1 Liberalismo e a segurança e defesa

O liberalismo jamais deixou de se preocupar com a segurança. O liberalismo não advoga a eliminação do Estado, nem da autoridade pública. É certo que a preocupação liberal começa pelo indivíduo. Mas o Estado, as entidades e instituições políticas, económicas e sociais, até porque sem indivíduos não existem, também são objecto de consideração pelos liberais. Aliás, no contexto da teoria e da práxis liberal, a atenção dada ao Estado, à sua representação e atribuições, é inquestionável. São as Constituições que limitam o poder do Estado e que garantem as liberdades aos cidadãos. A observância do Estado de Direito e da Separação dos Poderes é essencial para a segurança dos indivíduos.

Nesse sentido, a observação dos mesmos pressupostos no contexto das relações internacionais é perfeitamente inteligível. Assim, pese embora não seja possível ultrapassar as circunstâncias inerentes às formulações de Jean Bodin, o liberalismo, respeitando a autonomia dos Estados, defende o direito internacional que visa a paz e a segurança internacional, começando pela Carta das Nações Unidas.

O respeito pelos convénios internacionais de colaboração, cooperação e até de integração que visem a defesa da segurança internacional, ao revelarem uma preocupação com a segurança e a defesa dos indivíduos, só reforçam os fundamentos do liberalismo. Ou seja, tal como o faz no contexto nacional, o liberalismo também se opõe ao abuso do poder e da força no âmbito internacional.

2 A segurança é um dos fins do Estado

A defesa, e a segurança a ela adstrita, é uma condição sine qua non para os liberais. Para a manutenção dos elementos do Estado e a prossecução dos seus fins, incluindo a segurança dos cidadãos, é imperioso que a defesa seja entendida como uma função de soberania. E é assim que os liberais a entendem.

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Convém não esquecer que Defesa e Segurança são dois conceitos distintos, mas conciliáveis e interdependentes, que, ao respeitarem as razões do Estado democrático, contemplam e legitimam no âmbito destas o uso legal da força para a conservação da ordem social. Pela Segurança, o Estado procura criar as condições que possibilitem ao indivíduo viver em liberdade, usufruindo do bem-estar em comunidade, livre de ameaças. Por sua vez, a Defesa respeita aos instrumentos e mecanismos que possibilitam proteção, englobando todas as circunstâncias estruturais e conjunturais, desde a manutenção da paz à resistência a um ataque externo.

Sou apologista de que o Estado deve honrar os seus compromissos, nomeadamente, no que respeita à defesa, aqueles que foram estabelecidos com a NATO. As Forças Armadas portuguesas têm de ser objecto de um reforço orçamental que vise a adequação das mesmas às realidades, quer de infraestruturas, quer de recursos humanos, quer dos objectivos estratégicos. Por exemplo, sendo Portugal classificado como um país arquipelágico, é natural que o investimento na Marinha e Força Aérea deva ser prioritário (até pela dimensão da nossa Zona Económica Exclusiva).

Como função de soberania é vital que a Defesa não continue a ser descurada como tem sido. Para além disso, é primordial que os investimentos sejam executados e fiscalizados de forma a evitar o desperdício e a maximizar a eficiência.

3 Compromissos e a realidade

Portugal assumiu responsabilidades que ainda não cumpriu plenamente. Há dias, na reunião da NATO, em Bruxelas, o Primeiro-ministro recordou que já em 2018, os Estados-membros tinham assumido um compromisso escrito quanto à progressividade do reforço do orçamento em matéria de defesa e afirmou que Portugal iria proceder em conformidade.

A avaliação feita no âmbito da NATO Defense Planning Process, revelou que Portugal tem falhas nos recursos humanos (estamos a mais de 4 mil homens do total de 32077 efectivos previstos para 2022) e deficiências na prontidão dos meios, devido ao persistente desinvestimento nos três ramos das Forças Armadas (desde 2010, o Exército, a Marinha e a Força Aérea perderam €127,4 milhões nos seus orçamentos de operação e manutenção).

Obviamente, não é apenas a falta de verbas que terá implicações à participação nas missões internacionais. A falta de efectivos militares tem consequências no treino, no manuseamento e na manutenção dos equipamentos. Com menos verbas e menos recursos humanos é impossível que a pronta utilização dos equipamentos não seja afectada. Note-se adicionalmente que muitas das infraestruturas das Forças Armadas estão degradadas, que não há um programa de reequipamento consistente e que os planos de manutenção não são cumpridos.

No âmbito dos compromissos assumidos para as operações da NATO Response Force, a Marinha devia disponibilizar duas fragatas. Porém, a Marinha só tem uma fragata devidamente capacitada para missões de combate e/ou operações similares. No contexto das Forças Nacionais Destacadas, para além do treino das mesmas, cada missão operacional deve considerar recursos humanos em três fases – destacamento, preparação e reserva – de modo a garantir uma rotação que previna o desgaste. Na República Centro Africana, Portugal participa em duas missões: MINUSCA (ONU) e EUTM (UE). Só nestas duas missões estamos a falar de 224 homens. A rotação desejável não está a ser conseguida e dificilmente o será. E abstenho-me de referir os problemas de meios que os nossos militares vivenciam.

Qual é a palavra que melhor descreve a realidade das Forças Armadas? Insuficiências!

4 Promessas e futuro

Durante a discussão do OE2022, António Costa afirmou que a verba para a defesa foi aumentada. Querem saber o quanto estamos longe de cumprir o acordado com a NATO? Vejam o valor do PIB, calculem 2% e comparem com o montante que o Governo socialista alocou à defesa.

Suplementarmente, deve ser salientado que o montante orçamentado para as Forças Nacionais Destacadas foi de 73 milhões de euros. Considerando que Portugal participa em 14 missões internacionais, não é difícil perceber que esse valor não será suficiente. O Ministro das Finanças garantiu que não será por questões orçamentais que as missões internacionais deixarão de se cumprir. Ou seja, Fernando Medina veio prometer a receita do costume. Em vez de uma previsão orçamental adequada, haverá mais dinheiro para as eventuais necessidades.

Assim, à semelhança do que os socialistas já fazem para a saúde, educação, etc., também a defesa passará a contar com dinheiro esporádico sem qualquer esperança quanto à resolução dos problemas estruturais do sector.

Devido à guerra na Ucrânia, resultante dum acto de agressão inqualificável da Rússia, a defesa reassumiu a importância que nunca deveria ter perdido. Que faz o governo português na defesa? Sorri e acena!

E é a sorrir que caminhamos para um orçamento de defesa análogo ao de Madagáscar.