Chama-se spin. É a técnica de lançar notícias bombásticas sucessivamente, para que as pessoas, ainda para mais alimentadas nas redes sociais, nunca parem para pensar e se limitem a viver o dia a dia a discutir a notícia do momento.

Estávamos nos Santos Populares quando o Governo anunciou o fecho da Área Metropolitana de Lisboa para conter naquele espaço o elevado número de infetados. Duas semanas depois, sabemos que essa medida foi inútil. Para além de dar diretos dramáticos para os telejornais (porventura, criada para isso mesmo), não teve qualquer efeito na contenção do número de infetados.

Para que ninguém questionasse este fracasso e qual o raciocínio que a ele levou, a regra do spin obriga a lançar mais medidas, mais dramáticas e que encham mais os telejornais. Lança-se então a obrigatoriedade de teste ou vacinação para entrar em alguns restaurantes, em alguns dias, e a mesma obrigação para hotéis e alojamentos turísticos em todo o país.

Os restaurantes são o bode expiatório desde o primeiro dia. Muitos nunca mais abrirão.

Que uma resolução do Conselho de Ministros possa limitar o acesso aos restaurantes e hotéis é uma flagrante violação do artigo 19º da Constituição da República, violação que só Marcelo não vê. Não é só a questão legal: faz algum sentido que os clientes tenham de fazer testes perante um funcionário da restauração e não um agente de saúde que esteja tecnicamente preparado, que identifique sintomas e obrigado a sigilo profissional? E, estando os clientes infetados, o funcionário que está ali a assistir fica de quarentena? E quem prepara e serve a comida já não precisa de ser testado e vacinado? Só os clientes….

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Voltam também os concelhos. Fazemos todos de conta que não conhecemos a forma como funcionam as áreas metropolitanas, onde há uma total integração urbana: é preciso teste no Porto? Não faz mal, almoça-se em Vila do Conde, na Maia ou em Espinho, aliás, bem à beira-mar.

E reparou que não é necessário teste para almoçar numa esplanada de restaurante mas já é preciso se for a esplanada do restaurante de um hotel?

Nos alojamentos é ainda mais incompreensível. Um casal que viva só e alugue um apartamento de férias precisa de teste ou vacina para lá entrar. Algum aumento de perigosidade? Objetivamente, nenhum.

O presidente da associação do sector já veio protestar: as empresas fizeram pesados investimentos – a pedido das autoridades – para acabar com o check in pessoal, substituído por códigos de entrada. Aliás, é isso precisamente que os clientes procuram: a ausência de contactos. Agora deitam tudo a perder, pois as autoridades exigem o contacto pessoal para confirmar documentos ou realizar testes. Calcula-se que nos motéis também esteja alguém na entrada a enfiar a zaragatoa e um senhor da ASAE ao lado a confirmar.

Estou vacinado e encorajo o/a leitor a que se vacine. Porém não cabe aos restaurantes e hotéis pagarem com a sua subsistência o preço de uma política pública de vacinação. Já todos percebemos que é disso que se trata e não do risco dos restaurantes: se fosse esse o caso, haveria testes em todos os autocarros, metros e carruagens da CP. O que se trata é de dizer às pessoas que quem não se vacinar terá uma liberdade sempre condicionada. É uma campanha de vacinação feita à custa dos restaurantes.

Não se compreende, neste contexto, o silêncio cúmplice das associações do sector, sempre lestas de mão estendida para apoios. Evidentemente, um restaurante só, absorvido pela luta em sobreviver, não pode fazer política, mas é para isso que existem as associações. E estas? Com a honrosa exceção da PRO.VAR, o silêncio é ensurdecedor: Da AHRESP pouco se ouve. Seria interessante saber o que pensa Cristina Siza Vieira, vice-presidente executiva da Associação da Hotelaria de Portugal, sobre a afirmação do ministro da Economia: “A alternativa ao certificado Covid na restauração era termos a restauração fechada.”

A democracia não é apenas o regime em que elegemos políticos. Salgueiro Maia não dormiu naquela noite também para que tivéssemos a liberdade de expressão: a forma como se estão a sacrificar os restaurantes é de uma profunda injustiça.