Infelizmente, não vivemos num mundo de anjos, onde reina a prudência e a temperança. Também temos os nossos demónios, com o seu espírito de risco e aventura. E se, para refrear estes demónios o direito será suficiente, já para os assustar, para os conter, no limite da racionalidade, precisaremos eternamente da força.

Do equilíbrio entre anjos e demónios, do balanceamento entre o direito e a força, se faz uma Nação (equilíbrio entre Apolo e Dionísio de que falava Nietzsche ou entre Eros e Tanatos na versão de Freud).

É certo que, hoje em dia, somos todos de Vénus (para usar a expressão cunhada por Robert Kagan, pretendendo distinguir o pacifismo cosmopolita dos estados europeus — Vénus, do nacionalismo belicista dos americanos — Marte). O mesmo é dizer que a queda do muro de Berlim e alguns anos de paz com Estado social fizeram-nos crer na desnecessidade da defesa da Europa e colocar em crise a própria existência das Forças Armadas.

Mas apesar de aparentemente vivermos em paz, na verdade continuamos rodeados de guerra por todos os lados. Nós podemos querer esquecer a guerra e a sua dimensão trágica, todavia, a guerra não saiu de nós.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Nem os homens deixaram de ser violentos, nem as instituições civis (democracia, direitos fundamentais, economia de mercado) são suficientemente fortes para afastarem de vez o espectro dessa mesma guerra e o eventual uso da força. Nunca poderemos prescindir de um Leviatã que garanta essa mesma força.

A alma cívica de uma Nação resulta do empenho dos seus cidadãos em defenderem a terra, o sangue, o hino e a bandeira dos seus pais e avós. Mas também da vontade inequívoca de partilhar um modo de vida livre e responsável, dentro da diversidade natural dessa mesma Nação.

Essa alma, esse espírito comum, esse cimento, dependem, ainda, da relação da política com as Forças Armadas e do grau de assimilação da importância destas por parte dos políticos e do povo que estes representam.

A consciência deste relevo, deste papel imprescindível, exige a maior responsabilidade. Isto é, não podemos esquecer o equilíbrio entre o pilar da defesa da Nação e o modo como lhe damos dignidade institucional ou reconhecimento popular. Não se pode correr o risco de, com uma qualquer atitude menos atenta, displicente ou ainda por qualquer preconceito ideológico, desfazer esse equilíbrio e tudo o que dele depende.

Já basta o conhecido desgaste das instituições representativas da democracia, com a perda de legitimidade de parlamentos, governos e partidos políticos. Já basta o desgaste doutras funções da soberania de cujo bom funcionamento, independência e autonomia, depende a nossa liberdade e que estão também a ser abaladas perante o sempre volúvel tribunal da opinião pública. É preciso que não deixemos também desgastar o prestígio da instituição militar como garante da integridade do Estado.

E não se veja nestas palavras qualquer saudosismo militarista ou qualquer gosto secreto pela teoria da subversão militar, golpe de estado ou estado de exceção cesarista.

Já estamos, felizmente, bem longe desses preconceitos. Lembro que, a nossa lei fundamental, agora a celebrar os seus quarenta anos, na sua revisão de 1982, encerrou esse capítulo, ao extinguir o então designado Conselho da Revolução.

Mas não tenhamos ilusões, o equilíbrio existente até hoje entre os diversos pilares da Nação supõe uma relação de respeito, dignidade, autonomia técnica e táctica das Forças Armadas em relação ao poder político democraticamente eleito.

Vivemos num Estado de Direito, cujos fundamentos e princípios devem ser respeitados por todos. Tenhamos, porém, a consciência que a força sem o direito não tem legitimidade, mas o direito sem a força nunca terá efectividade.

Haja, pois, sensibilidade para garantir que as nossas Forças Armadas, não constituindo um ramo à parte dentro do país, também não podem ser tratadas simplesmente como mais um departamento do Estado social. Sem umas Forças Armadas coesas, capazes, motivadas e respeitadas pelo povo e seus representantes não haverá, nem uma economia próspera nem uma sociedade solidária.

É tendo em conta estas considerações que julgo pertinente revisitar um tema transformado ultimamente num verdadeiro tabu: o regresso do serviço militar obrigatório.

Sei que é um tema tanto mais difícil, porquanto, precisamente, muitos questionam, quer o papel e a utilidade das próprias Forças Armadas quer a sua relação com o poder político. Mas é também um tema, para um novo tempo, em que por toda a Europa se volta a pensar estrategicamente a segurança e a defesa, os seus respetivos meios e capacidades, as suas dimensões humanas, tecnológicas e logísticas.

Mesmo com dúvidas, entendo que a verdadeira integração cívica, a verdadeira igualdade entre cidadãos, deve também fazer-se nesse espaço de disciplina e rigor. No serviço militar obrigatório poder-se-á voltar a ganhar o sentimento de pertença à Nação.

Por outro lado, na Europa, mesmo sem guerra ou colónias, muitos são os países que mantêm o serviço militar obrigatório. E aqueles que, como nós, o abandonaram, caso da França, voltam a discutir o assunto com manifesta urgência, face às novas ameaças que ensombram o espaço europeu.

A verdade é que sem essa integração cívica, incluindo também as mulheres na sua plenitude, através de um período de prestação de serviço militar obrigatório, incentivará o sentimento de identidade nacional. Não basta mera integração através da família e a da escola.

Aos jovens, quando não se sentem chamados a defender a sua pátria, alguém os chama para alguma causa mais ou menos apelativa, fraturante ou perigosa, (como acontece agora com o Daesh-Estado Islâmico, em nome de qualquer religião ou ideologia).

Claro que não se poderia avançar sem uma ampla discussão, quer no seio da sociedade e suas instituições, quer no seio das famílias. Claro, ainda, que não podemos, pura e simplesmente, voltar a modelos anteriores. Os meios teriam de ser redimensionados, bem como os métodos de recrutamento e formação.

Será necessário, por exemplo, que se caminhe por fases, avaliando os diversos passos. Será importante contingentar, sortear (ir às sortes era o termo antigo), criar um serviço alternativo à comunidade para os que não possam ser integrados no modelo comum. E, por fim, mas não menos importante, articular as soluções desenhadas com o sistema de ensino e com o mercado laboral.

Serviço militar obrigatório. Este não será, com certeza, um tema fácil ou consensual. Mas, quando ainda somos anões aos ombros dos nossos mais de 800 anos de história, valerá a pena pensar no assunto… a bem da Nação!

“Amar e honrar a pátria…ser generoso na prática do bem…”.

Professor universitário