A formação da opinião pública foi o fundamento principal da democracia política nos primórdios da modernidade. Era ela a principal garantia da defesa contra a apropriação das cabeças pelo obscurantismo do poder absoluto e pelo dogma eclesiástico. Assim se conseguia formar o cidadão autónomo capaz de um uso adequado da razão em prol de posições gerais e universalizáveis, seu critério, e de conferir através do seu esclarecido voto legitimidade aos eleitos. O simples homem passava a cidadão e o governo era cada vez mais uma consequência da opinião pública.

Ora esta invejável situação está muito longe da realidade actual. Os media de hoje são os principais protagonistas de uma transformação profunda das coisas. Da informação aos cidadãos passaram para a formatação dos cidadãos. O critério já não é a razão mas sim a audiência e esta, por sua vez, é a única garantia do lucro necessário para remunerar os largos investimentos que se fizeram na imprensa e na televisão. A ideia não é fazer pensar mas sim levar o cliente a consumir o que lhe vendem. O que importa é que o cidadão adira, não importa a quê, no imenso mercado da audiência. O jornalista transformou-se no centro orgânico que é como quem diz, natural, desta nova realidade publicitária. Cuidado portugueses! Querem fazer da vossa cabeça uma prótese tecnológica.

Para segurar a audiência o jornalista precisa de um público e para isso faz tudo; veicula notícias sensacionalistas destinadas a provocar emoções fortes, personaliza a política, esmiúça as vidas privadas dos políticos e dos «famosos», alimenta escândalos, contrata como comentadores autênticos trogloditas a quem paga para dizerem enormidades, como tanto sucede no nosso país e inventa os necessários papões quer dizer, «fascismos», em toda a parte. Joga tudo na eficácia comunicativa à medida das expectativas que criou no público. O lixo que vende destina-se a substituir o poder político legítimo saído das eleições pelo poder mediático que precisamente desvaloriza o significado daquele em benefício de um mainstream acéfalo, volátil e balofo. Já não há opinião pública. O que há é opinião de um público fabricado e quotidianamente alimentado à frente da televisão e da rede. O poder político assim nascido nestas águas turvas, por seu turno, agradece porque o espectáculo mediático só o favorece; são os menos capazes que são promovidos, é a banalidade e o comentário do quotidiano que contam e a preparação cultural é considerada um estorvo. Poder político e media têm, a final, interesses comuns; audiências e ineptocracia conjugam perfeitamente.

O novo espaço público é electrónico, alimentado pela televisão ou pela rede perante um espectador cada vez mais isolado e indefeso. De um lado, o ecran e a rede e do outro, uma mente frágil e passiva. Os jornalistas, comentadores, fazedores de opinião e quejandos estão no seu elemento. Como dizia há anos G. Sartori, começa-se hoje por ser vídeo-criança e acaba-se em tele-adulto.

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A política transforma-se pela mão da comunicação social num espectáculo no qual mesmo a verdade acaba por ser um aspecto da farsa. O cidadão, por sua vez, está reduzido a um espectador passivo. A opinião pública de antanho não é hoje mais do que a opinião do público.

E a democracia?  Já não é a da razão porque não tem uma opinião pública pensada e autónoma que a sustente. É a da mera opinião. E esta, como vimos, é formatada não pela consciência crítica mas pelos media. O espaço público é hoje o espaço dos media e a democracia deixou de ser a dos cidadãos activos e passou a ser o do público passivo. Os jornalistas são apenas mais um elemento de um sistema que os transcende.

Esta deplorável situação não é uma fatalidade. Mas como sair dela? É para isso que existem as entidades reguladoras da comunicação social e está constitucionalmente assegurada a sua independência. Entre nós está garantida a desgovernamentalização da entidade reguladora e não lhe faltam poderes de intervenção moderadora mas por si só não basta. O defeito é estrutural e não se trata com paliativos. É a própria natureza dos media e da comunicação por seu intermédio estabelecida que está em jogo.

Não é com a reforma das instituições controladas pelo Estado, todas no nosso país, que vamos colocar a imprensa ao serviço da opinião pública. O Estado português, como o parasita, não tem tendências suicidárias nem se reforma a si próprio, pelo contrário, cresce e crescerá sempre se o deixarmos. Conta para tanto com a astenia da sociedade civil que favorece a passividade do público e o correspondente império dos media. Quanto mais a sociedade civil estiver anestesiada e abúlica mais exposta fica aos desmandos da comunicação social.

A sociedade civil ou seja, todos nós, só tem uma maneira de se defender; apostar na formação da cidadania. Li há dias uma frase atribuída a um antigo presidente segundo a qual o 25 de Abril nos trouxe a liberdade política mas não formou cidadãos. Tem toda a razão. Mas é preciso não esquecer que a cidadania começa em casa e em círculos restritos e só depois entra na esfera do ensino. É difícil dizer hoje isto depois de décadas de tentativas de desvalorização da família como centro da educação e da moral e de monopolização do ensino pelo malandro do Estado português.

Mas há uma coisa que os campeões das políticas públicas estatais ainda não perceberam; é que quanto mais a instrução estiver generalizada, boa ou má, isso é outra questão, quanto mais o português médio for autónomo e letrado, quem perde são eles. Dias virão em que já o não enganam. Nessa data a sociedade civil portuguesa, enfim livre e emancipada, verá a luz.

Os partidos actuais estatizados nunca entenderão isto; era preciso um raciocínio dialéctico, mas isso não está ao alcance das luminárias que os guiam.