Kafka, num dos seus aforismos, declara que “sua exaustão é a do gladiador após a luta, seu trabalho foi caiar o canto do escritório de um funcionário”. Gosto de pensar que Kafka, que morreu em 1924, estava, na verdade, a falar de João K., um justo e dinâmico empresário, que vive em Portugal em 2019.

O Manel Samsa é casado com a Kátia Samsa e têm 2 filhos. O Manel é desenhador e ganha € 2.000/mensais e € 4,77 euros de subsídio de refeição, o que lhe dá mais cerca de € 100 por mês. Entre IRS e Segurança Social desconta € 626. Traz para casa, todos os meses, € 1.474,17 líquidos. João K., o patrão do Manel, para que este leve os € 1.474,17 para casa, paga € 2.575,17 (correspondentes ao vencimento base, ao subsídio de refeição e à TSU). Ou seja, mais € 1.101,00 que aquilo que o Manel efectivamente recebe.

João K., satisfeito com os bons resultados que a empresa atingiu no ano transacto e com o contributo decisivo que o Manel deu para os mesmos, resolveu aumentá-lo para € 2.500/mês. Assim, passou a gastar, todos os meses, € 3.193,92. Tendo aumentado o valor do salário base em € 500/mês, paga, no entanto, mais € 618,75/mês que anteriormente. Mas o Manel é um excelente profissional e justifica bem o esforço da recompensa.

O Manel, porém, tendo ficado muito satisfeito com o aumento de €500, ficou desiludido no final do primeiro mês, quando recebeu somente € 1.715,17; apenas mais € 241 que no mês anterior.

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João também não ficou radiante quando percebeu que a satisfação do Manel não era proporcional ao seu esforço para lhe pagar melhor. A verdade é que, para que o Manel receba € 1.715,17 líquidos, o João paga agora € 3.193, 92, mais € 1.478,75; quase o dobro, portanto.

Quem não vê problema nisto é porque não é capaz de perceber a avaliação do custo real/benefício percepcionado que os empresários têm necessariamente de fazer quando decidem ou não aumentar um trabalhador. E se não percebe isto, também não é capaz de perceber como a questão fiscal é determinante nesta equação.

A redução da carga fiscal sobre os rendimentos do trabalho permitiria (i) libertar rendimento do trabalho à classe média, repondo justiça na retribuição e tornando a economia mais competitiva e (ii) diminuir o fosso entre o valor pago pelo empregador e o valor recebido pelo trabalhador, aumentando a eficácia da retribuição tornando os aumentos mais atractivos.

É porque em 2019 João K. esforçou-se como um gladiador, mas temo que nem sequer um funcionário tenha visto uma parede caiada atrás de si.

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Notas de cálculo:
Taxa IRS 20,3% para casado, 2 titulares, 2 dependentes, para rendimentos mensais até €2.083 Taxa IRS 24,4% para casado, 2 titulares, 2 dependentes, para rendimentos mensais até €2.527
TSU: 11% para os trabalhadores, 23,75% para os empregadores Subsídio de refeição isento de taxação até € 4,77