O acordo alcançado na Cimeira Extraordinária do Conselho Europeu é uma boa notícia. Nomeadamente para Portugal, que vê reforçado em 37% o envelope financeiro que lhe é destinado, face ao anterior quadro financeiro, passando a dispor de boas condições para ultrapassar a atual crise. Ainda assim, tenho dificuldade em acompanhar a euforia a que se assistiu por parte de muitos líderes europeus. A UE não é um mero “pote” onde se vai buscar financiamento. É muito mais do que isso. É trabalhar em conjunto na Ciência, no Ambiente, na luta das alterações climáticas, promovendo a nossa cultura e o nosso património. É defender os valores democráticos e não os trocar por financiamento. Durante estes cinco dias, tudo isso foi esquecido.

É bem provável que este tenha sido, de facto, um entendimento “histórico”. Mas o verdadeiro significado dessa classificação só será conhecido no médio e no longo prazo.

Este é um acordo que, dizem, envia sinais de “unidade”. E, de facto, pela primeira vez na história da UE, os Estados-membros assumem uma partilha de risco, sendo parte do financiamento do Plano de Recuperação económica obtida a partir de dívida, através da ida aos mercados da Comissão Europeia, dando o orçamento europeu como garantia. Mas quando analisamos o envelope financeiro acordado, o que verdadeiramente sobressai é que cada Estado-membro conseguiu ver ressalvados os seus interesses particulares, por via das dotações nacionais.

Neste acordo, do qual se diz vir reforçar a “confiança” no projeto europeu, a União e os seus projetos conjuntos – na Ciência, na Inovação, no Digital, no Clima, na Juventude, na Saúde, Educação e Cultura – são os principais sacrificados.

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É um acordo, enfim, que dá resposta a problemas do presente – como se impunha –, mas que lança sombras de incerteza sobre o futuro. Iremos responder no imediato ao impacto da crise económica causada pelo coronavírus. Mas teremos piores condições para prevenir situações semelhantes. Porque não teremos os meios necessários, nem estaremos suficientemente preparados pela experiência da colaboração conjunta. É esta que nos faz ultrapassar a fragmentação e nos dá a massa crítica para sermos competitivos a nível mundial.

Não basta reafirmarmos solenemente o nosso compromisso com o combate às alterações climáticas, o nosso empenho no desenvolvimento de uma vacina e de terapias contra a Covid-19, a nossa ambição de modernizarmos a nossa economia e de a tornar mais competitiva e resiliente. Tudo isso exige investimento sustentado na Ciência, na Inovação, na investigação, tudo isto exige cooperação entre Estados-membros.

Todos sabemos que apenas com uma Europa mais coesa e cooperante seremos capazes de recuperar a soberania e a liderança que, a vários níveis, temos vindo a perder para os Estados Unidos e diferentes potências asiáticas. Mas o que saiu destes dias de Cimeira não foi uma solução europeia e, sim, um entendimento para que cada um procurasse por si as soluções para os seus problemas concretos, como se muitos deles – para não dizer a quase totalidade – não fossem, na realidade, problemas comuns.

E pelos vistos – o que é particularmente inquietante -, esta foi a solução que deixou todos satisfeitos. Os chamados países “frugais” saíram orgulhosos por verem reduzido o bolo das suas contribuições e por terem conseguido impor alguns mecanismos para, no limite, penalizarem aqueles que ostensivamente apliquem mal as verbas de que irão dispor. Os países mais desesperadamente necessitados da injeção de oxigénio europeia, categoria na qual Portugal se inclui, celebraram o facto de terem obtido tudo ou quase tudo o que pediam. Os restantes parecem ter ficado satisfeitos pelo simples facto de se ter chegado a um consenso.

Não me apercebi – se estou errada, aqui ficam desde já as minhas desculpas – de qualquer reação oficial em que se equacionassem as consequências da opção que se tomou. Em que se perguntasse onde fica neste acordo a “nova geração europeia” que dá o nome ao Plano de Recuperação. Onde estão as respostas aos anseios e necessidades dos nossos jovens, que no futuro serão chamados a pagar as dívidas que agora estamos a criar? Onde está o espaço para o rejuvenescimento e transformação a que todos aspirávamos?

Podemos ser otimistas e acreditar que, estabilizada a situação interna, serão os próprios Estados-membros a fazerem por si os investimentos que deixarão de ser possíveis através dos projetos da Comissão Europeia. É verdade que alguns países até já deram mostras de o quererem fazer. Mas será que podemos mesmo esperar essa atitude da maioria? Se não fizeram esse esforço agora, porque o irão fazer depois?