impedem de proceder a uma análise objectiva e isenta da situação, confundindo jornalismo sério e dever de informar, com activismo e acção política encapotada e, aquilo que é mais grave, o cinismo de tantos órgãos de comunicação social e respectivos jornalistas e comentadores que vivem confortavelmente anestesiados pelo bodo dos 15 milhões de Euros pagos pelos nossos impostos, que tiveram no actual Presidente da República o principal promotor e apoiante! Repito aqui aquilo que já escrevi em publicações anteriores: no Estado Novo tínhamos o lápis azul da censura que riscava tudo aquilo que não interessava ao regime e aos seus governantes, agora, nesta suposta democracia, temos o lápis cor-de-rosa para alindar a actuação do Sr. Presidente da República e do Governo! Não meus senhores, não senhores jornalistas, comentadores, influenciadores e governantes do regime, não compramos a vossa narrativa de que o Presidente Marcelo tenha feito um mandato magnífico! Bem pelo contrário, achamos que a sua actuação foi insuficiente, incapaz e prejudicial aos interesses do País, e que, sem prejuízo da afectividade que soube trazer à relação com os portugueses, que é louvável e desejável, não merece ser reeleito!

Por maioria de razão, isto não pode ser um plebiscito à actuação do Professor Marcelo, mas antes umas eleições a sério, que merecem ser discutidas a fundo e em que os candidatos opositores têm de ter a coragem de dizer que o Rei vai nu e que elegemos um Presidente para ser líder e não para ser comentador! Para isso já tivemos o Professor Marcelo na TVI muitos anos a fio, e até lhe achávamos piada!

Em jeito de conclusão, parece-nos que a eleição do Professor Marcelo é seguramente muito provável, mas não é uma fatalidade!