O tempo de férias é a época mais desejada do ano. Mas como sentir o desejo de evasão neste contexto pandémico em que sair não é feito com a disposição nem espontaneidade habitual? Afinal, é-nos ainda difícil soltar um suspiro de alívio. Trabalhámos mais do que nunca: teletrabalho, aulas online, lides da casa, gestão emocional connosco e com os nossos! As soluções de adaptação temporária foram prolongando-se no tempo. Estamos todos com vontade em ir para umas férias merecidas pós tanto esforço. Talvez por isto, este ano, assistimos a muitas pessoas anteciparem o período habitual das suas férias.

O descanso é necessário. O ócio é necessário. A suspensão do tempo de trabalho é indispensável para criar um intervalo no estado de estar continuamente a fazer e produzir para revigorar assim a disposição de voltar a criar e fazer mais.

Com a permanência em casa tempo a mais, a vontade de sair ampliou-se. Se primeiro, pode ter havido uma ligação à casa e vontade de até fazer melhoramentos e novos cozinhados, esses prazeres “forçados” começaram a cansar. Sendo positivo o balanço desses investimentos caseiros na adaptação a habitar mais o espaço dentro de portas e na co-habitação entre todos, passado algum tempo, os atropelos da confinação espremeram os frutos com o mesmo sabor apetecendo sabores novos, da estação do sol, mar salgado e ar livre.

É comum agora ouvir várias pessoas dizer que estão fartas de estar em casa e na cidade. Só querem ir para longe. Não muito longe devido ainda a regras do contexto atual mas partir para outro cenário. E, se há também casos de não férias ou férias curtas no tempo, escapar é evidente que é um desejo geral.

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Tais sentimentos, na verdade, dão conta do desejo de olhar o horizonte, esse espaço infinito que nos liberta. Precisamos olhar longe para pensar profundo e sentir o eco do nosso interior. E o tempo de férias é um tempo de ritmo lento que nos permite a amplitude do(s) nosso(s) olhar(es). Este deve ser lúdico e suave. Afinal, pausa no trabalho é sinónimo de tempo de repouso e quietude.

O ócio no tempo da Grécia antiga era valorizado e considerado como fundamental para a produção das artes e do pensamento. Lembremos também o ensaio de Bertrand Russel publicado em 1935, o Elogio ao Ócio, onde nos fala de uma monotonia produtiva. Russel defende que o trabalho não deveria ser o objetivo de vida do Homem alegando que todas as pessoas deviam poder dedicar tempo a atividades agradáveis, não só por divertimento mas por estas permitirem ampliar conhecimentos e a capacidade de reflexão.

Atualmente, Domenico de Masi, sociólogo italiano, inspirando-se nestas ideias cria o conceito de ócio criativo, retirando qualquer conotação negativa associada ao ócio. Também este refere como o tempo do ócio estimula a criatividade pessoal. Afinal, se o trabalho dignifica o Homem, como nos dizia Benjamim Franklin no século XVIII, não nos deve causar uma exaustão tal que nos impeça às tantas de pensar e dele retirar prazer. Sendo que o trabalho assume na nossa vida um papel enobrecedor e com valor, não devemos a partir desta premissa perverter o que de bom o trabalho proporciona, tornando-o num sacrifício, auto-desgaste e alienação de outros propósitos da vida.

Fora deambulações trabalho/ócio, é agora tempo de desfrute. Sentarmo-nos e gozar. Chegou a época do ano em que os dias se tornarão em marcos de belas experiências que guardaremos na caixa das nossas memórias. Observarmos os filhos a crescer, saborearmos boas conversas, vivermos (de preferência) a espontaneidade dos dias sem planos e horas marcadas, traçarmos eventuais planos para a rentrée, é o que se quer. E, se, vamos para os supermercados e lugares de lazer público com as máscaras que fazem parte da nova aborrecida rotina, podemos e devemos usufruir dos acontecimentos que tornam as férias sempre momentos inesquecíveis.

Dedicamos o tempo de férias a estar próximo daqueles que gostamos. Desejamos ter por perto a família e amigos. E é pela vivência dos bons afetos e momentos descomprometidos de felicidade de uns com os outros, que vamos rindo e nos satisfazendo com estes laços. São estas memórias que ocupam e ocuparão bons lugares interiores para todo o sempre.

Curiosamente, este ano, devido à diminuição dos turistas, ganhámos mais espaço e alguns reencontros com os cenários de férias de muitos anos atrás, até ao tempo da nossa infância. Ouvem-se alguns comentários de quem já foi para os destinos veraneantes que esses parecem estar como eram antes! E assim, o contacto com as memórias antigas parecem ecoar este ano. São reavivados tempos longínquos. Estas férias lembram outras férias! Na cidade, passear com menos gente na rua e com mais espaço, permite-nos re-olhar para os nossos lugares com menos frenesim. Passamos a ter um campo de visão que nos permite reparar em detalhes por nós às tantas já passados como despercebidos. Estarmos com mais silêncio aguça o sentido do olhar.

Ora, se também acontece o caso de muitos de nós não podermos aproveitar tanto tempo de férias devido às consequências económicas fruto da pandemia, devemos na mesma aproveitar os pequenos momentos e oportunidades que dispomos para desligar o botão da tensão. Por mais que tenha de ser curto o tempo para parar, devemos aproveitar a diminuição do ritmo célere e encontrar estados de pousio e contemplação, pois é tempo de descansar. Viva o dolce far niente, o doce tempo de fazer nada!

anaeduardoribeiro@sapo.pt