Qualquer professor se questiona de vez em quando sobre qual a utilidade das suas aulas. Quanto perderão os alunos se perderem uma aula? Devo dizer que eu, enquanto estudante, quando tive essa liberdade, ou seja, na universidade, era selectivo com as aulas a que ia. Havia dois professores que eram tão maus que, em vez de ir às suas aulas, preferia ir para a biblioteca estudar a matéria que estavam a leccionar. Mas, claro, em média, era preferível ir às aulas. E eu lá ia a bastantes, na verdade.

Mas a questão mantém-se: qual o impacto de um dia sem aulas? É, notoriamente, uma questão cuja formulação é bem mais simples do que a sua resposta, mas sem esta é impossível  estimar o prejuízo que uma greve de professores causa aos alunos. Há uns anos, o professor da Universidade de Toronto Michael Baker publicou um artigo no Canadian Journal of Economics onde estudou o impacto das greves dos professores nos resultados dos estudantes. Usou dados sobre 100 greves de professores que aconteceram ao longo de 30 anos. Diga-se que estas greves eram a sério e não daquelas que mais parecem servir para aproveitar uma ponte. Em média, cada uma das paralisações durou 19 dias, havendo algumas que duraram mais de 50 dias.

Para estimar o efeito das greves, Baker socorreu-se de uma estratégia bastante engenhosa. Estudou a evolução das notas dos alunos em exames que ocorrem no 3º e no 6º ano de escolaridade. Estudou essa evolução em anos em que houve greves e comparou com anos sem greves. Os resultados foram concludentes, especialmente em Matemática, ficando demonstrado que os alunos que tinham apanhado com greves (volto a lembrar que estamos a falar de greves bastante longas) tinham performances significativamente piores.

Apesar de interessante, o resultado descrito no parágrafo anterior refere-se apenas a exames de crianças bastante novas. Ou seja, têm muitos anos para recuperar desse revés e é possível que quando chegarem à vida adulta tais greves não tenham qualquer impacto. Há no entanto um outro estudo, de dois estudantes de doutoramento da Cornell University. Este, usando dados para a Argentina, onde entre 1983 e 2014 houve 1500 greves de professores, procura estimar o impacto que aquelas têm 30 anos depois, quando os alunos afectados já estão no mercado de trabalho. Este artigo, que deverá ser publicado no Journal of Labor Economics, é particularmente interessante.

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Para identificarem os efeitos das greves dos professores, os autores, David Jaume e Alexander Willén, recorreram a duas fontes de variação: (1) para cada província, compararam gerações de estudantes que enfrentaram um número diferente de dias de greve, e (2) para cada geração de estudantes, compararam províncias que tinham enfrentado diferentes dias de greve. As conclusões foram, mais uma vez, importantes. Um estudante que na escola primária tenha, em 4 anos, apanhado com 88 dias de greve (a média para a Argentina), 30 anos depois tem rendimentos anuais inferiores em 3,2% (se for homem) e em 1,9% (se for mulher) do que teria se não tivesse havido greves. Como se vê, trata-se de um impacto muito significativo, que vem agravado pelo facto de os autores também evidenciarem o facto de que os filhos destas pessoas têm igualmente performances escolares inferiores. Ou seja, o prejuízo passa para as gerações seguintes.

Como se percebe pelos parágrafos anteriores, as greves dos professores têm impactos negativos e duradouros na vida dos estudantes. Mas há que reconhecer que estamos a falar de greves que são muito mais longas do que aquelas a que estamos habituados, pelo que não podemos pôr de parte a hipótese de que em Portugal os efeitos negativos das greves sejam negligenciáveis. Há no entanto um outro estudo, feito por um professor da Cornell (Michael Lovenheim) com Alexander Willén (co-autor do trabalho referido antes), que procura estimar o impacto do poder dos sindicatos dos professores nas futuras remunerações dos seus alunos. Este trabalho, que deverá ser publicado no American Economic Journal: Economic Policy, recorre a alterações legislativas que ocorreram nos Estados dos Estados Unidos. Estas mudanças legislativas davam mais força negocial aos sindicatos ao obrigar os distritos educacionais a negociar com eles  (duty-to-bargain laws).

Como estas leis foram sendo implementadas ao longo de 40 anos em diferentes Estados, os autores puderam, usando técnicas econométricas adequadas, calcular os seus efeitos, estudando o impacto diferencial de Estado para Estado.


Fonte: o artigo linkado no texto

Mais uma vez, os resultados são muito interessantes (de outro modo não seriam publicados em revistas científicas tão boas). Os efeitos foram especialmente fortes para os homens. Dez anos depois da entrada em vigor destas leis, os autores estimam que a remuneração dos ex-alunos cai 3,64%. Igualmente importante, os efeitos são ainda mais fortes entre negros e hispânicos (8,77%), ficando a ideia de que as minorias são mais afectadas. Possivelmente, e estou a especular, isso terá a ver com o facto de terem menos hipóteses de frequentarem o ensino privado. Esta ideia de que as minorias são mais afectadas é reforçada pelo facto de, no lado das mulheres, os autores apenas terem encontrado efeitos negativos para negras e hispânicas (enquanto as caucasianas não parecem ser afectadas).

Como é comum, este tipo de estudos não existe para Portugal (pelo menos de que eu tenha conhecimento), pelo que temos sempre de ter cuidado com a transposição dos resultados para a nossa realidade. Em especial, porque, apesar de haver uma relação de causalidade bem estabelecida, os autores ainda não compreenderam o mecanismo pelo qual o aumento do poder sindical parece prejudicar a vida profissional dos alunos. Mas, no mínimo, estes estudos mostram que os interesses dos professores, ou dos seus sindicatos, nem sempre coincidem com os dos estudantes.