A minha filha tem 12 anos e, ultimamente, as suas listas de desejos para o aniversário e para o Natal são sempre encimadas pelo TikTok. Mais do que roupa ou dinheiro, a minha filha quer que eu a deixe instalar a aplicação no telemóvel para poder assistir a jovens idiotas a falarem de roupa e dinheiro. Tem um desejo profundo por redes sociais que, para já, tenho conseguido contrariar com sucesso através de uma estratégia proactiva que passa por mostrar que o TikTok é uma perigosa bodega. Esta semana, por exemplo, enviei-lhe uma notícia sobre um rapaz que morreu depois de fazer um desafio no TikTok que consistia em tomar doses cavalares de um medicamento para alergias.

Como qualquer pré-adolescente, a minha filha tem sempre uma resposta: “Pai, mas eu não sou burra e não tomo medicamentos que podem fazer mal, eu sou esperta e penso. Só quero o TikTok para fazer danças”. Evidentemente, reagi como um pai orgulhoso pela boa capacidade de argumentação da sua filha: fui à procura de provas falaciosas que me ajudassem a ganhar a discussão. Não imaginam a quantidade de resultados que a internet devolve quando googlamos “dies while dancing”. Há muitos bailarinos a cair para o lado sem ser por fazer parte da coreografia. Sobretudo na Índia. Provavelmente, porque aquelas danças de Bollywood são muito exigentes ao nível de movimentos do pescoço. Tirei dois ou três screenshots e enviei para a minha filha. Ela respondeu: “Porque é que morreram?” E eu: “Porque desobedeceram ao pai delas”.

Portanto, acho que consegui adiar o TikTok, pelo menos até ao próximo aniversário. Mas é fatal que, mais cedo ou mais tarde, a minha filha venha a ter essa e as outras redes sociais, mais as novas que ainda hão-de inventar. O tempo não pára, ela vai crescer, não há nada que eu possa fazer quanto a isso. Resta-me deixá-la o melhor preparada possível para uma realidade que é inevitável.

No fundo, é mais ou menos a mesma coisa que, nos últimos tempos, o universo anda a fazer com o povo português. A tentar preparar-nos para uma realidade que, inexoravelmente, vai chegar. Fá-lo através de pequenas dicas, como esta, que nos indicam que José Sócrates se vai safar. É inevitável.

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Para já, vão prescrever os crimes de falsificação de documentos. Sócrates tem interposto tantos recursos que vai esgotar-se o prazo para ser julgado pela simulação do contrato de arrendamento da casa de Paris, quando na realidade a casa era sua, assim como por ter forjado contratos com Domingos Farinho (que lhe escreveu a tese) e com António Peixoto (que tinha um blog de propaganda do Governo). Quando era Primeiro-Ministro, José Sócrates gostava de mostrar a sua boa forma física, fazendo jogging sempre que podia. Mas agora, da mesma maneira que há quem esteja a passar do ténis para o padel, Sócrates evoluiu e, em vez de correr, passou a recorrer. É o seu desporto de eleição. Por enquanto, tratam-se de infracções pequenas, claro, mas servem de amuse-bouche para o que se começa a aproximar: a prescrição dos crimes de corrupção, fraude fiscal e branqueamento de capitais.

Não nos iludamos. Desde aquela noite de Novembro, em 2014, quando Sócrates foi detido à saída do avião, sabíamos que, mais dia, menos dia, ele ia-se safar. Mesmo com todas as provas, as entregas de dinheiro vivo pedidas em código, a vida de luxo, os testas de ferro, os telefonemas incriminatórios, a ligação a Ricardo Salgado, mesmo com tudo isso, sabíamos que, mais dia, menos dia, Sócrates ia safar-se. Mais dia, menos dia é hoje.

E sabemos, mesmo que não queiramos, que, depois de safo, Sócrates não se vai deixar estar sossegado a aproveitar os milhões que tem guardados. (Emprestados pelo amigo, claro! Não estou a insinuar nada. Era só o que faltava que, no fim disto tudo, eu acabasse por ser o único condenado, a ter de pagar uma indemnização de milhares de fotocópias ao ex-PM). Não, Sócrates vai querer voltar a desempenhar um papel na política do país. Sócrates vai ser Presidente da República. Em 2036, respeitável ancião de 79 anos, bronzeado pela maresia ericeirense, apoiado por adeptos já sem vergonha de o serem, orgulhosos por poderem dizer “ele é inocente, nem sequer foi julgado”, Sócrates vai esmagar na primeira-volta. Haverá alguns refilões a escrever crónicas inflamadas a repisar as escutas, a casa de Paris, o amigo Santos Silva, o Freeport, a OPA da PT, a compra da TVI, a licenciatura ao Domingo, a bancarrota e toda a ladainha botabaixista. Poucos e cada vez mais ignorados. Um leitor incauto que, por engano, se deparar com um desses textos, há-de perguntar: “Quem é o Freeport? Onde é a OPA? O que é um Santos Silva?” Estes paranóicos anti-socráticos serão, em 2036, o que os maluquinhos da conspiração de Camarate eram ainda no início deste século. Por mais bem documentados que estivessem, nem os simpatizantes os queriam ouvir. O país não estava nem aí. E, em 2036, também não vai estar nem lá.

Estou convencido que José Sócrates vai ser um bom Presidente. É bom ter um milionário como Chefe de Estado. Marcelo Rebelo de Sousa fez figura de parolo quando recebeu a Rainha de Inglaterra. Se tivesse sido José Sócrates, não se rebaixaria. Sócrates teria tratado Isabel II como sua igual. Afinal, tinham mais ou menos o mesmo dinheiro e desde pequenos que ambos sabiam que iam reinar. Quer dizer, a Rainha Isabel só soube depois do seu tio ter abdicado, mas é quase a mesma coisa.

Como a minha filha com o TikTok, Portugal começa a estar preparado para ter José Sócrates como Presidente. Tenho a certeza que se vai dar muito bem com o Primeiro-Ministro Pedro Nuno Santos. Sim, PNS também é inevitável. E se para Sócrates é preciso que haja prescrições, para Pedro Nuno basta que haja descrições. Só esta semana, houve vários notáveis socialistas a fazê-las. Francisco Assis, Vítor Ramalho e António Costa descreveram os grandes méritos e capacidades da figura. Dizem que PNS é um grande quadro. Concordo. Capaz que seja aquele que envolve o maior cataclismo com aviões desde o Guernica. Mas é inevitável.