Se [o relatório] foi pedido pelo senhor ministro das Finanças, o senhor ministro das Finanças terá de ponderar exatamente as consequências do relatório. Vamos esperar para ver — Marcelo Rebelo de Sousa (quem mais poderia ser?!) antes de entrar na cerimónia que assinalava os 140 anos de “A Voz do Operário” lançava a frase-caso do dia que rapidamente se tornou em título de notícias que invariavelmente levam ao mesmo, entendendo-se por mesmo a imposição por parte de Marcelo do afastamento do actual ministro das Finanças: TAP: Marcelo avisa ‘preventivamente’ Medina que o parecer sobre indemnização de Alexandra Reis é para ter consequências (Expresso); Marcelo abre porta à demissão de Medina após “irregularidade” na indemnização da TAP: “o senhor ministro das Finanças poderá ponderar as consequências do relatório” (CNN); Marcelo ‘empurra’ Fernando Medina após auditoria à indemnização de Alexandra Reis (CM)…

Esta fixação das atenções em Fernando Medina prova várias coisas. O primeiro e mais pitoresco facto que estas palavras provam é que para o nosso Presidente o ministro das Finanças não é um melão. Ou mais propriamente não está na categoria dos melões vulgo medidas. Por cobardia, ignorância e leviandade, Marcelo é incapaz de se pronunciar de forma substantiva sobre as medidas do Governo mesmo quando elas suscitam as maiores dúvidas, daí que tenhamos acabado na avaliação segundo os parâmetros aplicados aos melões: “Só se sabe se o melão é bom depois de o abrir. Olhando para o pacote de medidas, que é muito grande, não é possível ter um ideia clara do que está lá dentro. Ontem foi apresentado o melão, agora é preciso abrir o melão e olhar para cada lei e ver o que cada uma delas diz” – declarou Marcelo a propósito desse remake da Reforma Agrária de 1975 que é o arrazoado de intenções sobre a habitação agora anunciado pelo Governo. (Valha a verdade que a bitola melão é um avanço sensorial em relação ao critério do “benefício da dúvida”. O “benefício da dúvida” foi o critério de avaliação invocado por Marcelo para aprovar, em 2016, a semana de 35 horas para os trabalhadores em funções públicas. À época Marcelo “avisou que vai estar atento e, se houver um aumento das despesas por causa da medida, pedirá a intervenção do Tribunal Constitucional”. Sete anos depois continuamos à espera que Marcelo faça as contas do resultado do “benefício da dúvida”, donde o parâmetro melão parecer à partida mais eficaz.)

Seja como for e no que para o caso interessa Fernando Medina não é um melão porque ao contrário do que acontece com os melões (leia-se medidas) Marcelo não espera para o abrir e já disse de sua justiça: “Se[o relatório] foi pedido pelo senhor ministro das Finanças, o senhor ministro das Finanças terá de ponderar exatamente as consequências do relatório. Vamos esperar para ver.”

Porquê eu? –  deve interrogar-se Fernando Medina cuja demissão da pasta das Finanças se tornou uma espécie de notícia em banho-maria: numa semana anuncia-se a sua demissão porque vai ser constituído arguido por causa das investigações na CML na outra por causa das conclusões do inquérito às nomeações na TAP.  Mas porque não gozará o ministro das Finanças do estatuto de semi-inimputabilidade de que goza o ministro  Gomes Cravinho que não contente com as contradições em que caiu no parlamento a propósito das nomeações que fez enquanto ministro da Defesa, foi para o Brasil anunciar a presença de Lula da Silva na sessão solene do 25 de Abril no parlamento português, antes sequer do parlamento ter votado esse convite?! Afinal, nessa espécie de reality show diante dos microfones que é a presidência de Marcelo, à entrada da cerimónia que assinalava os 140 anos de “A Voz do Operário”, o presidente da República para além de falar sobre Fernando Medina também se pronunciou sobre o incidente diplomático criado pelo ministro Cravinho, incidente que pode marcar a visita de Lula a Portugal em Abril: “é bom que corra bem e não haja um problema por causa dessa coincidência e que a coincidência de datas em vez de ser uma coincidência que significa uma boa coincidência, não, passar a ser uma má coincidênciaPercebido? Não! Mas também não interessa. O ministro que está na berlinda é Medina porque é em torno de Medina que Marcelo e Costa ensaiam o que gostam de fazer: jogos de bastidores.

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De todas as vezes que se disser que o PR em Portugal não tem poder lembremo-nos de Marcelo Rebelo de Sousa, o actual PR revelou um poder presidencial até agora desconhecido: o de abandalhar o regime. Aquilo que está a acontecer é que Marcelo depois de se consolidar como o grande abandalhador do regime quer mostrar que é Presidente. E é aí que entra Fernando Medina. Impor a saída de Fernando Medina iria marcar o seu mandato e, acredita Marcelo, calar críticas dos seus. O problema é que Marcelo como todos aqueles que sobrestimam a sua inteligência política subestima a inteligência dos outros e António Costa farto como está da contestação nas ruas, das dificuldades da governação (nunca se viu um governo com tal dificuldade de concretização!) e da omnipresença televisiva do próprio Marcelo a dizer uma coisa, o seu contrário pode aproveitar para provocar a queda do Governo e desse modo antecipar-se na gestão do calendário eleitoral. Neste sentido o anúncio de Lula na sessão solene do parlamento a 25 de Abril, ofuscando até, pela polémica, Marcelo Rebelo de Sousa, não foi necessariamente um delírio de Gomes Cravinho mas mais provavelmente uma inconfidência inoportuna.

Por fim, caia o governo quando cair, ao PS que se vai apresentar a eleições não basta ganhar essas eleições, o PS quer conquistar os votos do PCP e sobretudo do BE. O PS centrista morreu senão de todo pelo menos para António Costa. Quando o PS apresenta um pacote para a habitação que ataca os pequenos proprietários está a ir também contra o seu eleitorado. Quando o PS estabelece uma relação entusiástica com Lula da Silva está a dizer-nos a todos que nunca reflectiu sobre o caso José Sócrates e que pretende captar o voto da extrema-esquerda.

Logo a demissão ou não demissão de Fernando Medina é muito mais que a demissão de Fernando Medina. A grande questão é se já começou a contagem decrescente para o fim do XXXIII Governo Constitucional. Medina pode ser o pretexto. Um bom pretexto.