Estou a escrever este artigo no dia três de outubro e à minha frente estão a colocar as luzes de Natal na maior avenida da cidade onde trabalho. Penso que tenho de fazer uma reflexão sobre este tema, não sobre ainda estarmos a quase três meses do dia vinte e cinco de dezembro, nem sobre o verdadeiro significado do Natal, nem sequer sobre a necessidade de poupança de energia. Em vez disso, quero falar sobre luzes – brilhantes, fulgurantes, resplandecentes, sobressalentes. E gatos – porque os gatos têm esta característica realmente engraçada, que é estarem concentrados a fazer alguma coisa, mas quando um feixe de luz passa por perto, distraem-se completamente do que estavam a fazer e o foco felino passa exclusivamente a ser a perseguição frenética da luz. Quem tiver um gato e uma lanterna ou ponteiro de laser, pode ficar horas a brincar divertidamente com o seu animal de estimação.

A razão desta introdução é que também os seres humanos se distraem com qualquer luz brilhante, que desvia facilmente o seu foco de atenção. Isto pode acontecer profissionalmente, com um assunto ou distração a interromperem os procedimentos normalizados, métodos técnicos ou processos criativos, ou seja, é transversal a todo o tipo de trabalho. A mesma luz distratora aparece cada vez mais na componente emocional das pessoas e é uma das principais razões para haver tantas mudanças nos relacionamentos de hoje: o foco numa pessoa facilmente se perde quando aparece outra a reluzir mais e esta última subitamente torna-se o centro das atenções. E finalmente acontece na política, razão pela qual o populismo está a crescer em todo o mundo sempre que surgem outdoors ou cartazes fluorescentes com mensagens iluminadas e chavões simplistas. De um lado, o populismo de direita, muitas vezes apelidado de fascismo, a acenar com valores que eles próprios não entendem ou milagres económicos que não têm como cumprir. Do outro lado, o populismo de esquerda, que sempre foi uma arma dos radicais mas que infelizmente já contagiou a (outrora) esquerda séria. Apresentada como o Graal, é a nova verdade absoluta e inquestionável, o remédio para todas as doenças e sem a qual pereceremos todos de forma terrível.

Claro que as luzes brilhantes só nos distraem se tivermos falta de foco e de vontade, para além das nossas simples limitações humanas E há formas de não nos ofuscarmos nesses buracos negros, quer em termos profissionais (boa liderança e ética laboral), emocionais (maturidade e valores) ou políticos. E neste último caso será necessário um esforço global contra quem tenta acabar com a nossa democracia, principalmente através da limitação das liberdades fundamentais (de expressão e informação). Ao mesmo tempo, é fundamental priorizar a educação e a cultura, eliminando todo o lixo ideológico e recolocando-as ao serviço da humanidade e das gerações vindouras. Porque só serão úteis se forem isentas e independentes, capazes de voltar a ensinar as pessoas a pensar e os jovens a agir. Não há outra solução possível contra os ponteiros de laser que desviam a atenção dos seres humanos do essencial.

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